Capítulo 40

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Acordei ao meio da noite para ir à casa de banho. Além disso dormir no sofá não estava nada a ser confortável até porque eu sou alta e não cabia inteira naquele sofá.

Levantei do sofá a esfregar os olhos, olhei para o quarto inteiro e a única porta que havia era a de entrada, que dava a acesso ao mesmo. Então tive a brilhante ideia de ir acordar o Keid, já que não sabia onde ficava a casa de banho. Me aproximei da cama com em bicos de pés e quando retirei os cobertores de cima ele não estava na cama.

Olhei para a porta que estava encostada e caminhei até lá. Abri a porta, olhei para o corredor e não havia ninguém.

"E agora? Como é que eu acho a casa de banho? Se eu me mijar ele vai dizer que preciso de fraldas."

Deixei a porta do quarto aberta e comecei a andar pelo corredor a procura de uma casa de banho. Fui abrindo as portas que encontrava a minha frente, numa das portas encontrei alguém a dormir, não era o Keylan ou a mãe do Keid, era outra pessoa. Não entrei no quarto, apenas fechei a porta assim que vi que não era uma casa de banho, continuei a abrir as portas até que finalmente encontrei uma casa de banho.

Fiz tudo o que tinha que fazer e quando ia voltar para o quarto ouvi barulhos vindos de uma das portas. Me aproximei da porta onde vinham os barulhos e pude ouvir melhor que sons eram aqueles, era alguém a chorar, a soluçar, seu choro era intenso e tentava controlar mas ao tanto que tentava controlar, mais intenso se tornava. Dei duas leves batidas na porta e como ninguém respondeu, resolvi abrir a porta.

Assim que abri a porta vi o Keid sentado no chão do quarto escuro sem camisa, apenas de calça. Ele passava uma das mãos no cabelo de forma repetida e respirava fundo, tinha a respiração pesada, ele chorava e repetia para ele mesmo inúmeras vezes.
"— Eu só queria proteger-te. Eu só queria proteger-te..."

Me aproximei dele sem que ele percebesse e abracei-lhe por trás. Ele havia se assustado, pois jurava que estava sozinho.

Abracei-lhe com mais força e ele apertou os meus braços de forma bruta e carinhosa ao mesmo tempo.

— Shhhhh... Está tudo bem. - Eu disse para ele enquanto o abraçava.
Ele abanava a cabeça de forma negativa como se estivesse a dizer que não estava.

"O que eu devia fazer? Eu nunca havia lhe visto tão frágil. Era uma novidade para mim..."

Ele continuava a chorar e a repetir para si mesmo a mesma frase. Eu só lhe conseguia abraçar sem dizer nada.

Eu sempre pus na minha cabeça que quando as pessoas estão assim, eu nunca deveria perguntar o que se passava, simplesmente fazer a minha parte e quando a pessoa se acalma-se e se sentisse melhor poderia vir a falar o que lhe estava a incomodar.

— Anda, vamos dormir! - Falei depois de um tempo.

Ele já estava mais calmo e já tinha mais controle de si. Ajudei-lhe a levantar e fomos abraçados até o quarto. Coloquei-lhe na cama e ele ficou lá deitado a olhar para as estrelinhas desenhadas no teto sem dizer absolutamente nada.

— E que tal se tu dormisses? - Ajoelhei-me ao lado da cama e falei no ouvido dele.

Ele desviou o olhar do teto e olhou para mim sério, passou uma das mãos no meu rosto com carinho e forçou um sorriso que mal se notava de tão forçado que estava a ser.
— Obrigado! - Foi tudo que ele disse antes de voltar a sua atenção para o teto outra vez.
— De nada. - Dou-lhe um sorriso que ele nem vê por estar a prestar a atenção em outro lugar. — Agora é melhor dormirmos, porque eu temos que acordar cedo. Eu preciso trabalhar ainda. - Digo e me coloco em pé.
— Eu não tenho sono! - Ele diz. — Não vou conseguir dormir.
— Queres que fique acordada contigo? - Pergunto a ele que continua com o foco em outro lugar que não seja eu.
— Não! - Ele diz. — Seria egoísta se te pedisse para ficar acordada enquanto tens sono e queres dormir. - Ele respira fundo e limpa os olhos com as mãos.

Eu não gosto quando ele me machuca seja com palavras ou de forma física, mas eu também detesto ver-lhe machucado e não conseguir fazer nada com relação a isso me machuca por dentro.

Deitei na cama ao lado dele invés de voltar para o sofá.
"Só espero não me arrepender."

— Eu disse que podias ir dormir. - Ele diz sem se virar para mim.

Ele parecia distante. Ele podia estar aí a falar comigo, mas era tão notável que os seus pensamentos ali não pertenciam.

— Eu não vou dormir sem você dormir ou pelo menos me dizer o que aconteceu ou pelo menos ter a certeza de que você está bem. - Digo e coloco a cabeça sobre o seu peito.

Seu coração batia descontroladamente e a sua respiração continuava intensa.

Sinto uma de suas mãos pousar na minha cabeça e outra apertar-me contra ele. Aquilo sabia tão bem, mas acho que saberia melhor se ele não estivesse assim.

Ele não falava nada, só continuava a abraçar-me e a fazer-me cafuné.

— Sabe... algumas pessoas carregam marcas dentro si, marcas essas que a vida e especialmente pessoas que passaram por ela ou que ainda permanecem nela deixaram. - Levanto a cabeça e olho para ele que continua focado nas estrelinhas. — E essas pessoas marcadas dividem-se em dois grupos, o grupo das que passaram por cima e o grupo das que carregam ou irão carregar tais marcas para a vida toda. - Ele fecha os olhos e volta a abri-los. — Eu pertenço ao segundo grupo, o grupo das pessoas que ainda não superaram se calhar nunca irão superar. Algumas pessoas dizem que é necessário esquecer o que já passou, que é necessário superar, mas elas não sabem que não é tão fácil quanto falar. Fazer é mais difícil e para fazer é preciso ter muita força e muitas vezes nós não temos essa força e isso nos mostra e nos faz sentir tão frágeis e impotentes com relação ao resto do mundo. Eu confesso que sou uma pessoa deformada, não fisicamente, mas psicologicamente. Eu sou um ser humano que vive preso no passado, mas no presente. Eu sou um ser com medo do futuro. Eu carrego tantas cicatrizes físicas e psicológicas que às vezes é tão difícil lidar... - Vejo lágrimas saírem dos seus olhos e começo a chorar com ele. — Eu queria que essas feridas cicatrizassem. Elas cicatrizaram, mas só esbarrar... elas voltam a sangrar. São tantas cicatrizes...

MaháliaOnde histórias criam vida. Descubra agora