[Nicolas]
10 ANOS DEPOIS...
Tentar um recomeço não era lá uma tarefa muito fácil, requer muito esforço e, na maioria das vezes, dias dolorosos e tempestuosos pela frente. Ao contrário do que pensam, é uma caminhada pra se caminhar dia após dia, resistindo à vontade de desistir de tudo e se mostrando forte perante as provas difíceis que irão aparecer. Não é fácil. Ninguém constrói um edifício do dia pra noite, assim como ninguém constrói um novo começo ainda estando manchado pelo passado, mas precisamos ir adiante, sobreviver aos espinhos e nos mantermos firmes, mesmo diante de alguns tropeços.
Enfim, recomeçar é ter que guardar no bolso suas lembranças de momentos passados, trancar no armário as tristezas pelo que aconteceu e buscar novos horizontes, é ter a perseverança de que ainda podemos superar o passado e conquistar o presente.
-Mais alguma pergunta? – Olhei para os rostinhos atentos a mim e absorvendo cada palavra que eu falava e não obtive nenhuma resposta. Era sempre assim, por vergonha ou por medo, eles acabavam ficando acuados e não se expressavam, mas, com jeitinho e tentativas, eu sempre acabava dando um jeito de tirar suas dúvidas – Então o que vocês acham de terminarmos por hoje?
Voltei a falar e vi seus rostos se iluminarem igualmente felizes pela noticia e mãozinhas ávidas começarem a guardar suas coisas, minhas aulas até que eram legais, mas eu sabia e tinha que confessar que nada se comparava a ser dispensado e poder finalmente ir brincar. Me despedi de um por um, lhes dando um beijo e reafirmando nosso compromisso no próximo final de semana, e ainda fiquei alguns minutos ali naquela pequena sala.
As paredes cheias de desenhos coloridos, presos a um varal de corda, me pareciam bem mais alegres agora, pensei e sorri com aquilo. Tinha sido uma boa idéia lhes pedir desenhos semanais que retratassem seus finais de semana, eles sempre ficavam alegres ao me mostrarem seus projetos. Eu me sentia imensamente feliz ao ver que meu sonho tinha dado certo e que finalmente eu estava conseguindo levar meu conhecimento as crianças menos favorecidas ou que precisavam de ajuda. Eu havia me esforçado e muito nesses últimos dois anos para que tudo desse certo, briguei muito por um espaço aos sábados na escola do bairro e brigava mais ainda para que aquele projeto continuasse de pé, mesmo com a falta de auxílio.
-Professor Nicolas?
-Oi. Pode entrar.
Disse ao uma senhora de meia idade que estava parada na porta, esperando que eu voltasse à realidade.
-Oi. Eu sou mãe do William, eu vim buscá-lo e ele me disse que o senhor ainda estava aqui.
-Senhor tá no céu, só Nicolas mesmo. – Eu lhe disse – Algum problema? Aconteceu alguma coisa?
-Não. Eu só vim agradecer o senhor... quer dizer, você. Agradecer você pelo progresso que tem feito com as crianças daqui. A professora do William disse que ele melhorou bastante nas aulas depois que começou a ter esse reforço contigo aos sábados.
Ouvir aquilo fez com que eu abrisse um sorriso que ia muito além do que aqueles que eu estava acostumado, era por isso que eu dava aquelas aulas, era isso que fazia minha profissão valer a pena.
-Eu fico muito feliz em ouvir isso. O William é garoto incrível, inteligente, ele só precisava mesmo desse empurrãozinho. Que bom que o rendimento dele na escola melhorou, não tem nada mais feliz que eu ficar sabendo disso.
-Sabe, Nicolas, o povo aqui da comunidade é um povo sofrido. Aqui a gente luta muito pra conseguir algumas coisas, o governo parece não olhar muito pela gente, por isso, eu faço questão de fazer com que meu William estude... eu quero que ele seja alguém e consiga ser mais do que eu consegui ser. Eu você, com seu projeto, têm ajudado e muito nisso, nós só temos a agradecer.
Ela falava e eu ouvia atentamente, concordando com tudo.
-Eu sei exatamente o que a senhora está falando. Eu mesmo vivi boa parte da minha vida aqui nessa comunidade, com muito esforço e estudo, eu consegui sair para um lugar melhor. E é por isso que eu sempre faço o que eu posso, dou essas aulas de reforço e sempre estou por aqui pra ajudar, por que eu quero que essas crianças e esse povo tenham a mesma oportunidade que eu tive.
-O senhor é uma pessoa muito boa, só alguém com o coração bom de verdade, consegue fazer esse tipo de coisa. Mais uma vez obrigada.
Caminhei ao seu lado para fora da escola e conversando sobre amenidades e coisas do dia a dia, e antes de nos separarmos, ela me garantiu que falaria com mais pessoas da comunidade e que nós juntos não deixaríamos que aquele projeto fosse esquecido ou interrompido. Sim, daríamos um jeito.
Um pouco mais a tarde, estava eu chegando em casa cansado por ter que atravessar a cidade tão cedo, mas com a sensação de dever cumprido.
-Nicolas? – Luan me chamou ao escutar o barulho que eu fazia pra acertar a chave no buraco da porta. Aquela fechadura era muito complexa pro meu gosto e, pra minha sorte, a porta quase sempre estava trancada quando eu chegava.
-Sou eu – Disse finalmente conseguindo abri-lá.
-Demorou amor.
Ele disse me fitando com seus enormes olhos negros e as sobrancelhas erguidas, não é que ele não gostasse do que eu fazia, ele só não entendia porque aquilo era tão importante pra mim a ponto de ficar o dia todo fora. Por diversas vezes nós havíamos debatido sobre isso, eu explicava meus pontos, mas mesmo assim ele achava minha rotina um pouco exagerada. Por vezes eu cansei de ouvir que eu deveria estar gastando meu tempo e sabedoria com algo que valesse mais a pena.
-Me estendi um pouquinho mais na aula e depois fiquei conversando com a mãe de um dos alunos.
Me expliquei rápido a fim de evitar qualquer discussão desnecessária sobre essa assunto. Ele pareceu entender, ou não tentar não dar muita importância a isso e veio ao meu encontro.
-Esqueci que eu tenho o melhor professor do Rio de Janeiro como marido, claro que você iria até perder a hora fazendo isso.
Ele me disse sorrindo e me dando um beijo.
-Amo o que eu faço. – Retribui seu beijo e o abracei. – E te amo também!
Ele, ao ouvir isso, abriu seu sorriso mais bonito e repousou sua cabeça em meu ombro, me abraçando ainda mais forte.
-Adivinha? Consegui terminar mais um capítulo do meu livro! – Ele exclamou contente e eu sabia muito bem o porquê.
-Olha só, parabéns. A editora vai ficar bem feliz ao saber disso.
Eu disse me lembrando das cobranças que ele vinha enfrentando da editora para que seu livro finalmente ficasse pronto. Assim como eu, Luan era ligado a área de letras e literatura, mas havia seguido um caminho diferente de lecionar para crianças e jovens, ele preferiu usar toda a imaginação que tinha para criar histórias que fazia com que todos ficassem encantados. Eu podia falar que estava junto a um cara com um futuro bem promissor se continuasse naquele caminho, admirava-o muito em tudo que ele fazia e, claro, eu era um dos primeiros a ler tudo que ele escrevia.
-Isso merece uma comemoração, não acha?
-Acho! – Eu disse me animando. Seria bom pra nós sairmos um pouco. – Qual vai ser a programação?
-Primeiro você vai tomar um banho! Enquanto isso, eu vou vendo aqui na internet algo, talvez tenha alguma peça de teatro ou alguma exposição pra irmos, depois a gente jantar fora. Agora vai.
Ele sentenciou me fazendo ir tomar banho sem nem poder protestar. Fui direto pro quarto, sem direito a demorar mais um pouco, tirei minha roupa, as deixando em cima da cama e fui pro meu banho. Me peguei assoviando uma musica animada enquanto me ensaboava e deixava que a água escorresse sobre mim, eu estava feliz e satisfeito com a vida que tinha e, acho, que depois de tudo, eu merecia.
Quando sai do banho, com uma toalha presa a cintura e outra secando o cabelo, me deparei com meu celular vibrando em cima das coisas que eu havia deixado em cima da cama. Me aproximei pra ver quem era, mas me surpreendi com um numero desconhecido, resolvi atender assim mesmo, poderia ser importante. Quando atendi, uma voz não muito desconhecida chamou pelo meu nome:
-Alô. Nico?
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Recomeçar
Short StoryNicolas se apaixonou por Martin no mesmo momento em que o viu pela primeira vez, porém, os pais do menino estão bem dispostos a fazer com que esse relacionamento seja interrompido, tentando mil maneiras de afastá-los. Mas, sem que ninguém mais preci...