Às Escuras (Somente Degustação)

Capítulo 1

🔹Pietra

Nunca tinha visto tantos zeros na minha vida. Por isso, tive que ajeitar os óculos e verificar se aquilo não era efeito da minha miopia. Talvez, tivesse exagerado no vinho, também pudera, esse vinho era muito melhor do que aqueles que eu provara até então, por isso acho que posso ter me empolgado.

A mulher à minha frente representa tudo o que entendo por sucesso. Ela é dona de uma das mais bem-sucedidas marcas de cosméticos do Brasil, a Akidalia Cosméticos, que agora se aventura no ramo da perfumaria. Confesso que gostaria de chegar próxima aos setenta anos com aquela aparência, embora seja medrosa demais para me submeter a qualquer cirurgia, principalmente uma puramente estética. Não sei se é por ter se submetido a algumas que ela agora mantenha essa expressão impassível, quase fria. A única certeza é a de que ela deve está acostumada a lidar com grandes quantias e, também, com pessoas como eu que fiquem embasbacadas diante delas.

— E então, senhorita Amorim? Tem a minha proposta, agora preciso da sua resposta — a voz dela soa mecânica, o que me faz lembrar alguns androides de filmes de ficção científica.

Ainda é inacreditável esta reunião. Porém, estou fingindo bem ser algo natural. Ela não tem ideia de que tive que comprar uma roupa apenas para encontrá-la, porque segundo minha irmã, todas as que eu tinha me deixavam com cara de nerd. Também não tem noção do quanto meu pé está doendo neste sapato de salto alto. E, tampouco, do quanto estou me sentindo no Halloween, ao me vestir de um jeito que não tem nada a ver comigo, apenas para agradá-la.

Caramba, e daí se eu for nerd e a aparência nunca ter sido uma das minhas grandes preocupações? Entre ser básica e ser deslumbrante, sempre optei pela primeira opção. Até tentei ser como as outras garotas da faculdade, porém, nunca levei muito jeito e desisti.

Sou química de formação e escolhi essa carreira só pelo fascínio que certas misturas me causavam. Eu me formei aos vinte e meu primeiro trabalho foi em um laboratório de manipulação, que a mim pareceu fascinante. Tudo bem, que só fosse fascinante para mim, pois, sempre que me perguntavam o que fazia, logo perdiam o interesse, quando eu começava a responder.

Nem sei bem como os perfumes entraram em minha vida. Acho que sempre os via como uma paixão, não como profissão. Até que tive um insight e quis conhecer como eram fabricados os meus aromas preferidos. Ao saber que um perfume poderia ter mais de cem componentes, foi amor à primeira essência.

Depois veio a decepção ao saber que não havia um curso para perfumista no país. Resumo da ópera: Busquei todas as informações sobre a profissão aqui no Brasil e, após alguns testes, virei assistente em uma perfumaria nacional. Aos vinte e três anos, consegui a grande chance da minha vida e, por meio desta empresa, fui fazer um curso de especialização na França. Foram mais dois anos para aprimorar o meu francês e apurar o meu olfato...

Aos vinte seis, apesar de inúmeras oportunidades lá fora, retornei, porque fazia parte do meu sonho explorar a riqueza dos nossos aromas. No entanto, somente agora, quase dez anos após minha graduação em química, sou segura quanto ao que faço, sendo capaz de distinguir de memória o cheiro de milhares de matérias-primas.

Verdade que ainda não esteja onde desejo, como perfumista principal, entretanto gosto do que faço e sinto que falta bem pouco para colher os frutos de tanto estudo. Tal confiança fez com que aplicasse parte das minhas economias para montar um pequeno laboratório no qual acabei desenvolvendo a fórmula do meu primeiro perfume.

Foi preciso muita persistência e alguns meses, com os fins de semana totalmente preenchidos, para que eu chegasse ao resultado que sempre busquei: uma fragrância única, marcante e inesquecível. Prova disso é a quantia absurda que a senhora Vera Ferraz está oferecendo pelo meu Witchery nº 1. Não vou dizer que eu ame este nome, no entanto foi um dos únicos que ainda não estava registrado.