O PLANO DA MORTE

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Quando recebeu a carta do Banco Itaú informando que abateriam suas dívidas confiscando todos os seus bens, Alberto perdeu o chão. No auge de sua carreira de mega empresário e ainda curtindo seus trinta e seis anos de vida, ele não conseguia de forma alguma se ver como um homem pobre novamente. Não suportaria ver tudo o que construiu destruído por um mísero erro de julgamento dos índices da Bovespa. Não sobreviveu à vida de garimpeiro para morrer pobre.

Alberto passou quase todo aquele dia em seu escritório — confortavelmente instalado em uma de suas mansões — fazendo ligações para os seus contatos: todos os bancários e amigos políticos que ele acreditava ter. Pediu por ajuda, mas não obteve resposta alguma. Pensou em chorar, contudo, não estava a ponto de tal demonstração de covardia. Imaginou-se tendo que vender seus quadros, carros, mansões e fazendas. E foi enquanto pensava em tais abnegações involuntárias que o desespero finalmente o visitou, fazendo lágrimas pesadas como chumbo brotarem de seus olhos castanhos. Com a mão direita tremendo, o homem abriu a gaveta de sua escrivaninha e dela retirou seu revólver calibre 38, imediatamente posicionando-o dentro de sua boca. Enquanto sentia aquele metal gelado roçando em seus lábios e o gosto amargo lhe invadindo a língua, Alberto olhou em volta. Sentado em sua cadeira acolchoada, ele olhou a única foto que tinha com sua família na parede e uma ideia nefasta brotou em sua mente.

O revólver voltou para seu local de descanso, em meio a promissórias e alguns livros — versões de bolso de Anne Rice e Dean Koontz — sendo enclausurado novamente na gaveta da escrivaninha. O telefone foi retirado do gancho e seu teclado foi violentamente utilizado. Quando uma voz rompeu do outro lado da linha, inúmeras perguntas foram feitas e até gritos foram dados, assustando os outros moradores daquela casa luxuosa no centro de Bacabal, onde sediara seu escritório. Alberto bateu o telefone e aguardou ansioso pra que retornassem a ligação. Assim que soou o primeiro toque estridente, o coração de Alberto palpitou ainda mais rápido. Ele atendeu a ligação imediatamente ouvindo a outra voz dizer que concordava com seu plano, em troca é claro de uma boa comissão. O acordo foi fechado e em menos de duas horas, um fax lhe foi enviado. O empresário assinou todas as linhas pontilhadas e gritou pela esposa e pelos filhos.

A esposa, Melissa, desceu às pressas, mesmo estando grávida. Thomas de sete anos e Richard de catorze, a auxiliavam amorosamente a descer os degraus, com o máximo de cuidado possível. Os três esperaram o patriarca destrancar a porta do escritório e quando ele o fez, entraram perguntando em uníssono:

"O que houve?"

Ele fitou os olhos de cada um, com um olhar soturno. E, tão rápido como a maléfica ideia que momentos atrás havia brotado em sua mente enquanto olhava a foto na parede, um sorriso obscuro surgiu bruscamente em sua face. Ele se aproximou e disse finalmente:

"Vamos viajar pra Ilha do Caranguejo esse fim de semana!"

Os garotos pularam de alegria, gritaram e correram para o andar de cima para prepararem as malas. Há quase um ano não viajavam, pois, Alberto estava sempre ocupado. Melissa ouviu os baques dos pés dos garotos indo de encontro ao chão coberto por tapetes caros que ela não escolheu, subindo as escadas de uma casa que ela nunca quis e se sentiu distante e desprotegida, perante aquele ser enigmático diante dela. O marido já não a amava — disso ela tinha certeza — e muito menos amava os filhos. Na verdade Alberto não amava ninguém além dele e do próprio dinheiro.

"Vamos pra tentar voltar a ser felizes — disse Alberto, como se lendo os pensamentos da esposa — O que acha da ideia?"

Melissa ficou zonza, suas pernas bambearam por um breve instante e Alberto a segurou. Ela gritou por Cléo, sua empregada, esquecendo-se que a mesma estava de folga.

"O que houve amor?" — perguntou Alberto.

Ela soube naquele instante que algo ruim estava por vir. Alberto nunca havia se importado com sua opinião e muito menos lhe havia chamado de "amor" algum dia. Casaram-se porque na época o pai dela viu nele um futuro de sucesso (ou simplesmente se apaixonou pelas pepitas de ouro dele), o fato é que os pais de Melissa morreram e Alberto — um ex-garimpeiro afortunado — tomou pra si toda a fortuna deixada para ela e seus filhos. "Um péssimo homem jamais poderia ser um ótimo marido", pensou ela aflita. Ele estava tramando algo, Melissa tinha certeza. Entretanto, sua esperança estava em seus filhos. Ele nunca faria algo a ela com os meninos como testemunhas. Ela pediu a Deus que não.

"Nada, foi só minha pressão que baixou — respondeu finalmente — Quando iremos?" — perguntou, tentando disfarçar a preocupação na voz.

Alberto a sentou em sua cadeira giratória e a afastou de sua escrivaninha.

"Sairemos daqui de Bacabal amanhã pela manhã. Pegaremos o helicóptero e iremos para São Luís. De lá, alugaremos um iate e partiremos para uma mansão que aluguei na Ilha do Caranguejo. Reservei-a toda para nós."

"Pensei que íamos para um lugar não tão isolado de tudo" — disse Melissa, sem saber disfarçar seu temor.

Alberto se ajoelhou diante da mulher e, acariciando sua barriga, lhe presenteou com outro sorriso inesperado e falso.

"Não se preocupe amor. Só quero tirar nossa família da rotina - dizia o homem, olhando em seus olhos — Quero apenas que sejamos felizes... tudo vai dar certo meu amor. — Alberto beijou a barriga da mulher e em seguida sua testa. Saiu cantarolando "Asa Branca" de Luís Gonzaga e subiu para preparar as malas do casal.

Melissa se deixou vencer e finalmente liberou as lágrimas contidas por tanto tempo. Seria possível estar tão enganada assim? O marido realmente havia mudado? "Nada é impossível para Deus", pensou a mulher. "Ele realmente mudou!". Melissa se levantou com certa dificuldade e deu uma rápida olhada no escritório do marido e logo saiu, com as mãos sobre os quadris, na tentativa vã de aliviar suas dores. Infelizmente (para ela e seus filhos) ela não soube do que se tratava o fax que o marido recebeu e assinou, assim como não ouviu a conversa de Alberto com o tabelião do Cartório Municipal — e corretor de seguros — Matheus Santos, um homem inescrupuloso e cheio de artimanhas diabólicas, responsável pela parte burocrática do plano vil de Alberto de Azevedo. Ela morreu sem saber.

CONTINUA...

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