CAPÍTULO 11

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CAPÍTULO 11

O caminho até o ponto de extração era desgastante, cortava várias linhas d'água e estava desenhado sobre uma carta que, apesar de toda a tecnologia empregada em sua confecção, não mostrava as intermináveis subidas e descidas forçadas pelos socavões existentes no relevo da enganosa "planície" amazônica.

A cada "soca" transposto, Perez tinha mais certeza de que a decisão de abortar a missão e iniciar o retraimento fora a mais acertada.

Conduzir um ferido ou um corpo no interior da selva amazônica era tarefa difícil e extremamente retardadora. Os espinhos maltratavam as carnes dos militares e os insetos pareciam não dar a mínima importância ao repelente usado por eles.

A maca improvisada, com duas varas verdes, descascadas, e gandolas do próprio falecido, dificultava a progressão. Ela prendia nos cipós, entalava nos estreitos labirintos de árvores e tornava as constantes subidas de socavões escorregadios tarefas ainda mais sacrificantes. O saco usado para conduzir o corpo de Murdok sobre a maca rasgou. A cada parada mais insetos disputavam o direito por um assento à mesa, vinham atraídos pelo cheiro da morte e suas secreções.

Durante a noite, Perez e Jefrey interromperam a marcha para descansar. Eles revezaram-se na guarda da posição. Foi lá pelas três da manhã que Jefrey notou um movimento no setor leste de sua posição. Acordando Perez, os dois permaneceram em alerta até o dia chegar pois mesmo com o equipamento de visão noturna eles não conseguiam ver o intruso, apenas ouviam alguns sons misteriosos, como rugidos.

Com o dia claro Perez constatou que havia vestígios, em todo o perímetro, da presença de um felino de grande porte. De certo, atraído pelo odor de seus corpos há muito privados de um banho. Era imperativo redobrar a atenção e ganhar nas horas de luz o máximo em progressão. Após o consumo da ração relativa ao café da manhã uma forte chuva veio acompanhar o início da marcha.

As árvores da selva amazônica possuem raízes conhecidas como preguiçosas, por não se aprofundarem no solo. Isso ocorre porque a vegetação tem facilidade em obter água logo na superfície. Devido a essa peculiaridade, torna-se extremamente perigoso caminhar na selva durante as chuvas. As árvores, sem a sustentação de raízes profundas, tombam diante dos ventos das tempestades tropicais e levam as vizinhas também.

Perez e Jefrey estavam em meio a um dominó gigante. Troncos centenários, pesando toneladas, caiam levando outros consigo. Imensos cipós chicoteavam aqui e ali, espalhando destruição e abrindo espaço para novas vidas. Mais um ato do contínuo balé da criação.

O barulho dos trovões ficava diminuto, comparado ao ronco enfurecido da mãe natureza abrindo suas entranhas para a saída de mais uma filha. O perigo era grande, mas os dois precisavam continuar rumo ao ponto de extração.

Em poucos minutos surgiu uma imensa clareira, formada por árvores tombadas. Por toda parte encontrava-se vida em mudança. Cobras, escorpiões, formigas, animais de pêlo e sangue quente, pareciam entender, resignados, o motivo de seus despejos. Seguindo para outras áreas. Vez por outra, Perez e Jefrey se viram obrigados a desviar de sua rota para evitar cobras e troncos recém caídos.

Ambos apresentavam ferimentos nos braços, ombros e pernas, causados pela vegetação espinhosa e pelas constantes quedas. O ferimento mais sério era o de Jefrey. Durante a chuva, ele escorregou na descida de um socavão, só parando vinte metros abaixo, escorado por uma palmeira negra. Esta espécie de palmeira possui longos e resistentes espinhos em seu tronco. Como resultado Jefrey tivera seu braço direito transfixado por vários espinhos e no ombro, do mesmo lado do braço, outros tantos espinhos estavam profundamente cravados em sua carne.

A dificuldade em transportar o corpo do companheiro parecia crescer a cada passo. O fôlego dos militares era afetado pelo ar quente e úmido da mata, um ar indiferente às necessidades dos forasteiros. O calor, vaporoso, apressava a exaustão.

Os dois marcharam, sem paradas, durante todo o dia. As fardas permanentemente úmidas assavam a pele nos pontos de maior atrito, formando feridas ardidas. Em silêncio, eles caminhavam, apenas caminhavam. Mesmo no momento das quedas, como a de Jefrey, o sofrimento calava as almas e selava as bocas. Era como se um grande pacto de sofrimento emergisse entre aqueles militares.

As dificuldades impostas pela missão eram absorvidas passivamente pelos seus corpos e suas mentes eram alimentadas pela perspectiva de entregar o companheiro morto à sua família. Segurança não foi o ponto alto do deslocamento. Os dois conduziam o armamento em bandoleira, ocupando as duas mãos com a tarefa de conduzir o falecido.

Com a chegada da noite a decisão!

Era preciso continuar a caminhada, não havia tempo para pernoite. Decisão tomada, a dupla realizou uma rápida parada em uma clareira para tentar contato com a base de operações. Desta vez, milagrosamente, as comunicações funcionaram. Aproveitaram, então, para consumir ração e colocar medicamento nos ferimentos.

O ambiente quente e úmido da selva leva qualquer ferimento à purulência em poucas horas e isso associado à debilitação orgânica, própria aos que operam sob condições tão adversas, pode comprometer a continuidade das ações. Causando baixas e perda da capacidade combativa de frações inteiras.

- Capitão, o senhor tem alguma coisa para passar nos pés? Os meus estão estranhos, parecem dormentes e enrugados.

Perez olhou para Jefrey e enquanto torcia as meias encharcadas respondeu:

- Não estranhe! Estivemos nas últimas horas com água até os malditos sacos e como se isso não bastasse o solo irregular, cheio de raízes, sementes, descidas e subidas, maltrata os pés. Tome. Massageie os pés com esta pomada e coloque meias secas.

Na hora pareceu besteira. Em meio a tanta umidade passar mais pomada nos pés e essa história de trocar a meia! Para que? Se dois passos depois elas estariam encharcadas.

Mesmo confuso Jefrey seguiu os conselhos do superior. Descobriria, minutos depois, o quanto valorosas eram as dicas dadas por Perez.

Por volta das quatorze horas do dia seguinte os remanescentes do grupo de reconhecimento alcançaram o ponto de extração. O saco, com o corpo de Murdok, foi o primeiro a ser embarcado na aeronave. O cadáver endurecido foi colocado no chão com ajuda de um dos tripulantes. Seu invólucro, de cor preta, apresentava rasgos por onde escorriam líquidos fétidos acompanhados, vez por outra, por formigas.


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