CAPÍTULO 21

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CAPÍTULO 21

No gabinete do Oficial de Inteligência do Comando Militar da Amazônia, por cerca de três horas, Ramos recebeu instruções para uma nova missão. Além da equipe do Oficial de Inteligência, estavam presentes o Oficial de Operações e seu adjunto. Depois de ouvir o conceito da operação, o detalhamento necessário ao seu cumprimento e um caminhão de recomendações, Ramos, apresentou suas dúvidas.

Alguns pontos não estavam claros o suficiente. A extração da equipe, que ocorreria após a ação no objetivo, foi planejada para um fator tempo muito justo frente a grande distância a ser percorrida. Caso ocorresse algum contratempo a extração seria comprometida, até mesmo por que o planejamento proposto deixava de fora linhas alternativas de ação.

As dúvidas eram coerentes e foram prontamente acolhidas pelos Oficiais do Estado Maior. Foi argumentado que aquelas deficiências decorriam da carência de meios disponíveis ante ao porte da operação na qual a missão apresentada estava inserida.

Coordenação, esta seria a palavra chave para atender, quase ao mesmo tempo, a necessidade de todos, mesmo contando com poucas aeronaves, poucas viaturas, poucas embarcações, poucos meios . A missão recebida por Ramos era mais um ponto no quadro resumo da sala de operações, apenas isso.

Uma restrição imposta pelo escalão superior incomodou Ramos. Seria impossível operar, desta vez, com a mesma equipe das missões anteriores. Ele deveria trabalhar com uma outra. A nova equipe, segundo o escalão superior, deveria ser formada por militares do Centro de Instrução de Guerra na Selva, o CIGS.

Os militares com os quais Ramos vinha operando, até então, eram integrantes dos Batalhões de Infantaria de Selva da região. Eles estariam inseridos em suas frações constituídas, para o cumprimento de outras missões a serem realizadas simultaneamente.

Quando os oficiais superiores retiraram-se da sala, Ramos deu um longo suspiro, o segundo do dia. Pressentia algo de errado, algo ruim a rastejar próximo à sua sepultura. Um arrepio febril correu seu corpo. Por um instante sentiu um imenso vazio no estômago. Balançou a cabeça, como se tentasse recobrar a razão e voltou a focar nas decisões necessárias ao momento.

Olhando, no quadro à sua frente, para o ponto representativo do objetivo de sua missão, Ramos lamentou ter de operar com fração improvisada. Seria bom operar com um pelotão constituído, no qual os meses de trabalho árduo e profissional têm como retorno, além do elevado grau de operacionalidade, a formação de uma consciência comum. Esta consciência é forte, muito forte, capaz de levar a equipe, o time, a superar-se.

Com homens formados à sua personalidade, forjados ombro a ombro, as deficiências e qualidades de cada um da equipe são detectadas e analisadas. Isso permite o emprego de cada profissional dentro das suas limitações, extraindo o máximo rendimento do conjunto durante as operações.

Por meia hora Ramos se ateve à memorização dos detalhes dispostos na carta da região fixada sobre o quadro de operações. Dispensando atenção especial para os cursos d'água circunvizinhos ao objetivo.

De volta ao alojamento, Ramos experimentava, mais uma vez, o som estridente da responsabilidade a zumbir em sua consciência. Sobre os ombros, ele sentia o peso de vidas humanas depositadas, uma a uma. Era hora de selecionar destinos. Escolhendo o nome dos mais capazes para levar a cabo esta missão.

Experiente em operações em ambiente de selva e possuidor de liderança nata, o nome do sargento Sarmento foi o primeiro a ser lembrado.

- Onde andará aquela onça velha?

Sarmento e Ramos haviam operado na mesma equipe em diversas missões A confiança mútua advinha das dificuldades vividas outrora diante de situações limite. Sarmento era um dos bons exemplos de sargento que a despeito do relacionamento amigo e descontraído, cultivado junto aos seus subordinados, sabia colher o que de melhor cada homem poderia ceder com vistas ao cumprimento da missão.

Quando aspirante, recém egresso da academia militar, Ramos participara de inúmeras operações na região da "Cabeça do Cachorro". Principalmente ao longo do Rio Içana e do Canal de Maturacá. Ao seu lado esteve, quase sempre, o amigo Sarmento.

Olhando para a relação com os nomes dos sargentos, cabos e soldados hora servindo no CIGS, dois nomes saltaram aos olhos: sargento Sarmento e sargento Paulo José, o PJ.

Nomes foram sublinhados. Ao lado desses, pequenas anotações salvavam idéias surgidas durante a análise.

Era hora de dar forma ao time. Estava aberto na tela do computador portátil o modelo de documento, usualmente, utilizado por Ramos para dar corpo à parte burocrática do planejamento de operações.

"Sarmento! Sem dúvida, ele será meu adjunto. Foi sorte minha ele estar disponível. Mas não sei se é justo com o Sarmento colocá-lo nesta. Ele tem família, filhos ... este cursor piscando parece me interrogar. Cá estou, novamente frente à difícil missão de escolher vidas."

Sobre si recairia a responsabilidade e o compromisso moral de trazer de volta, ao seio da família, o militar escolhido para acompanhá-lo. E este compromisso Ramos conhecia de perto, desde os primeiros dias em que atuou em solo amazônico.

Ele lamentava o fato de nem sempre ter sido possível, ao fim de cada missão, retornar com todos os seus comandados a salvo.

Os mosquitos não pareciam dispostos a abrir mão da companhia de Ramos. Sorviam seu sangue e bailavam em torno da tela do computador enquanto o oficial, indiferente, trabalhava noite adentro. Absorto, apressava-se na confecção de todos os documentos necessários ao imediato desencadear da missão.

Uma vez vencida a etapa da escolha dos nomes para o seu time, Ramos elaborou, mentalmente, o roteiro com os passos necessários ao cumprimento da missão, estruturando seu planejamento preliminar.

Com a chegada dos primeiros raios de sol, alguns dos documentos elaborados foram impressos e entregues ao sargento adjunto do Oficial de Operações.

Havia uma pendência. Um dos sargentos escolhidos para a missão não estava mais na guarnição de Manaus, pelo menos no papel.

O homem em questão era o sargento Texera. Recém transferido para fora da região amazônica. Ele estava gozando férias em Manaus e posteriormente se mudaria para a cidade de Florianópolis.

Antes do final do expediente da manhã, após algumas explicações ao escalão superior, Ramos obteve a confirmação; os homens selecionados teriam o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação no CMA. Mas o regime de prontidão, estabelecido nas últimas horas, garantiria uma resposta ainda mais rápida à convocação.


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