16: Aurora Sombria

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☆☆☆
A conversa

John Wilbur









-Já vai... não precisa derrubar... por Deus será que ninguém pode mais assistir um jogo sossegado?. Reclamei exasperado... alguém batia na porta, ou estava tentando arromba-la enquanto batia, eu atravessei a sala e a abri, ele estava lá, o olhei surpreso... ele não era de chegar assim na casa de alguém aquela hora da noite ainda mais pessoalmente tinha que ter algo de tal importância que iria requerer sua presença... e isso não era nada bom. Olhei sua vestimenta formal... de preto com um casaco longo fechado até os joelhos, pela primeira vez sem chapéu, a bengala com o lobo de prata, embora não precisasse dela, talvez a usasse como um acessório qualquer, parte do guarda-roupa masculino de outra época, talvez ele ainda não estivesse no mesmo tempo que nós, afinal quem usaria uma bengala em pleno século XXI?!.
No passado poderia até ser mais usado como algo que conferia uma certa elegância aos homens de classes mais altas mesmo que não fosse funcional, porém, esse modismo de época já perdeu a vez, seu valor como moda foi deixado para trás, abolido. Mas o fato era que ele estava lá na porta da minha casa com seus dois cães e todos com aquela expressão de quem não estava para brincadeiras, os longos anos de convivência com ele me davam total liberdadepara deduzir que isso era sinal de problemas... dei espaço para que ele entrasse, ele entrou, os cachorros o seguiram.
-Obrigado por me receber John. Disse ele cumprimentando- me com um aperto de mãos.

-Disponha... sente-se... posso perguntar a que se deve essa visita inesperada?. Perguntei enquanto ele abria o casaco e sentava na velha poltrona de couro marrom, os cães se sentaram um de cada lado.
-Como está o garoto?. Perguntou ele, eu engoli em seco e fui me sentar na cadeira de balanço de frente para ele.
-Meu filho esta bem sim... obrigado. Respondi, apertei o copo de cerveja nervosamente... ele olhou minha mão, eu tossi e me remexi na cadeira.
-Não está nem um pouco diferente?. Perguntou ele, eu sabia a onde ele queria chegar...
-Um pouco transtornado... com tudo isso... mas passa.
-Posso imaginar... é o que resta para os que não tem escolha... resignação... qual seria a recompensa em abster-se de tanto quando sua vida lhe foi roubada assim tão impiedosamente? Não há recompensa alguma nessa vida mas imagino que a revolta seja quase inevitável, mas não há nada que se possa fazer contra isso além de fazer o melhor que pudermos para manter a segurança do contrário pessoas seriam mortas e isso não é de longe tão pior quanto condenar alguém dessa forma não é mesmo John? Você não considera uma injustiça? Um ato hediondo feito por um monstro? Uma criatura perversa que não tem dimensão alguma de seus atos? Só um ser tão inescrupuloso assim seria capaz de sentenciar um garoto a própria desgraça como se não bastasse o próprio sofrimento... e eu estou curioso para saber o porque... onde está seu filho John?. Perguntou ele seriamente, pude sentir a irritação em sua vez.
-Adam por favor... ele já disse que não teve culpa nisso...
-Desculpe John mas eu não acredito mais nisso... seu filho sempre foi o mais estável de todos os outros, nunca chegou ao ponto de ferir ninguém e isso é inesperadamente notável partindo do preceito de que você e eu sabemos que não é bem assim. Disse ele, eu assenti procurando por uma forma de tentar explicar.
-Sim eu sei mas ele...
-Ainda sim... isso não é justificável, fui tolerante até agora por ele ser seu filho e por não ter percebido a verdade mas ja chega!. Disse ele, o maxilar severamente firme, os lábios em uma linha estreita, o olhar colérico.
-Que verdade?. Perguntei evidentemente confuso e surpreso.
-Uma que me envolve exclusivamente... agora traga-o até mim. Solicitou ele, eu o olhei e iria me levantar quando meu filho apareceu na sala.
-Já estou aqui pai... senhor Lichtenfels a que devo a honra de sua visita em minha casa?. Perguntou ele, Adam o olhou por um longo momento, tão imóvel quanto um leão prestes atacar, e com o olhar frio, ofensivo olhando diretamente para os olhos do meu filho que o olhava extremamente calmo... os cães rosnaram igualmente severos em seus olhares para o meu filho.
-John?. Chamou-me Adam, eu me virei para ele aflito, ele não olhou para mim.
-Sim?
-Peço que saía por favor. Pediu ele, eu me levantei e saí para a cozinha de onde poderia ouvir tudo, fui até a geladeira peguei uma cerveja me sentei a mesa, eles ainda não tinham começado a conversar, então liguei a TV para que pensassem que eu estava assistindo ao jogo e que não prestava atenção na conversa... aumentei no máximo que pude para poder ouvir o que se passava no outro cômodo e eles começaram.
-Antes de começarmos lhe darei a oportunidade de defesa contra os argumentos que tenho a meu favor para que não haja dúvidas ou injustiças mais tarde... agora quero que diga olhando em meus olhos que não foi você que teve a estupidez de aparecer na minha casa está tarde e como se não bastasse teve o descuido de se mostrar em sua outra forma... Shadow e Hunter o viram e ela também. Disse ele, meu copo escapou da minha mão caiu na mesa a cerveja derramou no chão... a conversa continuou.
-Fui ver Rô mas não contava que a nova amiguinha dela estaria lá com seus cães. Disse meu filho com desprezo... minhas mãos começaram a tremer, os cães latiram.
-Rosemary não estava em casa e se você percebeu isso porque teve a insolência de aparecer para ela!. Disse Adam em alto e bom som... houve um curto momento de silêncio na sala seguido de um som baixo e áspero de um rosnar que não era dos cães, ao fundo do som da TV.
-Ela estava de costas... pensei que fosse sua irmã. Disse meu filho defendendo-se.
-Rosemary é loura não há como confundir as duas... mas porque não usou a forma humana?. Perguntou Adam, o tom de voz um pouco mais recomposto.
-Eu estava tentando concertar as coisas quando passava por lá e decidi fazer uma visita... como disse pensei que sua irmã estivesse la na piscina e não a amiguinha dela. Explicou meu filho com uma certa revolta.
-Você foi o responsável por vigiar o próximo transporte... me diga como o Item escapou. Perguntou Adam, eu me inclinei mais para o lado da sala.
-Eu saí por um segundo para dar um telefonema... esperava que os outros chegassem mas eles estavam demorando... não tinha sinal ali, meu único erro foi ter me afastado do caminhão e depois ouvi um estrondo e quando voltei era tarde demais ja tinha escapado...
-Não estou puramente certo disso de qualquer modo estou aguardando os resultados da perícia. Disse Adam interrompendo-o.
-Creio que não à necessidade. Disse meu filho, eu olhava a TV sem ver.
-Quem decide se à necessidade ou não sou eu... Nicolay, Ivan e Ian disseram que quando chegaram lá você não estava mais.
-Fui atrás do Item. Disse meu filho, peguei outra cerveja na geladeira.
-Na direção oposta?... e porque não informou aos outros o incidente?. Perguntou Adam, eu engasguei.
-Não os avisei porque pensei que conseguiria resolver o problema sozinho. Disse meu filho, peguei o abridor na gaveta e olhei a escuridão da noite do lado de fora da casa pela porta aberta.
-Tomou a decisão errada... e Nicolay está convicto, não, ele tem a mais absoluta certeza de que você foi na direção oposta. Disse Adam, eu suspirei sem saber o que fazer.
-Nicolay me odeia. Disse meu filho, coloquei o abridor na tampa da garrafa e puxei para cima.
-Ele seguiu seu rastro você foi para o Sul e por coincidência, por obra do acaso... na mesma direção onde o filho da senhora Stanley desapareceu. Disse Adam, a garrafa escorregou da minha mão bateu na bancada, caiu e virou todo o líquido amarelado dentro da pia... não levantei a garrafa.
-Eu sempre faço aquela rota quando quero chegar em casa mais rápido... não pensou que Nicolay talvez tenha cometido um deslize? E por que ele não foi com os outros por que foi atrás de mim? Claro ele me detesta e queria ter a oportunidade perfeita de me tirar do caminho mas eu...
-Acalme-se rapaz e tome cuidado com o que diz... Nicolay é muito mais velho e experiente do que você além do mais ele ficou intrigado com a sua mudança de direção... mas porque queria voltar a sua casa se disse que queria resolver tudo sozinho?... porque não cumpriu com sua obrigação de corrigir seu erro?. Perguntou Adam, enquanto pegava uma garrafa de água na geladeira.
-Fui pegar a arma e os tranquilizantes, eu não iria conseguir mover o Item de lugar em segurança com ele em movimento. Disse meu filho, eu me sentei na cadeira e olhei a poça de cerveja no chão... me levantei outra vez inquieto e peguei um pano em cima da pia.
-Não pensou que a prioridade daquele momento exigia que na melhor das hipóteses que você estivesse se certificando de que o Item não fosse causar danos a terceiros Mikael?. Perguntou Adam, me abaixei no chão e comecei a limpar...
-Por isso decide pegar os tranquilizantes seria mais cuidadoso do que se tivesse usado a força para impedi-lo de fugir. Disse meu filho, eu torci o pano em um balde...
-Você só cometeu erros Mikael, seu dever era ter esperado pelos outros mas você não esperou, os deixou no restaurante e seguiu caminho sozinho, na pior das hipóteses o pior aconteceu você deveria tê-los avisado assim que o incidente ocorreu, seguir o Item e impedir que ele cometesse uma devastação maior... você pensou na possibilidade de que ele poderia ter chegado a cidade? No pensou que poderiam ter pessoas na floresta?. Perguntou Adam, sua voz ainda mais áspera.
-Não cogitei essas hipóteses senhor estávamos bem distantes da cidade ainda... eu parei o caminhão e me afastei para tentar falar com os outros que estavam demorando além do necessário então decidi...
-Sim sei... tomar decisões... mas isso é intolerável e se o Item tivesse chegado antes que você?. Perguntou Adam, lavei o pano na pia e peguei o alvejante na porta abaixo.
-Eu sou mais rápido do que todos eles, e não estávamos tão longe de Half Moom, era retornar a cidade pegar os tranquilizantes e voltar até o caminhão, e antes de sair eu tive o cuidado de saber em que direção o Item iria... ele ia para o Norte para a outra cidade que ainda estava longe demais... em meio tempo eu o alcançaria. Disse meu filho, ouvi som de passos na sala... me virei para a porta aberta... Adam tinha ficado de pé.
-Sabe o que mais me chateia? O que mais me incomoda Mikael?. Perguntou Adam começando a irritar-se novamente.
-Não senhor. Respondeu meu filho, eu joguei o alvejante no chão e passei o pano outra vez.
-É que você não tem um panorama mental do perigo que seria se suas decisões não tevissem sido tão infalíveis assim quanto pensou que fosse... pois o Item o seguiu para a cidade. Perguntou Adam, eu parei de limpar e olhei para os dois.
-Como?.
-Sim... o seguiu, retornou pelo caminho e foi atrás de você... agora eu me encontro numa triste situação... eu ainda não tenho certeza de que foi você ou o Item que atacaram aquele garoto. Disse Adam, eu me sentei na cadeira de frente para a porta com aquela incomoda dor nas costas.
-Que garoto?. Perguntou Mikael, Adam se sentou novamente.
-O filho da senhora Stanley... Matthew Stanley. Disse Adam olhando meu filho de forma indagativa.
-Como assim ele morreu? O Item o encontrou?.
-Seria preferível para você que ele estivesse morto, não é Mikael?. Perguntou Adam, a TV saiu do ar... eu me levantei e a desliguei.
-Do que está falando? E então ele sobreviveu? Onde está meu novo coleguinha?. Perguntou Mikael, Adam estreitou o olhar para ele.
-Sinto uma certa aversão em seu tom de voz Mikael não gostava dele? Por acaso tinha problemas com ele?
-O que está insinuando? Que fui eu?... mas isso é um absurdo.
-Talvez não sejam insinuações Mikael prefiro suspeitas fundamentadas.
-No que?. Perguntou meu filho, não podia ver seu rosto mas sua voz era indignada.
-Em uma coisa que minha irmã me disse que deixou-me substancialmente intrigado. Disse Adam, me encostei no encosto da cadeira embora não me sentisse confortável.
-Com o que?. Perguntou Mikael, olhei a cozinha procurando algo para fazer.
-Já se apaixonou por alguém antes?. Perguntou Adam, eu me virei para as costas de Mikael.
-O que Rosemary lhe disse?
-Responda minha pergunta. Disse Adam... o rosto inexpressivo mas o olhar era raivoso.
-Eu não tenho que responder.
-E porque não quer falar? Do que tem medo Mikael?. Perguntou Adam, peguei alguma coisa em cima da mesa.
-Não tenho medo de nada.
-Porque se alterou então?. Perguntou Adam, minhas mãos se fecharam em punho.
-Não estou alterado. Disse Mikael, eu relaxei os dedos quando percebi que estava segurando o ketchup que voou no teto branco.
-Sabe Mikael a finalidade de ter mantido um laboratório aqui em Half Moom foi para que visse os resultados pessoalmente e os tivesse ao meu alcance mas isso só seria possível se tivesse a mais completa certeza de que saberíamos lidar com qualquer tipo de problema, este é o primeiro princípio básico para que isso fosse possível a total segurança... mas já não tenho mais certeza de que consigo manter isso tudo sobre controle quando alguém que eu confiava começa a me atacar assim dessa forma Mikael. Disse Adam, enquanto olhava consternado a bagunça em cima da mesa que em geral eu ignorava.
-A segurança sempre foi perfeitamente eficiente senhor... foi um erro meu admito e peço desculpas mas não á com o que...
-Com o que devo me preocupar? Eu mais do que ninguém tenho plena ciência das minhas inquietações e no momento o que me deixa mais inquieto Mikael é ter a suspeita de que alguém de dentro esteja tentando enganar-me... distraindo minha atenção, e eu estou aqui, perguntando-me o porque, porque alguém causaria essa balbúrdia toda só para que me distrai-se do que esse ser pensava que eu não estava vendo? Mas que grande imbecil seria essa criatura... por pensar que conseguiria sair dessa situação impunemente, que ser iludido seria esse! E eu também não deixo de perguntar-me o que foi que levou essa criatura tão infeliz pensar que eu não iria perceber? Por que chegar a tal ponto? O que o levou a mentir e dissimular? Você teria alguma declaração a fazer Mikael?. Perguntou Adam, minhas mãos começaram a transpirar... minhas atenções estavam todas voltadas para a conversa naquele momento.
-Senhor eu juro que não foi...
-Você?... isso tudo será esclarecido o quanto antes, bem mais cedo do que imagina... mas o motivo pelo qual me fez vir até aqui hoje Mikael foi para alerta-lo e esta será a primeira e última vez que farei isso por consideração ao seu pai que eu estimo muito como meu amigo... primeira e última Mikael... não costumo ser muito condescendente quanto a deslizes intencionalmente provocados que poderiam ter sido a causa de muito mais do que apenas uma vítima... e seu pai sabe que a culpa não vai ser minha se eu me esquecer de minhas considerações... por isso o aviso... pela amizade que sinto pelo seu pai, eu lhe rogo Mikael, pense bem no que fará porque se tentar qualquer coisa daqui pra frente, terá que arcar com as consequências justamente, e se só passar dos limetes será penalizado por isso mas e se acontecer qualquer coisa a ela... se continuar atrás dela, se fizer algum mal a ela... qualquer coisa que a magoe, direta ou indiretamente no instante em que eu ficar sabendo que foi você... não vai conseguir escapar de mim garoto. Ameaçou Adam, eu me levantei e comecei a arrumar a bagunça.
-Ela quem?. Perguntou Mikael inocentemente, eu parei no meio da cozinha...
-Eu sei que você está interessado na amiguinha da minha irmã como você disse... e eu sei que você teve um desentendimento com o filho da senhora Stanley por causa dela, então poupe-me de suas encenações e quero que fique bem claro uma coisa... Já vi essa história acontecer antes Mikael, e você a conhece, e sabe quais são as chances de que ela se repita novamente?. Perguntou Adam, enquanto tirava a louça suja de cima da mesa tomando cuidado para não fazer barulho.
-Não senhor. Respondeu Mikael, comecei a esfregar os pratos manualmente.
-Nulas. Disse Adam, o suor escorria por minha testa.
-Mas...
-Tenha em mente de que se tratando dela você me conhecerá verdadeiramente... não me desafie rapaz você pode saber muito ao meu respeito mas não me conhece então tenha muito cuidado daqui por diante... está dispensado de suas funções por hora, até que isso tudo seja esclarecido... e lembre-se muito cuidado Mikael... não me subestime garoto, não me enfrente... sei que você não tem medo de nada, nada teme mas você só conheceu um lado bom meu... há muito mais em mim além da benevolência Mikael... muito mais o que temer por isso procure ter muito cuidado, considere-se avisado... tenha uma boa noite. Disse ele por fim a conversa foi encerrada, ouvi o som da porta da frente se abrir e fechar suavemente, eu apareci na sala com uma faca na mão.
-Mikael?. Chamei, ele se levantou olhou para mim e para a faca... ergueu uma sobrancelha...
-O que foi pai?... seu time perdeu?. Perguntou ele, eu joguei a faca na pia.
-Dane-se a droga do jogo... isso que ele disse é verdade?. Perguntei, ele se encostou na parede.
-Que verdade?
-Você gosta da filha da Dra, e do Dr. Maquiavéll? Me diga a verdade filho... você tem algo a ver com o desaparecimento de Matthew Stanley?. Perguntei, ele olhou em meus olhos frio... distante...
-Não.
-Está mentindo. Falei, a acidez em meu estômago me deu náuseas.
-O que importa a verdade?. Perguntou ele dando de ombros.
-O que importa?! Ele vai te punir e com razão se for verdade!... perdeu o juízo garoto?!
-Não estou preocupado. Disse ele calmamente.
-Quanta idiotice sua meu filho, parabéns... você colocou a própria corda ao redor do pescoço se você estiver mesmo apaixonado pela garota dos Maquiavéll. Falei, ele sorriu.
-Valeria a pena.
-Como é que é?!. Perguntei, ele me encarou possesso.
-Eu amo aquela garota pai e nem você e ninguém vai mudar isso... não, de jeito nenhum.
-Ficou maluco?!. Berrei, minha gastrite atacou sem piedade.
-Se ao menos ela quisesse fugir desse inferno comigo...
-Se fizer isso ele vai te matar!. Gritei, pegando o remédio em cima da TV e colocando dois comprimidos na boca.
-E eu a levaria junto comigo. Disse ele, eu parei enquanto suas palavras surtiam seu efeito em mim... olhei dentro de seus olhos procurando por qualquer coisa, qualquer coisa que dissesse que ele ainda era humano... pela criança doce e boa que a muito tempo não via ali, ele estava diferente agora, mais do que nunca esteve, mais do que eu poderia reconhecer como meu próprio filho.
-Teria coragem de machuca-la? Você teria coragem de machucar uma mocinha tão linda?... será que você não se lembra do que aconteceu a sua mãe Mikael?. Perguntei... lembrar dela ainda era difícil para mim, mais agora do que antes olhando para o retrato vivo dela em meu filho... e não conseguindo reconhece-la ali no meio da frieza de seu olhar.
-Sim eu me lembro. Disse ele indiferente.
-Ela morreu para salvar sua vida. Disse, buscando uma passagem por sua barreira fria, qualquer coisa que me dissesse que ele ainda era humano... um sinal de fraqueza, alguma emoção... mas não havia nada ali.
-E não fez um bom trabalho... veja só no que eu me tornei, um monstro... seria melhor se tivesse morrido.
-Cale essa boca!. Disse andando até ele e erguendo a mão.
-Ou o que?! Vai me bater?!... issa não seria a melhor de suas ideias... você precisa das mãos para jogar beisebol papai. Disse ele com frieza, meu braço caiu ao lado do corpo enquanto me repreendia por ter levantado a mão para ele, sem entender o que acontecia entre nós dois... em que ponto havíamos chegado... em que ponto eu havia chegado ousando bater em meu próprio filho.
-Você tem que esquece-la filho... você sabe disso... sabe que nessa história não cabe mais ninguém Mika... quantas vezes você ouviu sobre os dois? Jamais vai conseguir o amor dela porque é impossível... entenda isso de uma vez por todas... é impossível.
-Não pode ser... não pode ser... eu a amo pai, eu sei disso, eu sinto isso. Disse ele, o olhar amoleceu... eu vi uma brecha, ainda que tênue, abrir-se em suas defesas... peguei em seus ombros.
-O melhor que você tem a fazer é esquece-la Mikael... por favor meu filho. Implorei, ele se soltou de mim e me deu as costas.
-Não posso...
-Desista disso antes que seja tarde Mikael. Pedi, ele virou... olhou em meus olhos... a raiva ardendo como fogo em seus olhos frios.
-Jamais!
-Não seja tolo meu filho...
-Não perca seu tempo pai... se eu desistir dela terei que desistir de mim mesmo e talvez eu a leve comigo... você não entende... ninguém entende.
-Do que está falando?. Perguntei pegando em seu ombro... ele olhou minha mão agressivamente e eu iria solta-lo mas ele segurou minha mão.
-Nada pai... talvez você tenha razão... é melhor esquece-la, afinal ninguém quer caçar briga com a Fera, o senhor Lichtenfels foi bem claro lembra? Ou não estava ouvido?. Perguntou ele sorrindo... sua testa suada, a mão quente demais.
-Você não me parece muito bem nunca teve um acesso de raiva antes...
-Estou bem, meio descontrolado demais hoje talvez... mas estou ótimo pai. Disse ele tirando minha mão de seu ombro e a soltando.
-Você está me assustando filho.
-Ahh não tenha medo velhote... o lobo mal não gosta de velhinhos indefesos... não são nem comestíveis. Caçoou Mikael, eu olhei em seu rosto.
-Mikael pare com isso filho...
-Acho que vou dormir... e me preparar para amanhã. Disse ele retirando-se da sala eu o segui.
-Se preparar para que?. Perguntei, ele virou.
-Acho que temos um enterro para ir não é?... prestar nossas condolências e homenagens a uma pessoa tão querida. Disse ele com um sorriso cínico.
-Você odeia Matthew Stanley.
-Ainda assim, faz parte do ato e além do mais amanhã é noite de lua cheia não se sabe o que podemos encontrar em uma floresta escura no meio das sombras não é papai?
-Você está delirando?... você está suando meu filho...
-Só resta a demência para os loucos não é mesmo? Paixão é só para os que fazem parte de contos de fadas modernos e amor proibido não é um deles. Disse ele subindo as escadas.
-Ela não lhe corresponde... e jamais prestará atenção...
-Não sabemos se ela o ama. Disse ele, eu peguei em seu braço, ele ficou imóvel.
-E não vai amar... mas isso não significa que ela não poderia se apaixonar por ele isso não vai demorar a acontecer. Falei soltando seu braço.
-Sim ele é mesmo um empecilho... uma pedra no meu caminho.
-Não pense dessa forma só lhe trará problemas. Disse, ele chegou ao quarto.
-Se ele não existisse como poderia ser?... seria diferente... tenho certeza de que seria. Disse Mikael, entrando no quarto e fechando a porta na minha cara.
-Mikael...
-Boa noite velhote. Disse ele, olhei a porta desbotada... me afastei... olhei o corredor... suas paredes desgastadas que precisavam logo de uma reforma, me afastei mais da porta do quarto dele olhando para os adesivos e placas de pare... de caveiras... de símbolos de perigo dizendo Cuidado! Não entre enquanto pensava em que erros haveria de ter cometido na vida para que agora meu filho tivesse que pagar, e eu sabia onde tinha errado, embora nunca conseguisse admitir que a culpa foi minha por tantas coisas... eu sabia que o pior erro de todos foi não ter estado lá naquele maldito dia, no dia em que minha esposa e meu filho não me tiveram por perto para protegê-los, e eu vi nos olhos dele, nos olhos do meu filho que eu era o único culpado por não ter estado lá... uma de centenas de dias eu não estive lá com eles.

A Bella e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora