DE PORTAS ABERTAS

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Alberto destrancou e abriu a porta principal para que ele e a família entrassem. O odor de mofo não incomodou tanto como o de algo podre. "Talvez algum animal tenha morrido", pensou. Os garotos levaram suas pequenas malas para o andar de cima, enquanto o empresário ajudou Melissa a sentar num dos degraus da linda escada que dava acesso ao andar superior.

— Amor, vou levar nossas malas lá pra cima, ok? Daqui a pouco volto pra te buscar.

Certo. — Disse Melissa concordando desanimadamente. Ainda tentava se acostumar com esse lado gentil de seu esposo. Ela o viu subir os degraus cautelosamente, carregando uma mala de cada lado. Sua idade já presenteava seus cabelos lisos com pequenos fios brancos, mas sua esposa ainda o achava charmoso. "Talvez ele realmente ainda me ame e só queira fazer uma surpresa" pensou ela. "Ele quer apenas salvar nosso casamento e nossa família."

Alberto sentiu os olhos de sua esposa esfaquear suas costas impiedosamente. A preocupação em imaginá-la descobrindo seus verdadeiros objetivos, o entregava ao medo excessivo de lhe ser negado a chance de redenção que o dinheiro do seguro oferece. O ódio por sua condição de falência iminente, lhe corroía como o salito àquela casa, cujas tábuas ruidosas começavam a incomodá-lo. Ele subiu as escadas e, passando em frente do quarto dos garotos, os percebeu pulando em cima de uma grande cama de casal. Conteve o impulso nauseante de lhes advertir sobre os riscos fatais de uma queda, pois, lembrou que a morte deles fazia parte do plano e seria bem vinda caso ocorresse. "Que morram de uma vez!" berrou em sua própria mente.

O empresário guardou as malas e se deitou na cama king size da suíte em que se acomodaria com a mulher com quem casou há mais de dez anos e que já não ocupava seu coração. Os cálculos e planos elaborados em parceria com Matheus seriam postos em prática ainda naquela noite, enquanto Melinda e as crianças se alimentassem. O vinho e toda a comida previamente envenenados e mantidos na dispensa — para todos os efeitos, colocadas lá pelo caseiro a mando dos proprietários — seriam consumidos por eles, entregando-os para o eterno sono dos justos. "Com certeza, será uma tragédia e eu serei visto como uma pobre vítima" pensou o empresário. "Chorarei quando falarem do meu filho que nem chegou a nascer. Isso irá retirar todas as suspeitas... e com a cobertura e auxílio de Matheus, o golpe será perfeito!" Alberto sorriu baixo, enquanto olhava para o forro amadeirado da velha mansão. Ele levantou e ao se preparar para descer para o térreo, viu um vulto deslizar agilmente para o corredor através da porta entreaberta.

Alberto correu para o corredor e não viu nada além das sombras das crianças projetadas no assoalho pelo lustre no quarto que se apossaram. Acreditou fielmente ter sido Matheus o vulto a passar, mas decidiu ser demasiadamente arriscado conversarem naquele momento, mesmo com a ansiedade em se livrar do empecilho que era sua família falando mais alto. O empresário se dirigiu para o térreo e Melissa ainda estava lá, o esperando com aquela gestação enorme lhe encarando. Em breve seria mais uma boca para sustentar, fraldas e leite a se comprar. Seu dinheiro não era para aquilo, então mesmo que não houvesse o risco de falência e os planos para adquirir o valor do seguro, Alberto teve a plena certeza — no momento em que apoiava o braço esquerdo de sua esposa em seu pescoço e lhe auxiliava a levantar — que de qualquer jeito ele planejaria matá-los sem remorso. Eles eram apenas peso morto em uma longa viagem macabra rumo ao sucesso.

— Obrigado amor — disse a esperançosa, mas ainda temerosa Melissa — Assim que nos acomodarmos na suíte e jantarmos, irei tomar um bom banho.

— Sim, faça isso meu bem. Jantaremos assim que eu preparar tudo.

O casal subiu as escadas e Alberto deixou a esposa sentada na cama. Ao passar na frente do quarto dos garotos novamente, os viu parados olhando para o teto com a boca aberta e os olhos esbugalhados presos em algum tipo de transe. O homem se aproximou das crianças e também olhou para cima. Não viu nada além de um dos muitos lustres luxuosos da mansão, em um lento movimento pendular.

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