TRÊS

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28 de setembro de 2012.

Havia somente uma pílula em minha mão, na outra estava um copo com água. Eu faria aquilo mesmo não sabendo quais os efeitos daquela coisa, minha curiosidade era muito maior. Essa garota poderia estar mentindo, criando uma história mágica onde remédios mágicos lhe levavam para seu mundo mágico particular. Poderia até não existir garota alguma e ser só mais uma das pegadinhas de Jude, das vezes que vinha até aqui. Mas não. Tinha algo em mim que dizia, esperneava quase, para que eu fizesse aquilo. Então eu fiz.

Engoli a pílula e a água e esperei. E esperei... Por fim eu achava que aquilo não iria dar certo de forma alguma, que era realmente uma brincadeira de muito mal gosto por Jude e eu feito um tolo, caí. Porém, em alguns segundos, minha visão começou a ficar embaçada, foi escurecendo e um zunido forte tomou meus tímpanos. E do nada, eu apaguei.

Eu estou vivo? Sim, estou. Minhas pálpebras se abrem lentamente, piscando repetidas vezes  por segundo até que consigo enxergar mais do que apenas um clarão. Estou em casa. Mas não "a" minha casa, não tem móveis aqui, exceto pelo enorme sofá branco no meio da sala, e só. Tudo aqui é completamente branco e claro de mais. Levanto-me e começo a explorar a minha já conhecida residência, começando pelo segundo andar. O quarto de meus pais, sem a tinta azul marinho que coloria a parede, parece mais um quarto comum feito o resto da casa. Andei pelo corredor que costumava ter inúmeros retratos meus e dos meus pais, agora sem vida, como tudo aqui.

A porta do meu quarto estava encostada, deixando apenas uma fresta para que eu pudesse empurrar a porta. O quarto estava do mesmo modo que a casa em geral, vazia e completamente branca, mas em frente a janela havia uma criança, um menininho, a julgar pelo tamanho. Mas assim que se virou eu percebi que não era uma criança, e sim um garoto que aparentava ter a mesma idade que a minha. Só era baixo o suficiente para que eu pudesse apoiar meu queixo em cima de sua cabeça. Ficamos nos olhando até que decidi fechar a porta e me aproximar alguns passos. Nossas roupas eram o único sinal de cor presente alí. Ele vestia uma calça jeans rasgada nos joelhos, uma camiseta branca simples com mangas três quartos e pulseiras coloridas em tons escuros. Seus cabelos castanhos estavam muito bem penteados e modelados. Eu estava vestido praticamente igual, a não ser pela jaqueta e calça preta que estava usando. Ambos estávamos descalços.

– Ahn... Oi - disse meio hesitante ao estranho dentro do meu quarto. O mesmo emitiu um meio sorriso e respondeu de volta, "Olá, Gerard". Meu nome saindo de sua boca, em sua voz, era algo estranho, mas bom e convidativo. Mais estranho que isso era perceber que nós nunca tínhamos nos visto e ele ainda assim soube meu nome. - Como você sabe quem sou?

– Eu sei várias coisas sobre você... Sei seus gostos... Seus medos... Seu coração. E não, eu não leio mentes - seu riso era algo inebriante e mais uma vez, convidativo. Mas eu não o conhecia nem mesmo sabia como ele achava que sabia de algo sobre a minha vida, ou até mesmo sobre meu nome.

– Quem é você? - o questionei. Eu não sabia exatamente o que dizer, minha cabeça está um completo caos e naquele momento, questionar quem ele era foi essencial​.

– Sou uma pessoa sozinha, vivendo neste casarão imenso sem absolutamente ninguém. Tenho alguns poucos anos a menos que você e espero que não tenha medo das coisas que disse e possivelmente direi sobre você - ele parou de falar e lentamente deixou meu olhar para virar-se para a janela e ali ficar.

– Entendi... Mas você ainda não me disse seu nome - perguntei.

– O meu nome não importa... O que importa, é que, seus pais não te ouvem e nunca ouviram e isso é um problema, Gerard - assim que pronunciou meu nome o mesmo se virou para mim e se recostou no batente da janela, encarando-me. Ele não falava aquelas coisas em um tom rude, pelo contrário, ele falava em um tom melancólico porém na esperança de que as coisas pudessem mudar. – Pode não ser o maior dos problemas mas é um. E acima disso, a questão é o que você irá fazer. Se você irá deixar isso te afetar ou não. Não falo isso por mal, não falo para pôr você contra seus pais, pelo contrário. Eu quero você esteja bem.

Fiquei consideráveis segundos absorvendo tudo aquilo que ele havia me dito. Meus pais realmente não me ouviam, isso é um fato, mas sobre deixar isso me mudar é algo que eu jamais pensei. "Não foi minha intenção assustar você..." Ele disse, interrompendo meus pensamentos e dando alguns passos para mais perto de mim. Assim que parou à minha frente, percebi que estávamos próximos de mais, até que sua respiração pudesse ser sentida pelo meu peito.

– Não, eu não estou assustado. Apenas pensando... - disse um pouco baixo para que ele não se sentisse tão culpado por não obter quase reação alguma minha.

– Eu espero que não se arrependa de ter vindo aqui... Nem de me fazer compania - ele sussurrou e então passou por mim para abrir a porta. Parou por completo, ainda segurando a maçaneta e virou minimamente o rosto para me olhar de rabo de olho. – Venha comigo, por favor...

O segui e nós descemos as escadas até chegarmos a sala de estar, ao chegar lá ele se posicionou a frente do sofá branco e se ajoelhou para pegar algo debaixo do mesmo. De lá ele puxou uma pequena caixinha de madeira e veio até mim. Com o rosto radiante e os olhos brilhando ele abriu a caixa em minha frente e de lá puxou um colar com um pequeno frasco escuro de tampa de rolha. Um pouco menor que o tamanho de uma foto 3x4 e mais grosso que um lápis.

– Está vendo isto? Isto irá o salvar em tempos ruins, quando não houver mais esperança, quando você achar que não terá mais motivos para continuar. Isto o irá puxá-lo de volta - explicou.

– E por quê está me dizendo essas coisas agora, quando acabamos de nos conhecer? - o questionei.

Ele pôs o colar em seu pescoço e deixou a caixinha em cima do sofá. Segurando o pingente, me olhou com olhos ora esperançosos, ora tristes. Ainda pensativo. Naquele momento me surgiu uma vontade inesperada de abraçá-lo, confortá-lo, pois desde o primeiro minuto em que nos conhecemos ele parece estar perdido ou ligado à algo distante. Mas minha vontade de o abraçar não vinha somente deste motivo, mas sim pelo simples fato de algo me chamar para ele.

– Nunca se sabe quando será sua última vez de voltar... Venha o pegar quando souber que é a hora. - por fim disse, ainda se referindo ao colar. E ele falava sério.

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