NARRADOR (PARTE 1)

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Michael Clifford tinha se acostumado à solidão.

Paredes negras, a janela completamente fechada, nenhum filete de luz solar adentrando aquela escuridão. Não era apenas um quarto escuro, mas um coração negro. Era como se um incêndio tivesse devastado todos os sentimentos bons de seu coração, abandonando apenas os destroços, as cinzas e a fumaça, que aos poucos havia se transformado em dor, tristeza, ódio e em todos os sentimentos ruins e impuros que se pode imaginar.

Michael não apenas estava na escuridão, ele havia se tornado as próprias trevas; podia senti-las penetrando em cada centímetro de seu corpo, consumindo-o por inteiro, tomando conta de toda a sua mente e levando-o aos pensamentos mais sombrios. Ele não sabia de onde tudo isso provinha, mas eu tenho um leve palpite.

Michael não fazia a menor ideia de que seu maior amor era também o seu maior demônio. Talvez até mesmo o único deles, naquela época. Em sua mente, Luke Hemmings sempre foi uma pessoa merecedora de adoração; se ele pudesse, o coroaria com louros e o faria usar uma toga. Michael só não percebia que todos os pensamentos que vinham borrando sua mente não eram nada mais do que sussurros saídos da boca de Luke. Sussurros que o envolviam e o enlouqueciam, tornando-se ideias fixas e até mesmo perigosas.

Porém Michael ainda não havia agido. Confinava-se no quarto durante o dia todo, perdido em sua própria escuridão – interior e exterior. Ele não queria sair de lá. Estava sem amigos e mais triste do que nunca. Luke também havia o abandonado, lhe dado uma surra que lhe rendera belas marcas. Marcas visíveis, que já haviam se curado, e, pior ainda, as invisíveis, entalhadas em seu coração. Mas então Luke apareceu em uma noite, atirando pedrinhas em sua janela e gritando pedidos de desculpas. Michael não teve escolha se não perdoar o amor de sua vida. Quer dizer, ele achara tão fofo o modo como Luke retornara para si.

Luke vinha o ajudando tanto naquele mês. Se não fosse por ele, Michael teria enlouquecido.

Se Michael soubesse o quanto estava errado por pensar assim... Se tivesse tomado às rédeas da situação e expulsado seu demônio antes que ele entrasse em seu quarto como se fosse um príncipe encantado... Certamente nada disso teria acontecido.

Os pais de Michael estavam preocupados. Batiam na porta do quarto do único filho todos os dias, perguntando se ele estava bem, tentando encontrar a confirmação de que ele ainda estava vivo. Michael nunca respondia, mas eles sabiam que o filho ainda estava lá quando o espiavam pegando a comida que eles lhe deixavam ao lado da porta. Karen e Daryl Clifford não sabiam o que fazer. Nunca imaginaram que um dia Michael se trancaria no quarto como um prisioneiro confinado num porão. Eles só não sabiam que Michael era, na verdade, prisioneiro de sua própria mente perturbada.

Karen e Daryl se perguntavam o que havia acontecido para o filho chegar àquele ponto, mas Michael também se perguntava o mesmo. Afinal, o que acontecera? Ele não conseguia se lembrar! Michael só se lembrava de, de repente, estar na praia. Ele não sabia como havia chegado lá, só conseguia ver Ashton e Calum gritando com ele, o acusando de coisas que ele não conseguia entender. Estava perturbado demais; completamente confuso. Aquilo o fez gritar e, logo em seguida, desmaiar. Michael também se lembrava de acordar mais tarde com Luke lhe chacoalhando. Então ele viu Arzaylea tremendo no chão, encolhida, com medo de algo. Michael ficou ainda mais confuso quando Luke começou a lhe agredir. E então ele perdeu a consciência mais uma vez.

Michael sentia como se sua mente fosse um quebra-cabeça. Peças haviam sido perdidas, esquecidas ou simplesmente jogadas fora. Mas, se ele agisse do modo correto, Luke iria ajudá-lo a recuperá-las. Quer dizer, Luke as substituiria de sua maneira.

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