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"Eu não queria todo fardo do mundo em minhas costas, entretanto, todos insistem em me acarretar. Respiro fundo e sigo adiante. Demonstrar fraqueza em uma situação dessas não é uma opção. Apenas rezo para que minha .40 não fique sem balas, não costumo ser dramático, mas em momentos críticos, ela se sempre se mostra uma bela mediadora."

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O sol já não tinha o mesmo brilho dourado de outrora e a terra também já não era mais a mesma. O céu exibia uma coloração cinza, com algumas poucas nuvens aqui e acolá. Contudo, em sua imensidão não se via pássaros. Fossem animais orgânicos ou mesmo as grandes aves de metal construídas pelos homens. Naquele vasto vazio não existiam sinais de vida.
Uma brisa morna correu suavemente sobre o rosto castigado do jovem homem, ele a recebeu como um beijo quente. Sentado sobre um rochedo, apreciava àquela paisagem totalmente devastada. Tudo o que havia para divisar eram árvores mortas e ressecadas, num solo infértil, seco e forrado de enormes fissuras. Ele estava há horas sentado ali no topo da colina. Escrevendo. Escrever tornara-se mais que um hábito. Escrever tornara-se necessário.
A medida que o lápis percorre as linhas do caderno velho, lembranças de eras passadas lhe invadem a cabeça, e isso é algo impossível de se ignorar. Portanto sabe que é importante registrar tudo o que se lembra. Tudo o que passou e tudo o que passaram. "Tudo o que ele passou."
Um garotinho lindo, de pele clara como a neve e grandes olhos castanhos-esverdeados, surge à sua procura.
- Pai, quero ouvir uma história - diz o menino, arrancando o homem de seus devaneios.
- Qual? - Pergunta ele, colocando o filho de sete anos em seu colo. - Afinal de contas foram tantas histórias que eu contei à você que não sei qual você quer.
Antes que o garoto tenha tempo de responder, uma mulher jovem e bela, surge em sua procura. Seus cabelos longos e cacheados são alaranjados como labaredas de fogo; sua pele clara, apresenta um bronzeamento por conta do sol, entretanto, são seus olhos grandes, castanhos e ferozes que mais encantam ao homem.
- Aí está você, seu fujão. - Sua voz soa como música aos seus ouvidos. - Esse seu filho anda mais esperto a cada dia que passa.
O garotinho desata a falar:
- Eu quero aquela história sobre você, minha mãe e meus avós.
- Você gosta de ouvir sobre ela não é, Enzo?
- Seu pai passou a noite toda de guarda filho, deixe-o descansar - questiona a mãe.
- Não, mamãe - exclama o pequeno Enzo. - Eu gosto de ouvir as histórias do papai! Bom, quase todas... só não gosto quando os bandidos aparecem.
- Ninguém gosta de criminosos, filho. Por onde devo começar? É sempre difícil achar o início - disse o homem para seu filho. - Não me recordo especificamente da data, porém, me lembro do ano e mês em que tudo começou. Todos os relatos contidos em meus diários são a mais pura verdade, sem mais ou menos a acrescentar, cujos fatos ocorridos, a grande maioria eu mesmo presenciei. Assim sendo, prepare-se Enzo, pois não pretendo poupá-lo dos detalhes sórdidos. Até porque nem tudo na minha história são mares de rosas. Os tons de cinza aparecem mais vezes do que eu gostaria de contar...

Os Diários de Charlie FordyOnde histórias criam vida. Descubra agora