Capítulo 22

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Mil novecentos e noventa e quatro....

Fiz 22 anos!

Não suportava mais a faculdade, meu pai, minha casa, meu trabalho, minha vida! Parei de estudar, simplesmente não aparecia mais na faculdade. Me demiti do emprego meio período, não contei nada em casa. Por alguns dias fiquei saindo pela manhã de casa, rondando a cidade, sem saber o que fazer.

Quando ia para a aula encontrava aquele bando de gente, todos tão perfeitos. Já conseguia vê-los com suas carreiras invejáveis, seus grandes salários dando continuidade ao sucesso de suas famílias. Não tinham qualquer preocupação, viviam apenas em função de si mesmos, aliás não só eles mas suas famílias também. Acho que se fosse um deles seria mais feliz, por outro lado não tenho certeza se suportaria a obrigação de dar certo, eu pelo menos tinha todo o direito do mundo de não conseguir uma vida cheia de êxitos.

Esperava que todos saíssem para trabalhar e então voltava para casa, onde ficava o dia todo sem fazer nada. Meu pai decidiu que iria se aposentar e as coisas que já não estavam boas ficaram ainda piores. A presença mais constante do meu pai em casa iria tornar nossa vida um inferno e minha mãe sabia disso.

O mais rápido que pude comecei a procurar um novo emprego, já estava desempregado a quase dois meses e nunca tinha ficado parado tanto tempo. Vi um anúncio no jornal. Precisavam de instrutor de informática. O anúncio informava apenas o telefone e pelo prefixo não consegui descobrir qual a região. Resolvi ligar, quem sabe?

A escola ficava em Santana, bairro localizado no lado oposto ao meu, teria que atravessar a cidade, mesmo assim fui.

Na entrevista gostei muito do proprietário, tinha boas idéias, estava empolgado com o negócio. A escola iria abrir as portas na próxima semana e ele precisava de alguém para montar o esquema de aulas, olhar as apostilas e alterar o que fosse necessário. Os micros eram precários, tínhamos apenas uma sala com oito XT's. Pela localização da escola, que ficava num bairro de classe média alta, seria difícil emplacar o negócio com aquela estrutura, mas Robson estava apostando no bom atendimento, em um instrutor simpático, cafezinho, suco e detalhes que pudessem fazer a diferença.

Não tinha nada a perder e então topei, fui participar junto com Robson do desafio de começar um negócio do zero. Claro que ele era o proprietário, eu apenas trabalhava para ele. No início Robson planejava manter seu emprego numa multinacional, até que o negócio começasse a render, aí então se dedicaria exclusivamente a escola.

Com o tempo nosso entrosamento foi se tornando perfeito e então decidimos que não havia necessidade dele abandonar sua próspera carreira na multinacional.

Enquanto as coisas clareavam na minha vida profissional, em casa tudo estava desabando. Meus pais não paravam de brigar, o clima era infernal e talvez por isso "ele" se aproveitou para aparecer pela primeira vez. Estava quase pegando no sono quando ouvi seu suspiro, forte, ofegante, nítido. Levei um susto, levantei acendi a luz mas não vi ninguém. Voltei a dormir, mas novamente quando estava já completamente sonolento ouvi novamente, era como se estivesse respirando no meu ouvido, não tinha erro era nítido e real demais, tinha alguém ali com certeza. Levantei assustado, acendi a luz novamente. Mas afinal que porra é essa? Já tinha lido vários livros espíritas, não sou e nunca fui religioso, respeito a igreja mas fico com sono só de imaginar uma missa. Com relação ao espiritismo tenho grandes afinidades, concordo com quase tudo que leio a respeito mas também não tenho a menor disposição para participar de qualquer coisa, seja lá o que for. Leio um livro espírita como quem lê um livro de matemática, é didático.

Por três vezes tentei dormir e tinha alguém ali, isso era fato. Claro que estava morrendo de medo. Uma coisa é a teoria, achar que tudo faz sentido, existe vida após a morte e que não devemos temer os espíritos e blá blá blá. Outra coisa é ter um "cara" de outro mundo fungando no meu ouvido no meio da madrugada.

Sou um cara racional, não vou deixar a luz acesa, vou apagá-la, deitar e dormir. Deitei, demorei um pouco para pegar no sono, estava bem assustado. Existe um momento onde não sabemos determinar se estamos dormindo ou acordados, não sei explicar porque não sei se isso é geral ou só comigo, mas sei que tem um instante onde ainda estamos conscientes, mas não estamos mais acordados. Senti "ele" se aproximando devagar, de alguma forma não deixava que o visse. Senti que chegaria até mim, não poderia deixar, a proximidade "dele" me fazia mal, algo "nele" é muito ruim, muito negativo. Sabia que estava dormindo, precisava acordar de qualquer jeito. Tentei abrir os olhos mas era impossível, não tinha nenhum controle sobre meu corpo. Tentei me mexer, se conseguisse movimentar qualquer parte do corpo talvez conseguisse acordar. Depois de fazer muita força consegui mexer os dedos levemente, "ele" já estava muito perto e já conseguia sentir sua respiração novamente. Uma sensação muito ruim começou a tomar conta de mim, precisava acordar. Consegui mover um pouco mais os dedos, depois as mãos. Meus braços estavam próximos da beirada da cama. Esforcei-me para arrastar meu braço até a beirada da cama, deixando-o cair e com o tranco finalmente consegui acordar, foi por pouco!

Saltei da cama, acendi a luz novamente, agora estava em pânico mesmo! Pensei em chamar minha mãe, mas aquilo era ridículo e mesmo que não fosse, em que ela poderia ajudar? Fazia muito tempo que não rezava e então arrisquei um Pai Nosso, mas não lembrava da prece inteira. Nunca gostei de preces, rezas, igrejas ou cultos religiosos. Tudo isso me faz imaginar um Deus rígido, sem piedade. Quando vejo um grupo de pessoas rezando me afasto, fazem com que me sinta no banco dos réus, cercado de fiéis querendo me condenar perante um Deus cruel, por isso ninguém reza perto de mim, não permito. Prefiro pensar em Deus como alguém que me dá segurança, me protege. Pedi a Deus que me ajudasse, rezei a minha maneira, mantive a luz acesa, deitei nos pés da cama e liguei o rádio para  distrair-me. Tentei ficar acordado o maior tempo possível até que adormeci.

O que há   por trás do   pijama...Onde histórias criam vida. Descubra agora