CAPÍTULO 35

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CAPÍTULO 35

Ainda restava claridade quando o cabo De Paula e o soldado Honorato ocuparam uma espera para caçar. O apoio escolhido ficava três metros acima do chão, em uma árvore. Galhos serviam de assento para os dois. Logo abaixo de seus pés, um igarapé de água cristalina formava uma pequena praia com areia branca como neve.

O local escolhido para a espera prometia fartura de caça. Nele foram encontrados rastros deixados por antas e veados. Pegadas destacadas pela areia, alva, que ciceroneava a água corrente do bebedouro formado pelo acaso.

Mesmo que a caça não estivesse à procura d'água, ainda assim haveria um bom motivo para ela ir até o local; a presença de árvores com frutos e flores comestíveis.

A flor de pequiá, abundante nas redondezas, fazia parte da dieta dos veados. Por isso, os dois militares esperavam abater pelo menos um desses animais durante a caçada.

A ausência de vegetação rasteira na orla do igarapé permitia a iluminação do terreno pelo luar. Com a lua na fase crescente e o contraste da coloração da areia, ficava facilitada a identificação visual da caça, mesmo à noite. Somando mais um ponto favorável ao local escolhido.

Enquanto aguardavam a chegada de algum animal, os dois militares sentiam em seus rostos a força do vento canalizado pelo corte do curso d'água. Este mesmo vento aumentava as chances de êxito da caçada. A corrente de ar tapeava o olfato dos animais de pêlo e sangue quente, dificultando a detecção das alterações do habitat natural e conseqüente sinais de perigo. Ocultando o odor desprendido dos corpos suados dos dois marmanjos dependurados nos galhos de uma das árvores da vizinhança.

Um quilômetro a jusante do mesmo igarapé foi estabelecida a base de patrulha daquela noite. Próximo ao curso d'água, iluminado pelo luar, Paulo José, ajudado por dois companheiros, fazia a pescaria mais farta de sua vida.

Com um pequeno pulsar improvisado por PJ, quilos de camarão foram conseguidos. Durante o ápice do luar, os três sentiam o choque do pescado de encontro às suas pernas. Com as calças arregaçadas até o joelho e sem os coturnos eles pescaram camarão em quantidade suficiente para alimentar toda patrulha por uma refeição.

Sem as rações especiais ou as de consumo a frio, Ramos se viu obrigado a utilizar medidas alternativas para preparar a refeição principal. Em especial quando esta refeição passou de principal à condição de única refeição do dia.

Mesmo ficando aceso apenas durante o tempo necessário ao preparo da comida, o uso do fogo atentava contra a segurança da patrulha. Alguns dos homens sugeriram amenizar os efeitos do fogo com a confecção de rabos-de-jacu. Nome dado ao abrigo construído com palhas sobrepostas e inclinadas sobre uma trave feita com varas de madeira.

O rabo-de-jacu pode ser utilizado para isolar as chamas da água das chuvas, quebrar um pouco da intensidade luminosa da queima dos troncos em meio à escuridão, ou ainda dissipar a fumaça criada pelo fogo evitando o efeito chaminé.

Mas o fogo não combinava com a situação, com os riscos do momento.

O uso do rabo-de-jacu acrescentaria mais problemas do que soluções. Sua confecção envolvia alterações no meio ambiente difíceis de disfarçar. Ocultar as palhas cortadas para o rabo-de-jacu, dissimular os indícios do uso de lâminas nas palmeiras e ainda sumir com as varas usadas na montagem da armação são tarefas que incorporam um custo muito elevado para um benefício pequeno, muito pequeno, oferecido pelo abrigo.

Sumir com as brasas e demais indícios de fogo, ao partir das bases, não seria difícil. Ainda assim persistia a questão do cheiro, do calor e do clarão provocados pelas chamas. Mais cedo ou mais tarde a segurança da patrulha ficaria comprometida. As soluções surgidas deixavam arestas, deficiências capazes de alimentar possíveis rastreadores com informações a respeito da equipe.

A importância do consumo de comida quente pesava na decisão de Ramos. Alimentados, aqueles homens seriam capazes de alcançar a Antártida. Com organismos imunodeprimidos, por desnutrição e esforços físicos continuados, além do estresse, não iriam resistir às enfermidades da floresta. Sob estas condições os homens não renderiam, em ação ou em deslocamento, o quanto eram capazes.

Mesmo com o objetivo da missão ficando para trás, Ramos agia de maneira a manter seus comandados prontos para um novo combate ao final dos deslocamentos diários. Para ele, acima da importância da chegada de uma marcha estava as condições para o combate que poderia vir a sucede-la.

Ramos optou por alterar o horário da refeição. Doravante os homens despenderiam as primeiras horas do dia para preparar a comida. A medida atrasava o início do deslocamento, obrigando a patrulha a permanecer estacionada durante preciosas horas de luz. Em compensação, durante o amanhecer a mata é mais benevolente. As chamas não são visíveis a grandes distâncias e a fumaça facilmente pode ser confundida com o efeito resultante das inversões térmicas, causadoras do fenômeno das chaminés da floresta. Com o novo horário, Ramos tentava atenuar a redução da segurança causada pela necessidade de uso do fogo.

Foi proibido o uso do rabo-de-jacu, evitando o corte de palha e conseqüente aumento de indícios. Em caso de chuva o fogo deveria ser protegido por um abrigo improvisado, do tipo meia água, construído com ponchos e fixado por cordéis alguns metros acima das chamas. A obtenção da caça ou do pescado ocorreria durante a noite a cargo das equipes de caça, mantendo o respeito à disciplina de luzes e ruídos. Seus integrantes seriam escalados dentro dos grupos da patrulha, a critério dos sargentos.

Realizando rodízio entre as equipes de caça, dos diferentes grupos da patrulha, ficava garantida a eqüidade de tarefas. Além de manter presente o espírito de salutar competição, incentivado pelo comando. Também havia o rodízio diário de cozinheiro e equipe de cozinha.

Para matar a fome das noites, em vigília de espera pela hora da comida, tornou-se comum a discreta coleta de frutas e sementes durante as jornadas diurnas. Ao ocupar a base o alimento coletado era entregue aos sargentos que, matematicamente, dividiam-no entre os integrantes da patrulha.


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