Alberto desceu as escadas tão rápido quanto pôde e foi direto para a cozinha, com as malditas tábuas rangendo sob seus pés. Ao chegar, retirou de uma das gavetas do armário um martelo de ferro maciço usado para amassar carne, justamente o objetivo dele naquele momento. Ele não imaginou que teria coragem de ceifar a vida dos próprios filhos, mas quem manda é o plano e ele iria até o fim pra obter seu prêmio. Mesmo que isso significasse ter que esmagar o crânio de seu primogênito o quanto fosse necessário.
No porão, Richard lutava para sobreviver. Sua camisa havia sido rasgada assim que as mãos do fantasma do escravo — ele tinha certeza que era um — falharam em lhe capturar. As lágrimas de sangue que banhavam o rosto do escravo fediam a peixe podre e os grilhões presos a seu corpo, zuniam como gritos medonhos. Richard tentou se esconder, mas a menina negra com quem se divertia com seu irmão, também estava lá, gargalhando histericamente sempre que o garoto se camuflava em algum esconderijo. O menino correu para as escadas, mas ainda no terceiro degrau sentiu uma mão fechar-se em seu tornozelo direito, fazendo o cair e bater o rosto num dos degraus. Sangue brotou de seu nariz quebrado e de sua testa ferida, fazendo o adolescente sentir seu sangue congelar. Ele chorou e pediu pela mãe assim que viu de quem era a mão que o aprisionava. Aquelas crateras negras lhe observando, agindo como olhos malignos e terríveis, invadindo e tocando sua alma bem lá no fundo. A garota apertava a cada pulsar do sangue do menino, submetendo-o a uma dor excruciante e o incapacitando de fugir do escravo, que finalmente o alcançou e que com suas mãos pressionavam seu crânio. Ali, naquela escada, o infeliz Richard ouviu o sorriso mefistofélico da pequena menina negra explodindo no ar. Ele sentiu o tornozelo inchar e finalmente ser esmagado sob a mão fria da mulher sem olhos. As mãos pesadas do escravo fantasmagórico racharam as laterais do crânio do garoto, forçando sua massa encefálica deslizar para fora de sua cabeça através de suas narinas e ouvidos.
Os fantasmas desapareceram, deixando apenas o rastro de morte para trás.
Alberto chegou à adega e procurou rapidamente por seu filho, sem sucesso. Correu em direção ao anexo do porão e antes que ali chegasse, encontrou o cadáver de Richard estirado no chão. Seu crânio em inúmeros pedaços espalhados, sobre uma enorme poça escarlate. Estava feito, de uma forma grotesca foi feito. Alberto não sentiu remorso ou tristeza, não sentiu nada. Nem ao menos se perguntou como Richard havia morrido de forma tão horrível. Para ele faltava apenas cuidar da última das peças de seu jogo doentio. Ele abaixou-se e, pegando nos tornozelos do garoto, o arrastou até a escada e depois além dela, chegando ao térreo. Alberto viajava em seus métodos infalíveis quando ouviu os gritos de pavor de Melissa. Ela persistia em viver e ele em matá-la. O empresário subiu as escadas com passos gigantescos e pesados, em direção à suíte onde seu caçula jazia morto e sua esposa grávida encontraria mais uma vez seu sorriso maligno.
Melissa gritava histérica, seus lábios ficando roxos pela falta de ar, seus olhos esbugalhados pelo horror de ver seu filho caçula sem vida, fitando o vazio dentro de si mesmo, resumindo-se em ser apenas uma casca oca.
— Môu?
A voz viajou do umbral da porta da suíte por cima do cadáver do pequeno Thomas e esbofeteou o rosto enrijecido de Melissa. Seus olhos fitaram o monstro que lhe falava e seu instinto de sobrevivência foi consumido pelo ódio por aquele que a levou ao altar e lhe prometeu amor eterno. Ela se levantou com os punhos cerrados e o olhar fixo em seu alvo.
— Amor, não resista. Apenas aceite! Hoje, a dor é minha companheira fiel, mas nem por isso estou aqui reclamando.
— Onde está Richard seu maldito? Você também o matou? — indagou Melissa entre lágrimas.
— Descansando... Parece ter tropeçado ao descer as escadas correndo... A cabeça dele estourou como uma bexiga! — Disse Alberto com um leve sorriso.
— Eu te odeio! — vociferou Melissa.
— Não tanto quanto eu a você! — berrou Alberto partindo ao ataque físico. Seu punho direito fechou-se e foi de encontro à barriga de sua esposa. A visão da mulher escureceu e uma dor aguda tomou conta de seu corpo, fazendo-a cambalear e cair sobre a cama. Alberto se aproximou com aquele mesmo sorriso maligno rasgando sua face, com olhos famintos cobiçando a morte de sua esposa. Suas mãos partiram ao encontro do pescoço de Melissa, numa louca tentativa de esganá-la. Ela se debateu com toda a força enquanto seus pulmões ardiam em busca de ar.
— Calma Melissa! Estou salvando nossa família meu amor. O dinheiro vai me reerguer, você não entende? — dizia o homem com os dentes cerrados — meu plano é infalível!
Alberto pressionou ainda mais forte, sentindo o volume da traqueia da mulher se esmigalhar lentamente sob a palma de sua mão. Ele viu os olhos dela injetados em sangue e observou também a espuma branca que escorria dos cantos da boca dela. Testemunhou seu filho se mover na barriga de Melissa, que arranhou seu rosto com o pouco de forças que lhe restavam, ferindo seu assassino com as unhas, até quebra-las.
Foram longos minutos no sofrimento de ver sua vida esvair nas mãos do homem que lhe jurava amor, até que a Morte enfim, demonstrou piedade. Alberto levantou-se e mesmo exausto iniciou a difícil tarefa de descer os corpos de sua esposa e filho caçula, iniciando assim, a penúltima etapa de seu plano B. Ele transportará os corpos para o iate e o abandonará para naufragar longe da ilha. Ligará para a capital pedindo por socorro utilizando o telefone via satélite e informará que sua família sucumbira ao mar prateado do litoral de São Luís.
E assim fez; carregou os corpos de seus familiares até o iate e antes que subisse nele, avistou próximo a algumas pedras o barco pesqueiro alugado por Matheus. Ele o amarrou ao iate, e o rebocou para 30 metros de distância da Ilha do Caranguejo, onde se desfez dos cadáveres. Um por um foram lançados ao mar, sem hesitação alguma. Melissa deu mais trabalho. Foi arrastada até a proa e de lá Alberto (estando sentado) a impulsionou com a força de seus pés, para a água salgada lhe receber. Os três cadáveres desapareceram na imensidão do mar, enquanto Alberto abria furos no casco do iate.
Já na segurança do barco alugado por Matheus, o homem viu de longe o iate ser sugado para as profundezas, assim como seus filhos e esposa. Os ferimentos em seu rosto ardiam com o suor e o salito que penetravam em sua pele. Acima de sua cabeça, os últimos raios do sol eram cobertos por nuvens negras carregadas de chuva. Ele se apressou e seguiu caminho para a Ilha, pois, a noite assim como a chuva, em breve se apresentaria à Ilha do Caranguejo.
CONTINUA...
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VIAGEM MACABRA
HorrorApós entrar em um estado de falência iminente, Alberto decide pôr em prática um plano que acredita ser sua última esperança para extinguir todas as suas dívidas e salvar suas finanças. Entretanto, para isso ele terá que devorar sua humanidade e se d...