10: O circulo sombrio

135 7 0
                                    

☆☆☆
Uma única gota de sangue


    

       Haviam muitas coisas naquela história que estavam me incomodando... primeiro o silêncio do senhor Wilbur e sua tentativa evidente de me ignorar, mas o que mais me deixava cismada era porque ele não queria me dizer a verdade sobre quem era a pessoa que me salvou?, eu só precisava de um nome, uma descrição física, qualquer coisa que me dissesse quem era aquela pessoa... eu precisava ouvir aquela voz mais uma vez, eu precisava ter certeza de que não fora um sonho, eu queria senti-la de novo em mim... mas algo me dizia que eu jamais saberia a verdade se depende-se do senhor Wilbur ele me parecia o tipo exato de pessoa que esconderia um segredo e levaria para o túmulo se fosse necessário... e mesmo que tudo fosse duvidoso, incerto e misterioso naquela história toda, algo em mim teve a necessidade e a curiosidade insistente de encontrar a pessoa que me salvara, ainda que não soubesse o que diria quando o visse, o agradeceria é claro, ainda que achasse que seu esforço para me salvar fosse inútil talvez por que preferisse mesmo estar morta...
       E eu também precisava entender muitas coisas que ficavam cada vez mais confusas entre o que eu julgava que era real e o que era sonho... lembro-me de ter ouvido repetidas vezes em sussurros abafados alguém dizendo que me amava talvez eu estivesse semiconsciente porque eu ouvi outras vozes, conversas apesar de não ter entendido e nem distinguido nada... porque a voz que parecia sofrida, que estava comigo, foi a única que dei alguma atenção mesmo quase inconsciente ainda que muito ficou perdido na escuridão... também tinha sentido algumas vezes que alguém me beijava e abraçava... isto despertava ainda mais a minha curiosidade, não que eu fosse ter coragem para perguntar porque ele tinha me beijado caso o encontra-se de novo, até porque eu poderia ter apenas sonhado tudo mas a voz lembro-me tão bem dela que poderia reconhece-la em qualquer lugar.
       Tentei falar com Tita a manhã inteira, várias e várias vezes insistentemente e outra coisa para me deixar ainda mais inconformada aquele dia, o celular dela só caía na caixa postal então desisti de tentar falar com ela e depois do almoço e de ter ajudado Maria a lavar a louça só para não ter que ficar pensando em coisas que provavelmente me aborreceriam, eu chamei Charlie para se sentar comigo no Jardim... mas ele não quis, ainda receioso, com medo de encontrar o cão raivoso mais uma vez, ele preferiu ficar dentro de casa, e eu não o incomodei muito naquele dia mas não queria mais ficar dentro de casa então me aconcheguei embaixo da dona árvore no quintal apesar do alerta do policial, que decidi ignorar depois de muito pensar, dane-se... eu precisava dormir meu corpo pedia isso ainda que minha mente teimosa não quisesse que eu fechasse os olhos nem por um segundo e não sabia porque, talvez fosse ansiedade... eu queria encontrar o anjo, queria muito saber quem ele era... mas não se pode esperar que um raio caia duas vezes no mesmo lugar, o mesmo sonho duas vezes, ainda que fosse o melhor sonho de sua vida daqueles que te magoaria muito quando chegasse a acordar, lhe magoaria tanto que lembrar desse sonho outras vezes, não só a dor seria profundamente sentida, isso não seria o pior, o pior seria acordar e perceber que nada daquilo era real, isso seria o inferno.
        A grama fresca a sombra da árvore de um dia de sol forte contribuiria e muito para um cochilo da tarde, para a esperança de mais um sonho... tentei falar mais uma última vez com Tita mas a maldita voz eletrônica dizia "Esse celular está desligado ou fora da área de cobertura, por favor tente novamente mais tarde"... só para constar que eu estou tentando desde as seis da manhã... joguei o celular de lado irritada, ele bateu no tronco da árvore e a tela trincou.
-Isso Bella parabéns para você. Disse a mim mesma com ironia, eu estava com tanto sono... fruto de uma péssima noite de sono que não tive como fugir de um interrogatório com um policial que estava me dando nos nervos literalmente e ainda mais uma sessão de tortura com minha mãe discutindo comigo e meu pai discutindo com ela por ela estar discutindo comigo no caminho todo do hospital para casa... tanto sono que nem me importei tanto quando o celular quebrou, eu me sentia confortável e sonolenta e se não dormisse agora a noite eu não conseguiria assistir nenhuma aula.
      Mas ainda tinha algo que me incomodava e era fácil saber o que era, porque eu quase podia sentir as vibrações do sonho que tive ali naquele mesmo lugar isso somado a minha inevitável morte que não era tão inevitável assim e mais às palavras do senhor Wilbur "Cuidado com a floresta", e ela estava lá, a onde sempre esteve, a tão temível floresta... uma parede monstruosa de fundo... verde e marrom quase maciça, quase pedra, feita de raízes, troncos, galhos, e folhas uma parede viva e imóvel, que imaginei que poderia mover-se dali se quisesse... desprender-se do chão e andar por ai pelas ruas da cidade aterrorizando a população se isso fosse possível, e se eu estivesse sonhando talvez... já que agora todos os meus mais alucinantes sonhos pareciam se tornar realidade de uma hora para outra exceto um é claro o da garota de branco ela prometera... não... profetizara um certo alguém... isso soava tão ridículo que visto de fora por um profissional psiquiátrico eu seria internada imediatamente na ala mais inóspita e acolchoada de um manicômio com uma camisa de força feita de ferro e ainda teria uma plaquinha fofa escrita na minha porta do lado de fora, um alerta para os visitantes... "Cuidado: extremamente nociva" podia até imaginar as manchetes na primeira página do jornal "Filha de ilustres médicos de uma cidadezinha pequena, é enternada em um hospital psiquiátrico por alegar que seus sonhos são uma arma de destruição em massa, os pais da jovem declaram que não há o que temer é apenas uma adolescente passando por uma fase difícil é absolutamente normal sonhar com uma criatura estranha, com uma garota de manto mais estranha ainda, ficar obcecada com uma voz de alguém que nem conhecia e com um garotinho perdido que poderia ser muito bem uma alucinação de uma garota desequilibrada, emocionalmente instável, pouco sociável e inegavelmente esquisita, devem ser os hormônios dizem eles, no entanto, ainda sim é um motivo para guardar uma distância segura de uma lunática potencialmente perigosa"...
       Mas... e se fosse verdade?... eu tinha que rezar para ser verdade porque ser tachada de louca é muito pior do que ser chamada de esquisita... mas e se fosse?... tendo em mente a mais remota das possibilidades só por segurança... como eu saberia quando visse esse alguém e se era mesmo a pessoa certa?, eu sentiria uma espécie de empatia espiritual? Um dejavú talvez? Algo como uma atração poderosa e inexplicável?, como eu saberia?, só de pensar na obsessão que isso me causara em menos de vinte e quatro horas já me estressava... eu suspirei e olhei mais uma vez à floresta e suas copas iluminadas pelos raios do sol... a floresta ainda mantinha suas sombras, seguindo para o seu interior ainda mais escuro e apavorante, mas ao menos tinha vida que se movia por ali, esquilos escalando troncos de árvores, até um guaxinim eu pude ver, um ouriço, incontáveis pássaros... os sons dos animais era a única coisa real que tinha ali como se aquele lugar fosse feito para manter as mãos humanas gananciosas e cheias de más intenções o mais distante o possível, mas sempre existem os "corajosos" ou podemos chamar de idiotas...
        Eu estava com sono mas não me arriscaria a dormir olhando para lá e acabar acordando em um pesadelo com um garotinho perdido que aliás era outro mistério sem solução então me virei de costas para a floresta, olhei para casa, a porta da cozinha estava aberta Maria andava de um lado a outro preparando alguma coisa... ela foi a única que não me perguntou como eu fui parar no meio de um incêndio, Charlie me perguntou como uma criança que quer saber uma história emocionante, então eu caprichei na história contando a ele uma versão fantasiosa e empolgante de uma dama em perigo que é salva por um herói destemido e misterioso era impressionante como ele ainda deixava ser iludido por uma fantasia, ele era tão inocente ainda, uma característica que conferia a ele ainda a fase passageira da infância... já Jack com aquele seu jeitinho próprio em um tom sacana disse apenas "-Você foi numa festinha sem me convidar e ainda  deu uma de "Carrie a estranha", chocante", nem perdi meu tempo para discutir com ele enquanto ele ria e assim enquanto pensava nas brincadeiras de Jack e ameaças 100% eficazes de fazê-lo calar, foi naturalmente mais fácil encontrar um caminho dos sonhos seguro sem nenhuma figura perturbadora mesmo com o pesadelo verde e vivo às minhas costas, eu só preciva encontra-la novamente, precisava de respostas e não de mais enigmas sem solução...
         No sonho eu acordei na floresta com os ecos de uma voz por todo lado, chamando-me para que eu me levantasse, eu estava no meio da rua da cidade fantasma, uma rua de pedras cobertas de musgo, árvores e roseiras brotaram do chão entre as fendas novamente... eu fiquei de pé e olhei assustada para minhas roupas, não usava mais nem calça jeans e nem regata mas sim um vestido de linho branco... e uma coisa que apertava minha cintura e se entrelaçava nas minhas costas com laços de fita, e em minhas mãos uma cesta pequena com algumas plantas dentro que eu não sei como eu sabia o que era mas alguma coisa dentro de mim soprou: ervas medicinais, e a voz ecoou por toda parte mais uma vez... eu sabia de quem era aquela voz... eu já podia reconhecer aquela voz feminina e calorosa que me familiarizei... a voz da garota do meu sonho... a garota de manto... a voz ecoou pela cidade vinda da floresta por entre as árvores... as folhas sacudiram como se o sopro da voz dela as tivesse tocado ao passar como o próprio vento, assim como a grama alta... tudo ali se movimentava ao som daquela voz...
     A muito, muito tempo atrás em uma época distante e diferente de tudo que conhecemos hoje onde existia a realeza entre nobres títulos de nobreza, tempos dos Reis e rainhas, príncipes e princesas, uma época onde as batalhas eram travadas com espadas... existia uma doce camponesa, a bela donzela cuja a beleza não se comparava a nenhuma outra ajudava seus pais Maurice e Odete com o trabalho da casa, da orta, da lavoura e de suas irmãs mais velhas Mirella e Melissa... a doce camponesa pertencia a está humilde família de camponeses e não se importava com a pobreza ela adorava ajudar os pais e o resto de seu tempo livre ela se aventurava pelas florestas do Reino do Sul, a terra onde sua família morava pertencia a um suserano, um senhor de terrasss... Disse a voz enquanto eu procurava pela trilha de pétalas de rosas vermelhas, eu sabia que tinha que ir por ali outros ecoos da mesma voz ao fundo da história que ela contava chamavam por mim, pedindo por ajuda... e minhas pernas me levaram por entre às árvores... a voz continuava a falar comigo...
       Um senhor misterioso a quem a familia da jovem servia... seu castelo não ficava muito distante da casa da família da doce camponesa... mas ela nunca se aproximou mais do que o medo lhe permitia dos arredores do castelo do senhor misterioso que inspirava medo não somente na doce donzela mas também aos outros vassalos, o pobre povo que cultivava em suas terras,  todos o temiam, do mais nobre ao mais pobre, do espírito mais ganancioso a alma mais humilde, qualquer ser que temesse pela própria vida ao menor sussurro das histórias daquele vale arrepios não seriam a única coisa que sentiriam... o tal senhor quase nunca saía de seu castelo e quando saía era sempre na escuridão da noite, pelas sombras onde ninguém podia vê-lo, como um anjo da morte que ninguém pode ver, porém todos sentem quando a morte está por pertooo... Disse a voz, e a medida que seguia a paisagem a meu redor mudava a cada palavra dela, o sonho tremulava a minha frente como um tecido fino, mudando de forma ao menor toque da voz, a escuridão me engoliu na floresta, enquanto o meu medo moldava-se nos contornos da história, transformando tudo em sombras, em escuridão, em medo...
         Ninguém via o senhor misterioso mas isso não significava que os olhos dele não vissem o que se passava a sua volta... seu servo fiel Demétrius era quem via e ouvia tudo para o seu senhor... a doce camponesa tinha medo das histórias que rondavam o misterioso castelo e do próprio senhor que ali vivia, por isso suas aventuras se desenrolavam apenas pelas florestas do outro Reino, a jovem camponesa adorava correr pelas florestas do Sul onde eram mais verdes e vivas, onde havia mais animais ao contrário das florestas do Norte que pertenciam ao senhor misterioso onde tudo era sombrio, a floresta era escura e fechada por uma cadeia de montanhas que cercavam o vale, as árvores eram mortas, retorcidas e sem folhas, flores, ou frutos, não haviam animais além dos corvos e de lobos selvagens e seu som era o único que se ouvia ali, além dos ventos que pareciam os sons dos lamentos de almas distantes, não havia animais, não havia plantas que resistisem por muito tempo sem cuidados, não havia vida naquele valeee... Sussurava a voz em meu ouvido como se estivesse ao meu lado, enquanto uma meia escuridão crepuscular revelava as árvores tortas, a terra seca e escura, os sons dos corvos e lobos, como se o meu medo fosse além das minhas imaginações e junto às palavras sussurradas dela recria-se o conto bem diante dos meus olhos, eu me vi em um ângulo que podia ver torres escuras de um castelo ao longe, senti medo... tanto medo de estar ali que queria ter me afastado mas meu corpo não me obedecia, não sentia o medo que fazia minha pele arrepiar-se com o frio gélido que rastejava pelo ar...
       Uma certa vez... em um de seus passeios pelas florestas do Sul a doce camponesa com seu favorito vestido velho de linho branco ouviu uma voz... os ecos de uma voz que sussurrou em seus ouvidos, os ecos de um lamento em uma gruta escura e assim ela descobriu uma passagem secreta em uma rocha escondida por uma cortina de plantas, a passagem era tão estreita que a jovem camponesa tinha que esgueirar-se por entre as rochas de lado, sorte a dela que ela cabia perfeitamente na abertura, e ela deslizou por essa fissura com sua pequenina cesta na mão, a voz a chamava, chamava por ela, por mais ninguém só por ela e a jovem camponesa nem sabia que somente ela poderia escutar aquela voz, ela viu uma luz tênue iluminar o caminhoooo... Murmurou a voz ondulada a um risinho baixo, e o cenário mudou novamente, minhas mãos tateavam por paredes íngremes, ásperas e úmidas e luzes azuladas brilhavam perto do meu rosto e eu às segui...
       O que a doce camponesa viu não era uma luz qualquer, a luz azulada que ela seguia eram pequenos pontos brilhantes que circulavam no ar como dentes de leão quando assoprados, as pequenas luzes eram magia e essa magia vinha das fadas, eram tão pequeninas que ela não poderia vê-las realmente, e as fadas a guiaram pela estreita passagem conduzindo-a para mais fundo, mas a jovem estava encantada demais com aquelas luzes estranhas para perceber que estava indo longe demais em um labirinto de pedras, ela andou pela passagem até chegar a uma câmara cavernosa ampla e de teto alto e lá ela ficou ainda mais maravilhada pelo grande espetáculo de luzes azuladas rodopiando por toda parte fazendo um lindo e esplendoroso movimento no ar de pura magia, no centro da câmara ela vislumbrou deitada ao lado de um esquife de pedras negras... um ser moribundo... uma mulher, sem forças... no instante em que a viu ela se ajuelhou ao lado daquele corpo vazio de energias cuja a única força que ainda tinha escoava de seus lábios chamando pelo nome da doce camponesa, apesar de não conhecê-la ela sentiu em seu coração como se a conhecesseeee... Disse a voz, e eu me vi em uma câmara de teto alto, com às luzes azuladas rodopiando no ar fiquei tão maravilhada que no começo só o que pude fazer era olhar as pequenas luzes, e lá no centro da câmara ao lado de um esquife, a garota de manto estava ali parada... seus lábios vermelhos se abriram em um breve sorriso mas seu rosto ainda estava encoberto... ela segurava uma rosa nas mãos cobertas por luvas... uma rosa vermelha tão vistosa e parecia ser tão sedosa e macia que tive vontade de estender a mão e pega-la... ela estendeu a rosa para mim como se soubesse que eu queria toca-la, eu me aproximei dela e a peguei entre os meus dedos mas acabei espetando um dedo no espinho e a deixei cair no chão.
-Há quem diga que se espetar um dedo em uma agulha é um mal presságio, mas se espetar um dedo numa rosa dias ruins certamente virão mas ainda há esperança. Disse ela fervorosamente, enquanto olhava uma gota vermelha e volumosa se desprender do meu dedo e cair no chão rochoso...
-Como assim dias ruins?. Perguntei, eu não podia ver para onde ela olhava, mas o rosto dela estava virado para o esquife e não para mim.
-Tempos escuros e sombrios virão Bella... e nesses tempos a esperança é a única salvação... um dia não haverá mais luz e o mundo vai se cobrir de trevas... as trevas sairão do túmulo e ninguém poderá impedir o mal que há nele... ninguém estará seguro, e o mal vencerá... exceto...
-Exceto?. Perguntei interrompendo-a, o modo como ela falava... como se prevê-se que alguma coisa... me deixou alerta.
-Se ainda existir esperança... a luz nascerá.
-Luz e Escuridão... o que você quer dizer com isso?... desculpe mais eu não vejo sentido algum no que você diz... o que isto significa?. Perguntei, aflita... ela se abaixou no chão e pegou a rosa que havia caído.
-As mais bonitas são as que tem mais espinhos. Murmurou ela, eu me abaixei no chão também ao seu lado, olhando para seus lábios vermelhos e me perguntando quem seria aquela garota misteriosa.
-Não existe o dia sem a noite no fim, o bem sem o mal, a luz sem a escuridão, o início sem o fim, este é o equilíbrio do mundo... o equilíbrio de todas as coisas, tudo tem que ter e depende do equilíbrio... sem o equilíbrio... se a paz estivesse ameaçada, um país entraria em guerra e arrastaria outros junto com eles... se uma guerra perdura-se para sempre o destino de todos estariam em risco, a paz é o elemento mediador para o fim da guerra, a paz é o equilíbrio... é assim que vivemos... nossa existência depende da paz mundial... do contrário a guerra só acabaria com a morte, até que não restasse mais ninguém para contar uma história e assim, sem o Sol não existiria vida e não existiria dia... sem a lua não existiria noite... e sem ambos não existiria nada... se não existisse o bem a escuridão prevaleceria, se não existisse o mal o bem não teria sentido... tudo era escuridão até surgir a luz... e tudo será escuridão se a luz se extinguir... mas ainda há esperança... sempre há uma luz no fim do túnel, não é o que dizem?
-Do que você está falando?. Minha voz saiu tingida de ansiedade, confusão e angústia como se suas palavras fossem as últimas que ouviria... como se houvesse mesmo um fim próximo.
-Significa que há dois caminhos Bella. Disse ela erguendo-se e eu também fiz o mesmo.
-Caminhos para que?... por favor eu não...
-Dois caminhos distintos para o mundo Bella. Disse ela, eu parei por um momento observando-a... agora eu tinha quase certeza que era loucura... Luz e escuridão... bem e mal... guerra... risco... morte...
-Do jeito que está falando parece que está pressentindo uma espécie de... apocalipse?. Perguntei sentindo um incômodo peso naquela última palavra, eu disse que ela estava pressentindo alguma espécie de catástrofe mas o modo como ela expôs naquelas insinuações... como... se de alguma forma... ela já soubesse que algo aconteceria, como se ela tivesse previsto... olhei para ela paralisada.
-Acha que é mentira não é?... um sonho apenas... mas um dia não muito distante você saberá do que eu estou falando... mas só vai conseguir se lembrar se acreditar Bella.
-Acreditar em que?!... lembrar do que?!
-Do que acha que é loucura e quando acreditar só assim você vai se lembrar de tudo... você não sabe ainda Bella mas sua alma conhece o segredo. Disse ela tirando os espinhos da rosa um a um e recolhendo em uma de suas mãos.
-O que devo fazer agora?... eu não sei o que fazer... como fazer... por onde devo ir... estou no escuro... e você ainda vem com essa história maluca de...
-Então deixe a luz entrar... procure... e continue procurando, nem sempre as respostas virão até você, uma fé inativa é uma fé ineficaz Bella, faça com que as coisas aconteçam dentro e fora de você... e vai se surpreender com o resultado.
-Pelo que devo procurar?. Perguntei perdida.
-Pelo passado... o passado não nos qualifica mas sem ele não somos nada, o passado é o equilíbrio Bella sem ele não sabemos quem somos, não sabemos quem fomos e o presente e o futuro seriam apenas vagas incertezas sem rumos, sem sentido.
-Mas o que há no meu passado?... não tem nada na minha vida de tão surpreendente.
-Respostas não é isso que você busca?... sentido, direção, caminho, propósito, esperança... e quem sabe amor... as vezes mesmo na escuridão mais densa de uma alma sofrida algo floresce outra vez.
-E como faço para chegar até as respostas?... você sabe de alguma coisa?... sim você sabe, e muito mais do que eu, não é?... porque não me conta logo de uma vez?. Perguntei a ela aflita e um sorrisinho surgiu nos cantos de seus lábios.
-Eu tenho conhecimento de muitas coisas... sei muitas coisas... mas só posso lhe apontar a direção e nada mais, mas procure e confie... procure e confie no que vê, no que ouve, no que sente e acredite.
-Mas e se eu não conseguir acreditar?.
-Por favor Bella tenha mais confiança em si mesma ao menos uma vez na vida, olhe a verdade no que você sente e não no que acha que sente... procure sentir... agora você precisa voltar para o seu caminho... a história ainda não acabou. Disse ela indo até a única entrada e saída da câmara e estendendo a mão para a passagem estreita.
-E quanto àquele alguém... que você disse que sentia o mesmo que eu?... quem é esse alguém?... a onde ele está?... como posso encontrar?... como vou saber por quem eu procuro?.
-Não se preocupe.
-Você não vai me contar?... pensei que fosse minha amiga.
-E eu sou.
-Então porque não me conta?. Insisti, ela riu.
-Não gosto de estragar surpresas... não quer ouvir um pouco mais da história?... pensei que estivesse gostando. Disse ela, eu andei até a passagem desanimada... e antes de ir eu me virei para seu rosto encapuzado.
-Quem me garante que isso não é apenas um sonho?. Perguntei, ela ergueu a rosa cujos espinhos ela tirou.
-Vê... ela está muito longe do lugar onde deveria estar foi arrancada de lá... sua vida foi ceifada... e logo ela estará murcha pois foi separada de uma parte vital, da metade de sua vida... vê como ela está ferida... como falta alguma coisa... você se sente assim. Disse ela, eu olhei para a rosa nas mãos dela e virei a cara sentindo aversão de mim mesma.
-Mas e se ela tivesse alguém que também sente o mesmo por ama-la com toda sua alma, seu coração e seu ser... não seria diferente?. Perguntou ela, eu relutei em responder.
-Talvez.
-E quando ela o reencontra-se o que acha que ela sentiria?. Perguntou ela em um tom ameno e doce.
-Não sei... talvez ela achasse que era só mais uma triste ilusão... um sonho... um conto de fadas, talvez ela não sentisse nada, por que não havia restado nada dentro dela para ela sentir algo... talvez seja tarde demais. Disse surpreendendo-me com minha melancolia.
-Ou talvez... mas e se fosse ao contrário?... ela sentisse seu coração corresponder em seu peito quando ouvisse a voz dele, a voz dele seria a única coisa real e clara no meio da escuridão, uma voz que cada parte de seu ser reconheceria, a voz que trará a paz, a voz que apenas esse alguém lhe trará o real sentido para sua vida... quando não sentisse mais nenhuma dor e o que faltava a ela estaria de volta, ela saberia pelo que procurava... e ela se sentiria completa novamente, sua metade estaria de volta... tudo depende do que aquela voz a faria sentir... o que você diria?. Perguntou ela, eu olhei para ela e para a rosa uma última vez e me virei para o túnel amargurada... as fadas azuis brilhavam pelo corredor estreito e disforme.
-O que eu posso esperar de um sonho?. Perguntei sem olha-la.
-Uma esperança e uma única gota de sangue ao acordar... e lembre-se você só precisa sentir e saberá quem é este alguém. Disse ela, e eu a deixei para trás andando pelo túnel apertado como se quisesse fugir das palavras dela mas na verdade eu estava fugindo do medo de que tudo fosse apenas uma mentira fantasiosa, mesmo com seus enigmas, e suas respostas vazias eu gostava de conversar com ela mesmo que ainda saísse mais perdida do que nunca... mas eu não queria mais ouvir enquanto ela cutucava em feridas que eu nem se quer entendia, então resolvi partir... vi a luz no fim do túnel... até que enfim alcancei a saída... e a voz dela ecoou mais uma vez pela floresta.
-Porque está assim?. Perguntou a jovem camponesa olhando para o rosto suave e suado que por um instante parecia quase sem vida mas ela resistiu e se obrigou a abrir os olhos.
-Ouça o que irei lhe dizer... preciso da sua ajuda minha amiga. Suas palavras soaram em um sopro tão baixo que a doce camponesa teve que apromixar seu ouvido dos lábios  daquela estranha que não parecia ser tão estranha assim.
-Irei buscar ajuda... esta muito fraca e não conseguiria carrega-la sozinha. Disse a doce camponesa pressionando seus dedos no pulso da estranha conhecida... a pulsação estava fraca.
-Ninguém mais pode me ajudar além de você.
-Mas como poderei ajudar-lhe senhora?.
-Ouça... apenas ouça... pegue meu colar e o coloque em seu pescoço. Disse a estranha, a jovem camponesa viu um colar com um pingente de cristal entre os seios da estranha, ela hesitou por um momento mas a ansiedade no olhar da mulher fez com que ela pegasse o colar de seu pescoço e coloca-se no seu próprio.
-Agora... preciso que vá até o jardim real e traga-me uma rosa vermelha. Disse a estranha fechando os olhos de repente.
-Mas onde fica este jardim?. Perguntou a jovem ansiosamente.
-É importe que entenda que minha sobrevivência depende de sua ajuda... eu preciso da rosa. Balbuciou a pobre mulher cuja vida estava por um fio.
-Diga-me nde devo procurar para tal rosa por favor. Pediu a doce camponesa desesperada.
-Ouça... nos arredores do Palácio do Sul siga a luz, siga a magia e o caminho lhe será revelado, é lá que está a esperança para que o mal não vença... por favor agora vá, não há tempo. Disse a estranha, e a jovem não se preocupou em ouvir mais nada ela sabia o que precisava fazer, sabia a onde deveria ir, e mesmo que se pergunta-se como uma simples rosa poderia ajudá-la, ela seguiu a luz azulada para fora da câmara em busca da rosa que precisava para salvar a vida que pedia por sua ajudaaaa...
        Ela correu por entre as árvores seguindo as luzes piscantes, atravessando arbustos espinhosos, galhos finos e mortos que arranhavam suas pernas, ela pulava os troncos de árvores caídas que podia, já outros que eram maiores ela escalava, ela correu por entre samambaias, atravessou o riacho tomando cuidado para não escorregar nas pedras cobertas de camadas densas de musgo, ela sobreviveu a tudo naquela floresta com a urgência queimando em suas veias e no fim de sua longa e cansativa viagem pela floresta ela se viu em frente ao glorioso castelo do Sul, a doce camponesa recuou para as sombras da floresta e olhou para seu vestido que era velho e desgastado e depois de sua árdua corrida ele estava sujo de terra na barra e meio rasgado e suas pernas... finos arranhões dos espinhos marcavam a sua pele em riscos vermelhos, a jovem estava suada seu cabelo desgrenhado e se perguntou como poderia entrar despercebida naquele castelo cheio de guardas????... Murmurava a voz enquanto o cenário a minha frente mudava de acordo com a nova perspectiva da história...
       Ela recuou mais um pouco, e o colar em seu pescoço brilhou intensamente junto com as fadas, ela observou as pequenas luzes a rodearem, viu seu próprio corpo brilhar, e algo fantástico aconteceu... suas feridas se curaram e desapareceram, seu vestido foi transformado e restaurado em um longo e branco digno de uma princesa seu cabelo desgrenhado escorregava em sua cintura enrolando-se sozinho em longos cordões de cachos escuros nas costas, assim a jovem camponesa timidamente andou pelos arredores do castelo até que enfim se deparou com um mar de rosas vermelhas do Jardim Real andou por entre elas maravilhada como se não houvesse nada mais bonito no mundo do que aquelas rosas, como se não houvesse outra flor que substitui-se com tal magnificência aquelas flores e suas mãos delicadamente tocaram os pequeninos botões de rosas que ainda não abriram como se tivesse medo de machuca-los... tão perdida na beleza das rosas a doce camponesa não percebeu quando um nobre príncipe se aproximou a suas costasss... Naquele instante em um campo sem fim de rosas enquanto tocava alguns botões a minha frente...
-Precisa de ajuda Milady?. Perguntou alguém atrás de mim, ouvir aquela voz me fez congelar, meu coração apertado não podia acreditar, não era a voz da garota de manto, uma voz que de algum modo fez meu coração saltar não de susto... mas como se ja tivesse ouvido aquela voz antes... em um sonho distante, em um incêndio, eu me lembrei da voz tão nitidamente quanto do estalar das madeiras do teto cujo fogo consumia... a voz do anjo que me salvou não só da morte mas da dor... e era a mesma voz... era a mesma voz... não tinha como ser loucura ou invenção, aquela voz não... meu coração foi tomado pelo deleite da sensação daquele mesmo dia do incêndio, quando pensei que estava morta, quando pensei que um anjo tinha feito a dor parar... ele continuava a murmurar algo a minhas costas em um tom suave, nobre e cortês pertencente a uma época diferente que eu não dei tanta importância... o que ele me dizia ficou fora de foco... distante... ele poderia estar falando em outra língua que eu também não me importaria pois era e foi apenas a sua voz que fez o mundo e o tempo parar por um momento... "a voz dele seria a única coisa real e clara no meio da escuridão"... sim tão clara e nítida que se estivesse cega sua voz me guiaria na escuridão, e eu seguiria aquela voz mesmo sem saber por onde andava, não sentiria mais medo, enquanto fosse aquela voz que estivesse me guiando... eu me virei para olhar...
         Eu acordei então, e me sentei devagar minha cabeça parecia que iria explodir, meu coração acelerado no peito batia de um modo que parecia doer, apertei o prisma entre os dedos até que senti uma leve dorzinha no dedo incador... eu soltei o prisma e olhei para minha mão... o dedo... uma única gota de sangue volumosa saiu dali e caiu na raiz escura da árvore... uma única gota de sangue... só levei um segundo para perceber que só tinha um lugar que eu precisava ir, mais do que precisava era uma necessidade importantíssima que não poderia ser ignorada... eu precisava ir lá e iria acontecesse o que acontecesse correndo o risco de me jogar no poço da loucura ou não... o prisma pesava em meu pescoço era real... eu precisava de mais respostas assim como também precisava achar alguma forma de encontra-lo, eu tinha que ir a biblioteca...

A Bella e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora