19: Poço escuro

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    Estava frio lá... a neve era densa e macia e tão fria que eu podia senti-la dentro dos calçados, os ventos se jogavam contra mim, já não conseguia mais sentir meu rosto, puxei o capuz tentando cobrir a pele gélida... tentei abrir os olhos o máximo que pude mas o vento era cruel enquanto tentava desesperadamente correr de alguma coisa...
    Meus pés se afundavam na neve fofa, se enterravam até os joelhos, olhei para trás a todo instante, meu coração batia em meu peito de alguma maneira que parecia doer, às árvores eram todas iguais, altas e de tronco esguio, cobertas de branco, o vestido branco era longo demais e eu o segurei até os joelhos... tudo era branco demais naquele mundo de gelo e o meu medo era mais profundo e medonho do que aquela floresta escura e vazia... eu sentia medo de alguma coisa... tinha alguma coisa atrás de mim, eu podia sentir o pânico da perseguição... um medo devastador que inundava meu corpo, e embora estivesse com medo e ciente de que estava em perigo ainda assim conseguia correr, minha ansiedade era demais para que eu me permitisse parar, que me desse por vencida quando... alguma coisa me puxou para trás com uma força brusca... eu caí com tudo em um tronco de árvore, senti a dor da pancada em minhas costelas, rolei no chão para ver quem era... o sobretudo de veludo vermelho cor de sangue, os olhos cinzas e o cabelo escuro, era um homem, eu me lembrava dele... era o homem que encontrei na floresta enquanto procurava por Charlie, eu sabia seu nome, Demétrius.
-Desculpe... acordei você?. Perguntou Tita sentada na beira da cama de Charlie com a camisola fina de hospital... eu me levantei da cadeira.
-Você está bem? Precisa de alguma coisa? Quer que eu chame um médico a enfermeira?. Perguntei sentando-me zonza no sofá.
-Bella... relaxe eu estou bem... pode voltar a dormir você passou a noite inteira cuidando de mim e de Charlie ao mesmo tempo... descanse Mulher Maravilha... desse jeito vai tomar o lugar da Stacy como enfermeira do ano... não acho que ela vai ficar muito feliz com isso. Disse Tita referindo-se a enfermeira chefe... Stacy... uma senhora de sessenta anos que no momento não gostava muito de mim, já que eu decide por conta própria fazer um honorário de enfermeira.
      Tita foi levada para emergência assim que entramos no hospital, Nicolay nos trouxe de carro até aqui e carregou Tita até a maca, ela foi levada para um quarto um andar abaixo onde recebeu soro e uma transfusão de sangue, eu passei a noite inteira perambulando de um andar a outra preocupada com os dois... Charlie também não estava muito bem, sua estranha e pouco natural febre não cedia a nenhum medicamento, ele também precisava de atenção. Tita ainda estava pálida demais, os lábios sem cor os olhos pareciam sem... vida.
-Não deveria ter saído do quarto... como ninguém viu você no corredor?. Perguntei, ela bufou sem ânimo.
-Aquele almofadinha do enfermeiro Kotler? Esta roncando no corredor do segundo andar agora mesmo... nem uma bomba nuclear seria capaz de acordar aquele cara, além do mais ficar naquele quarto é um saco... pode dormir fique a vontade.
-Não sei se consigo dormir mais. Disse puxando as pernas no sofá e envolvendo-as... ela se levantou e veio se sentar ao meu lado.
-O que está pegando?... teve algum pesadelo?. Perguntou ela puxando a colcha que me cobria e passando em volta de si.
-Um sonho ruim que anda me acordando a algum tempo... não sei o que significava. Falei olhando o quarto sombriamente, passei a mão na testa suada, e suspirei lembrando do rosto de Demétrius, não fazia nenhum sentido sonhar com ele, ele era um estranho, talvez meu encontro com ele tenha me impressionado por causa do medo mas mesmo assim não fazia sentido, no sonho ele era uma ameaça, algo que queria me machucar, mas porque? Não fazia lógica. Mas tambem tinha outra coisa, algo que estava me incomodando e não tinha nada a ver com Demétrius e àqueles sonhos perturbadores, eu suspirei massageando as têmporas... fazendo um esforço para me lembrar, tinha mais alguma coisa, uma coisa importante que eu tinha esquecido e desde o episódio das ruínas, desde que olhei nos olhos da criatura aquela sensação não me abandonou.
-O mesmo pesadelo?. Perguntou ela, eu balencei a cabeça tentando me livrar daquela angústia.
-Também... mas passou e você? O que a acordou?. Perguntei, ela não me olhou... puxei seu rosto o olhar dela era tenso e sombrio... sombrio de uma maneira que jamais pensei que veria... ela não era assim... nunca tinha visto sombras envolve-la em seu universo intocado, não havia obscuridade em seu olhar sempre vívido e bem disposto... minha mão caiu em meu colo.
-Sempre que fecho os olhos... eu me lembro de quando a deixei para trás com aqueles monstros... quando penso que estou quase dormindo aparece outra coisa em minha mente... tinha alguma coisa lá... eu senti quando ele me pegou, ainda sinto os lábios dele. Disse ela pousando a mão sobre o curativo no pescoço.
-Nunca pensei que houvesse algo nesse mundo que me deixasse mais apavorada do que quando fomos ao cemitério do Rio naquela vez e passamos a noite lá... as lápides eram tão frias... tão frias quanto os lábios daquela coisa... como se os mortos pudessem me ferir... veja só que surpreendente enfim eu tenho medo de alguma coisa, estou morrendo de medo. Disse ela a voz desaparecendo em um murmúrio... eu a abracei.
-Me perdoa?. Perguntei, ela beijou meu rosto.
-Como se você fosse muito assustadora para me deixar em pânico... não assuma uma culpa que não é sua... não foi você que me deixou assim. Disse ela deitando a cabeça em meu ombro.
-Bella... o que eram aquelas pessoas? Se é que eram mesmo humanos. Disse ela depois de um minuto, passei as costas da mão nos olhos... secando às lágrimas.
-Você não precisa saber disso... não tenho que atormenta-la ainda mais.
-Você sabe de alguma coisa... e não quer me contar. Disse ela encostando a cabeça no encosto do sofá... eu segurei o colar em meu pescoço e o puxei para frente, o fecho do cordão prateado se desprendeu facilmente... dei o colar a ela.
-Esse é o colar da história maluca que você me contou?. Perguntou ela, assenti contente por ela ter se lembrado.
-Também demorei um tempo para acreditar nas coisas que aconteciam a minha volta... que existem coisas nesse mundo que são sombrias de mais para entendermos logo de primeira.
-Acho que posso adivinhar aonde quer chegar... por favor pule a parte do suspense. Pediu ela, eu baguncei seu cabelo curtinho levemente.
-Era um vampiro. Disse, sua testa se vincou devagar.
-Eu fui chupada por um vampiro?. Perguntou ela, eu fiz uma careta e assenti.
-Sugada na verdade... quase não conseguimos chegar a tempo... eu senti tanto medo de perder você. Falei, ela me abraçou.
-Acho que já está tudo bem... não quero mais sentir medo.
-Nem eu...
-Como ele está?. Perguntou Tita, sabia que ela se referia a meu irmão, eu me levantei e fui ver como Charlie estava... a febre não tinha ido embora e agora de meia em meia hora a enfermeira ou um dos meus pais vinham submete-lo ao procedimento de resfriamento... com algumas bolsas de água fria e toalhas molhadas para mantê-lo estável.

A Bella e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora