AFOGADO

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Alberto abriu os olhos, mas a escuridão relutava em abandoná-los. Ele sentiu o ar encher seus pulmões ainda que não estivesse respirando. Caminhou sem direção por algum tempo até que uma fraca penumbra lhe guiou os passos sobre um denso matagal que surgiu bruscamente sob seus pés. Pequenos espinhos e galhos secos insistiam em lhe arranhar as pernas durante seu avanço desarticulado.

Tudo parecia real, contudo, aquela sensação de realismo era tão falsa quanto o amor que dizia sentir por sua família. Estava a sonhar, tinha certeza. Ele parou e olhou ao redor e viu apenas um matagal crescente para todas as direções em que olhava. Caminhou em frente, atraído para algo além de sua minúscula compreensão. Seus passos ficavam cada vez mais pesados, como se caminhasse sobre areia movediça. Em dado momento ele berrou sem ouvir a própria voz, se debateu até tropeçar e cair para frente num buraco que parecia não ter fim, até que sentiu a água gelada absorver o impacto de sua queda. Um grande gole naquela água mal cheirosa e finalmente ele se percebeu preso em um poço profundo.

Acima de sua cabeça, uma grande elipse por onde agora via uma lua fantasmagórica que surgia de súbito para iluminar aquele cenário onírico. Era incrível a sensação de que tudo aquilo era real. Desde os cheiros aos arranhões em suas pernas e a sensação de frio na barriga durante sua longa queda naquele poço abandonado. Alberto tocou as paredes e sentiu as pedras retangulares que se uniam sob aquela parede úmida e barrenta. Ele esticou as pernas vagarosamente e iniciou uma tentativa de escalar sua prisão encharcada. Sua evolução em tal tarefa hercúlea foi mínima e, quando finalmente sentiu que seu corpo iniciaria o trajeto de volta do mundo dos sonhos para a realidade, ele ouviu uma voz áspera, sussurrando entre um incômodo bater de dentes.

"Friiiiiiiioooo! Aqui... a morte é fria..."

Alberto deslizou bruscamente de sua inútil escalada, quebrando três de suas unhas da mão esquerda no processo. Ele urrou em seu sonho por uma dor que não sentia realmente e gritou ainda mais quando sentiu em seu ombro uma mão pesada, lhe puxar para baixo. Ele se debatia violentamente, lançando água suja para todos os lados junto a filetes de sangue que escapavam de seus dedos feridos. A cada grito que escapava de seus pulmões, mais água imunda penetrava em sua boca, sujando sua língua de lodo.

"Friiiio! Não mate, vá! Fujam enquanto podem!"

A voz cavernosa ecoou dentro do poço, enquanto a mão negra acorrentada no ar pressionava ainda mais o empresário para baixo, sem sucesso. Ele se agarrou como pôde à parede do poço, quebrando mais uma de suas unhas e, assim que abriu a boca para mais um de seus gritos estridentes e dolorosos, uma mão envolta em algo viscoso invadiu sua boca e segurou sua língua, apertando-a com uma força esmagadora. Alberto guiou seu olhar para quem o atacou e viu através dos raios lunares, um rosto desfigurado na sua frente.

Os olhos de seu inimigo estavam opacos e acinzentados, seus dentes se resumiam a apenas pedaços do que um dia teriam sido, os cabelos crespos já não povoavam boa parte de sua cabeça e a pele de seu corpo parecia gosmenta e extremamente enrugada. Apesar de toda esta extrema desfiguração, Alberto sabia que estava diante de Matheus Santos. Mesmo com o horror dominando sua mente, o empresário tentou libertar sua língua daquelas mãos putrefatas, mas não conseguiu mover músculo algum. A luz espectral da falsa lua irrompia agora diretamente dentro do maldito poço, lançando um estreito feixe de luz naqueles olhos de peixe à sua frente.

"Realmente é ele?" Pensou Alberto. E como pra responder às suas indagações ele sentiu o lodo e o sangue envolver sua boca quando sua língua foi arrancada com extrema violência.

"Fujam agoraaa!"

"FUJAM!", gritava Alberto ao acordar de sua viajem ao mundo dos pesadelos nefastos. Ele estava suado como um animal aguardando o abate iminente. Melissa estava ao seu lado, com olhos vítreos de tanto medo. O susto alterou completamente seus batimentos cardíacos e sua pressão oscilou, fazendo sua visão escurecer por um breve momento. Em meio ao vai e vem de sua consciência antes de desmaiar de vez, viu uma mulher e um homem negro descalços no batente da porta da suíte do casal. Os longos cabelos negros da mulher cobriam parte de seu rosto, mas mesmo com todos aqueles grandes cachos camuflando sua face maligna, ela observou que no lugar de olhos havia duas crateras escuras. Órbitas vazias a observando, enquanto o homem negro com grilhões enferrujados nos pés e nas mãos chorava sangue ao mesmo tempo em que gargalhava.

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