Chapter 4 - Do you... Do you live here?

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No dia seguinte, sábado, Malory acordou cedo. Os números fosforescentes do relógio digital diziam 8h03. Muito cedo ainda, resmungou, fechando os olhos de novo. Mas não conseguiu pe­gar no sono outra vez. Depois de alguns minutos revirando na ca­ma de um lado para outro, levantou-se, foi até o banheiro e esco­vou os dentes.

Examinou seu reflexo no espelho. Estava começando a se acostumar com aquele cabelo negro retinto. Os primeiros dias de­pois de assumir, uma nova identidade eram sempre meio estra­nhos. Tinha de se habituar a uma nova aparência e um novo no­me, além de lembrar o dos irmãos e o dos pais. Era uma barra.

Suspirando, entrou debaixo do chuveiro. O jato de água quen­te relaxou-a e chegou a pensar em voltar para a cama, mas sabia que não conseguiria dormir mais. Por isso, pegou a calça e a ca­miseta novas que a mãe lhe dera. Vestida, sentiu-se um pouco me­nos desenturmada que antes. Pelo menos não tinha mais aquele ar de refugiada que saiu do frio.

O pai já fora trabalhar, tinha um emprego de fim de semana num restaurante italiano, em Santa Monica, ali perto. Jeffrey Laurence conseguira uma colocação para ele como gerente substituto. Hunter não tinha muita experiência com restaurantes, mas aprendia rápido. O programa de proteção a testemunhas o força­ra a ser pau para toda obra. A cada vez que a família se mudava, era obrigado a pegar um emprego diferente.

Para ser franca, a ausência do pai chegava a ser um alívio. Aquele apartamento era simplesmente acanhado demais para os cinco. Além do mais, Malory se ressentia um pouco de ter de vi­rar "Maddy" sempre que ele estava em casa. Era quase tão ruim quanto ir ao colégio.

Saiu do quarto calçada com as velhas botas e foi em direção à porta. Mike e Tommy estavam assistindo a Gladiadores 2000 e Malory atravessou tranqüila a saleta, sem chamar a atenção dos irmãos. Agora, se a mãe não estivesse na cozinha...

- Mas olha só que madrugadora – comentou Kathryn Hunter, encurvada sobre o fogão, preparando os ovos mexidos. – Está com fome?

Malory olhou para o linóleo rachado e todo manchado do chão. O lugar era um lixo.

- Não, obrigada mamãe – resmungou.

- Você dormiu bem?

- Dormi... Mas acho que estou meio ansiosa para tocar piano na casa da professora Lerner.

A mãe sorriu.

- Aposto que está, meu bem.

Kathryn Hunter parecia especialmente alegre naquela manhã. Malory sabia o que isso significava. A mãe devia estar ainda mais preocupada que de hábito, mas decidiu que o mais prudente era guardar a suspeita consigo. Começou a pôr a mesa da cozinha, cantarolando baixinho seu concertino favorito de De Falla.

- Sempre gostei dessa música – disse-lhe a mãe, melancólica. – E você interpreta tão bem. É a minha predileta.

- Verdade? – Malory estava surpresa que a mãe se lembrasse. – Acho que é a minha predileta também.

Desviando a vista, a mãe começou a mexer os ovos com fúria.

- Quando isso tudo estiver acabado, Mal, você vai ter uma vida normal. Um piano em casa, amigos, namorados... tudo.

Por alguns instantes, Malory prendeu a respiração. Não queria começar o dia dessa forma, com culpas, promessas vãs e falsas esperanças. Mas sabia que a mãe estava fazendo apenas o melhor que podia.

"Um piano em casa, amigos, um namorado..."

Afaste-se de todos os acima citados, Malory pensou, deixando que a raiva levasse a melhor. Porém por alguma razão, o rosto de Justin apareceu-lhe sem mais nem menos na lembrança. Talvez porque ele fosse o que tinha de mais próximo de um amigo. E olhe que mal trocara uma dúzia de frases com o garoto. Mas lhe parecera bom sujeito. Também lhe parecera ansioso em conhecê-la. E era inegavelmente bonito...

The Secret of MaloryOnde histórias criam vida. Descubra agora