0º Parcialmente Nublado

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Nem todo abraço é igual. Ironicamente, eu nunca recebi um abraço do meu pai. Pelo menos não um que valesse à pena.E mais ironicamente ainda, eis que meu pai aparece na porta e me abraça. Eu queria empurrar ele, porém fiquei ali parado. Será que eu nunca vou me livrar do André de 8 anos!?

- Que bom que você está bem... - Ele me disse enquanto se afastava, me segurando nos ombros, ele olhava direto nos meus olhos. Apesar da idade avançada, era como se olhasse meu reflexo, só que os olhos castanhos da minha mãe eram substituídos por seus olhos verdes.

Finalmente, me desvencilhei dele e fechei a porta atrás de mim. Não fazia sentido deixá­-lo entrar. Não depois de todos esses anos, pelo menos não na casa da minha mãe, a quem ele nunca procurou, nem quando grávida, e nem depois de eu ter nascido. Aliás, se for para falar de justiça, eu acho muito injusto que ele me procure somente porque eu passei por uma experiência de quase morte ou coisa parecida.

Vinte e cinco anos... Foram necessários 25 anos para que ele desse conta de que poderia me perder? Pois, muito bem, vou contar-­lhe uma novidade: Ele já perdeu! Eu bem que queria ter dito tudo isso a ele, mas a minha criança interior não fez nada disso, pelo contrário, virou o rosto pra esconder as lágrimas que tentava segurar.

- Pois é, errrr ... Eu tô bem - Olhava de lado e passava discretamente as costas da mão nos olhos pra secar as lágrimas - Não se preocupe. Mas o que lhe trouxe aqui?

- André, eu sei que você está muito abalado com tudo o que aconteceu... Quando sua tia me ligou informando do ocorrido, eu percebi que estava na hora de dar um ponto final nesse "tabu", como seu irmão gosta de chamar. ­

- Pa... Digo, cara, é o seguinte: Não existe esse negócio de tabu. Entendo que você tenha outra família, que sua mulher não goste de mim, mesmo eu tendo vindo muito antes dos filhos dela e do próprio casamento de vocês. Eu tô de boa e, aliás, eu me dou super bem com meus irmãos, até com o mais novinho. Então fica na paz. Se você tiver vindo aqui porque eu quase morri... Bom, eu tô vivo, podemos continuar nossas vidas, porque nada mudou.

Por dentro, o Andrezinho de oito anos queria abraçar o pai, todavia eu já era um adulto de 25 anos e sem figura paterna. Me formei no primeiro grau sem nunca ir a uma festa de dia dos pais na escola e sem enviar os cartões idiotas que éramos obrigados a fazer como lição para comemorar a data. 25 aniversários, natais e páscoas... Enfim. Não estou disposto a passar por essa experiência de ter um pai a essa altura do campeonato, ainda mais sabendo que­ logo ele esquece a comoção do momento.

- Agora se o senhor me der licença, eu preciso entrar e me deitar para digerir algumas informações. - Virei as costas, abri a porta, de novo, adentrei, virei pra ele, levantei a mão direita como símbolo de despedida e fechei a porta:

- André, então quer dizer que os e-­mails que trocamos não significou nada?

- Que e­mails? - Reabri a porta de súbito.

- Os e­mails de você me enviou a partir do meu aniversário.

Parece que, além de tudo, eu era correspondente do meu pai ausente. No entanto, por mais que a curiosidade me levasse a questionar sobre o assunto, eu realmente não estava disposto e, depois, poderia ler tudo e saberia do que se tratavam as tais conversas.

- Olha... Pai. Desculpa! Eu acordei de um coma a poucas horas e minha cabeça tá doendo muito. Eu também estou um tanto confuso e lidar com tudo isso, não está sendo bom para mim... Posso te ligar depois? - Não sei o que me deu para eu ser tão educado com ele, acho que deixei meu eu de 8 anos no controle, sem contar a curiosidade!

- Ok! - Ele veio pra me abraçar de novo, com um sorriso meio amarelo e eu estendi a mão, porque a situação toda era muito desconfortável - Então tá, até logo, esse aqui é o meu número - Ele me entregou um cartão, virou e saiu.

O Último CapítuloOnde histórias criam vida. Descubra agora