desculpem a demora...........
Mil novecentos e noventa e seis....
Fiz 24 anos!
A casa que eu queria não apareceu, mas pintou um apartamento com preço e tamanho acima do que estava procurando, decidi encarar mesmo assim.
A missão mais difícil seria contar para meu pai, que já havia até esquecido desse lance de eu sair fora.
- Pai, achei a casa. – falei enquanto esquentava meu jantar
- Que casa Murilo?
- A casa que eu estava procurando pra alugar, quer dizer, achei um apartamento.
- E você vai mudar como? Vai dormir no chão?
- Pai, eu já tenho tudo, todos os móveis. Televisão, som, geladeira, fogão, não me falta nada.
Senti o ar de surpresa dele, se esforçando para entender rápido o que estava acontecendo, tentando aparentar naturalidade, enquanto procurava alguma coisa pra falar.
- Como você tem tudo? Você deixou na loja, para entregar depois?
- Algumas coisas, outras estão na casa do Fábio.
Pela primeira vez senti pena dele, ficou visível que foi um golpe. Ficou cabisbaixo, em silêncio. Como não esperava aquela reação, fiquei sem saber o que fazer ou dizer, me senti mal, sempre desejei sair por aquela porta e ir viver a minha vida, do meu jeito. Por centenas de vezes jurei que o dia que eu tivesse condições, antes de ir embora, diria pra ele tudo que estava engasgado na minha garganta, tudo que eu pensava dele, o quanto desprezava a forma de vida que ele levava e que por anos nos fez levar também, seria minha vingança. Depois sairia e nunca mais teria notícias minhas.
Como a gente é bobo. As coisas não são tão simples assim. Nos envolvemos com as pessoas de nossa família numa relação louca e cúmplice. Sentimos ódio por muitas vezes, a convivência nos faz passar por situações chatas e muitas vezes insuportáveis. Meu pai nunca foi um exemplo de ser humano, cheguei até a duvidar em alguns momentos que fosse humano, mas agora conseguia enxergar claramente o quanto ele era limitado.
A capacidade de entender, de se relacionar, de se abrir e dizer as coisas que sente de verdade, de demonstrar carinho e pedir afeto, reconhecer que está carente, que precisa das pessoas, tudo isso são sentimentos e situações que ele não aprendeu a lidar e nunca soube administrar isso.
Estava assistindo o último da família a deixá-lo e sabia que provavelmente a exemplo dos demais, eu não o procuraria muitas vezes, nos veríamos muito pouco, talvez no natal ou quem sabe dia dos pais.
Um amigo conseguiu emprestado a caminhonete do avô e levou as coisas da casa do Fábio para meu apartamento. Os móveis da sala de estar e do quarto foram "perdidos", isso porque a loja onde os comprei faliu, sendo que os proprietários desapareceram, não antes claro de esvaziar suas duas unidades, sumindo com todos os móveis.
Nem preciso dizer meu desespero quando descobri que teria que comprar tudo isso novamente, mas não pensei duas vezes, respirei fundo e comprei tudo novamente, porém desta vez numa loja pertencente a uma grande e conhecida rede de lojas.
A primeira noite no apartamento foi estranha, tá certo que ainda estava arrumando os detalhes. Como pretendia morar num lugar pequeno, os móveis não preenchiam bem o espaço da sala, assim como não tinha nada para colocar no outro quarto, que acabei deixando para meu micro. Meu quarto tinha um bom tamanho também, sendo muito cumprido. A cama de casal e o guarda roupa não preenchiam nem metade do quarto e o ambiente ficava frio, sem qualquer aconchego.
Fiquei um pouco na sala, assistindo TV que ainda estava no chão, não tinham montado a estante ainda. Olhava para o teto, para as paredes e ficava imaginando como seria minha vida dali pra frente, será que conseguiria ser realmente independente? E se um dia sei lá, ficasse doente ou desempregado? Dali até o resto da minha vida teria que me virar e isso é bastante tempo, muita coisa pode acontecer, inevitável não sentir um friozinho na barriga.
Os primeiros dias foram chatos, solitários, isso porque sentia falta dos amigos do bairro. Ali não conhecia ninguém e diferente do que estava acostumado, as pessoas não ficavam na rua conversando. Não tinha telefone, tinha que me contentar em assistir televisão e ficar olhando o vazio na janela.
No fim de semana melhorou muito, todos meus amigos lá do Butantã, ou pelo menos boa parte deles, foram me visitar e tal. Trouxeram vídeo game, baralho, pra gente passar a noite zoando.
Ficávamos revezando, ou seja, num fim de semana eles vinham para minha casa, no outro eu dormia na casa de alguém lá no Butantã. Mas a distância foi desanimando a gente, ao passo que fui me adaptando a morar sozinho, esses lances de encontrar a turma foram diminuindo.
Pra meu desespero total, Robson anunciou que estaria vendendo ou fechando a escola, logo agora que precisava daquele emprego mais do que qualquer coisa nesse mundo. Fiquei alguns dias atordoado, sem saber o que fazer, mas acabei conseguindo um bom acordo com os novos proprietários, para permanecer na escola.
Fiz amizade com uma das turmas de alunos da escola e começamos a sair muito. Nosso destino era quase que invariavelmente a serra da Cantareira, lugar que pessoalmente eu pirava, muito bom. Algumas vezes nos arriscávamos a dar um giro pelos bares da Vila Madalena ou Jardins.
Pela primeira vez me envolvi com uma turma com pessoal mais velho que eu. Estava acostumado a freqüentar apenas rodas de molecada e até que estava curtindo, os caras sabiam zoar muito bem!
Estava cada vez mais fascinado com a Internet e acabei ao acaso fazendo uma descoberta que virou a mim e a minha vida de ponta cabeça. O Mirc é um programa específico para bate papo e ao acessar aparece uma janela com alguns canais, algo semelhante com salas de bate papo, que são já padronizadas e sempre escolhi um desses canais.
Uma noite, depois que fechei a escola, estava lá entrando no Mirc e resolvi explorar um pouco mais o programa. Uma das opções permite listar quais canais existem em determinado servidor e pedi então uma listagem. Ao observar o resultado desta lista, pra minha surpresa me deparei com alguns canais com título gaybrasil, gayteen e outros do gênero. A muito tempo não sentia aquela sensação, nem lembrava mais, mas de repente meu estômago parecia que ia sair pela boca, ansiedade, curiosidade, um pouco de medo e excitação, tudo misturado, tudo ao mesmo tempo.
Como seria um canal gay? Como seriam os caras que entravam num canal assim? Se eu entrasse num canal gay isso poderia fazer de mim um gay também? Aquilo me parecia errado, mesmo não tendo ninguém olhando, ninguém por perto, a sensação que eu tinha era que estava sendo vigiado, medo de alguém descobrir que em algum momento cogitei a possibilidade de entrar num canal desses. Parecia estar traindo as pessoas que me conheciam, como se estivesse cometendo um crime, fazendo algo do qual depois teria vergonha de assumir.
Nenhuma dúvida ou sentimento de culpa por maiores que fossem me impediriam de entrar num desses canais, isso porque os demais sentimentos eram muito maiores, então entrei.
Primeira surpresa que tive foi perceber que as pessoas estavam conversando num ritmo semelhante ao dos outros canais, ou seja, zoeira pura e nada de mais picante, como imaginava. Claro que estranhei bastante algumas brincadeiras, na minha cabeça eram ridículas, nunca diria algo assim tão...... gay!
Apesar de não pertencer aquele grupo de pessoas e não ser como eles, logo na primeira vez que entrei conversei com alguns caras e tal, mais para entender o que rolava naquele canal. Como primeiro contato foi legal, quer dizer, foi bom saber que existia uma porrada de caras que como eu curtem esses lances, apesar de que diferente de mim eles eram gays.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O que há por trás do pijama...
RomanceAssim começa a saga do Marc, o personagem do livro O Pijama, uma história envolvente, realista e com certos toques de humor. Quem não se viu em algumas situações na qual o Marc passou? Quem nunca buscou o grande amor? A verdade é que não sei se ess...