TRIPULAÇÃO DE ESQUELETOS

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Alberto desceu a escada ainda ouvindo os gritos acusatórios da criança fantasma. O som de seu coração galopando em seu peito ecoava abafado dentro de seus ouvidos. Ele chegou ao salão e por um breve instante, foi tolo o suficiente para olhar para trás na direção do topo da escada. Ele não viu a criança degolada, mas ao olhar novamente para frente, recebeu todo o impacto de um soco desferido por um enorme vulto. Alberto caiu de costas, viu o mundo girar loucamente e a mão do espectro negro se prender ao seu pescoço, dilacerando-o com unhas grossas como casco bovino. Eles ficaram cara a cara e Alberto pôde finalmente ver seu algoz: um negro com olhos sem pupilas, calça de estoupa e grilhões enferrujados presos a seus pulsos inchados. O fôlego do empresário foi sendo sugado pelo pavor daquela aparição macabra diante dele, enquanto sentia um toque gelado perfurar sua espinha. Ele se contorceu e pôde ver quem lhe tocava as costas. Alberto a viu e seu coração quase parou; sua língua pesou em sua boca e a voz que precisava para gritar de agonia, escondeu-se covardemente em seus pulmões. Aquelas órbitas vazias lhe arrancando a vida, o observando e julgando seus atos, ditando seu destino e o envolvendo na obscuridade de sua própria alma de assassino. Aquela mulher fantasmagórica de longos cabelos negros era a raiz de toda maldade impressa naquele local, a Maga Madeleine de alguma forma, aprisionou toda aquela dor, todas aquelas almas na mansão de janelas redondas. A Ilha do Caranguejo era uma grande e secular armadilha para almas, prestes a adquirir mais uma.

O escravo o soltou, antes que os pulmões do empresário ardessem. O homem mal recuperou as forças, reiniciou novamente sua fuga correndo alucinado. Tentou abrir a porta da frente, mas o trinco esquentou de tal maneira a ponto de lhe queimar as mãos gravemente. Atravessou gritando novamente pelo salão agora lotado de almas de escravos e seus senhores. Os fantasmas possuíam olhos brilhantes e ao mesmo tempo vazios, admirados com a insistência tola do mortal em fugir do inevitável. Alberto esbarrou nos fantasmas, sentiu a frieza deles, atravessou seus corpos espectrais e viu seus órgãos apodrecidos, disfarçando uma vida que já não existia. E ao ver novamente a criança negra balançando na corda amarrada ao lustre, ele tropeçou e caiu.

Uma das aparições o levantou e decepou sua orelha esquerda com a adaga dourada, fazendo o pai assassino berrar sem voz alguma escapar de sua boca. Ele pôs a mão no ferimento tentando em vão estancar a cachoeira de sangue que fluía e voltou a correr, sob o som de aplausos e gargalhadas macabras. Correu para a porta dos fundos e sem hesitar se jogou para fora da maldita mansão, onde reencontrou o ambiente visto em seu pesadelo no dia que chegou à ilha. Ele correu pedindo por socorro, até tropeçar em algo. Alberto caiu com o rosto no matagal, sendo agredido pela chuva torrencial que desabava dos céus naquela noite absurdamente escura.

Não haveria testemunhas para o que viria a seguir.

Alberto levantou-se com dificuldade, escorregando sempre que parecia finalmente conseguir ficar de pé. Até que alguém o ergueu.

— Eu disse pra fugirem!

Matheus Santos estava atrás de seu cúmplice e ao olhá-lo, Alberto se viu mais uma vez lançado ao surreal. A pele do morto estava igual à que vislumbrou em seu pesadelo, enrugada e purulenta. O empresário recuou lentamente ao passo que o espectro de seu corretor de seguros, cambaleava em sua direção com o braço gelatinoso lutando contra a força da gravidade, tentando apontar para a praia e sempre repetindo a mesma palavra, incessantemente:

"FUJA! FUJA! FUJA! FUUUUUJAA!"

E foi o que Alberto fez. Fugiu deixando para trás apenas o rastro de seu sangue assassino. Correu se ferindo nos galhos e espinhos espalhados pela ilha, escorregou diversas vezes até chegar à praia, no local onde o barco pesqueiro o aguardava. Ele embarcou, mas foi novamente surpreendido por um habitante do além. A Maga o surpreendeu, fazendo-o cair na areia. Ela se lançou furiosa sobre o empresário, com unhas afiadas como navalhas, arranhando-lhe e tirando-lhe um dos olhos. A mulher colocou em sua órbita ocular direita o olho roubado de Alberto e com ele observou o desespero de sua vítima. O empresário urrava de dor, mas conseguiu levantar e correr para a água desesperado, na escuridão e sob a chuva que parecia lavar seus pecados.

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