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""É que quando o mundo acaba, depois ele recomeça... O que ninguém fala, eu acho, é que esse recomeço é traumático. Os valores se invertem e a noção de certo ou errado é um tanto quanto abstrato... Bom, deixa pra lá, já estou teorizando demais... Ah como eu daria tudo por uma cerveja gelada... Você não?""

  Nas mochilas que Leon conseguiu saquear dos apartamentos tinha muita coisa útil.
  Mochila n.1
.5 pastas de dente.
.10 sabonetes.
.2 shampoos para cabelos.
.8 lâminas para barbear.
.5 frascos de desodorantes.
.1 frasco de álcool.
.2 garrafas de uísque (vagabundo).
.6 litros de água mineral.
O senhor Ângelo adorou a descoberta das duas garrafas de uísque.
- Excelente aquisição, Leon! Não disse que valeria a pena ir até a ralé. - Falou aos risos Ângelo Ângulos.
  Mochila n.2
.10kg de arroz.
.5kg de feijão.
.4 litros de água mineral.
.1 pacote de café.
No baú da motocicleta também havia mais um galão de 5 litros de água e um kit de primeiros socorros que Leon conseguiu num posto de gasolina abandonado na estrada - local esse onde passara a noite.
Ainda com Linse no colo, Leon abriu a bolsa lateral da motocicleta e puxou uma boneca de lá e a entregou para a menina.
- Essa aqui é para você, princesinha. Agora vá brincar. - Disse Leon sorrindo para Linse.
- Obrigada, tio Leon. - disse a garota, beijando o rosto de Leon e correndo para perto da mãe.
Neste momento Dorothy esbravejou:
- Não e justo, Leon! E eu? Não ganho nada?
- Calma, princesinha, eu não me esqueci de você.
De dentro da bolsa, Leon sacou outra boneca e entregou para a pequena Dorothy.
- Obrigada... você é o máximo! -Respondeu Dorothy, pois logo foi correndo se juntar a Linse para brincar.
  Todos nos ficámos felizes com aquela cena protagonizada por Leon e as meninas.
- Caramba, Leon! Você é mesmo um galanteador. Já conquistou até as meninas. - Disse brincando senhor Ângulos.
  Todos caímos na gargalhada, até mesmo Edoardo que não era muito chegado a brincadeiras, também entrou na roda.        
- Corta essa, gordão. - Respondeu Leon com um soquinho amigável no ombro do Senhor Ângulos.
Mas esse era Ângelo Ângulos: sempre brincalhão, não importava o momento ou muito menos a situação, ele sempre dava um jeito de nos animar. E sempre obtinha resultado.
A manhã ia avançando e tomamos café bem forte que fora preparado por senhora Ângulos e também comemos os dois últimos pacotes de pão integral que desponhamos naquele dia.
  Nos conhecíamos há pouco tempo é verdade, mas parecíamos uma grande família, unida e feliz. Naquele momento Leon enfiou a mão no bolso interno da jaqueta e lançou um óculos de grau com armação quadrada novilho para meu pai.
- Não sei se vai servir, mas lembrei que você disse que os seus sumiram no incidente do posto, então trouxe estes para você - Leon falou.
Papai colocou os óculos no rosto e ajustou-os com o dedo indicador.
- Serviram. São do mesmo grau dos meus, obrigado Leon. - Disse meu pai agora de pé e apertando a mão de Leon.
- Não esquenta, cara... estamos junto agora.
  Foi Lohaine quem interrompeu o momento fraternal do grupo, mas não por mal e sim por necessidade. Ela nos lembrou da questão que nos preocupava no momento... água.
- Gente, eu sei que estamos juntos nessa. Sei também que Leon se colocou em risco por todos nós. Porém se não conseguirmos encontrar água potável, todos os esforços terão sido em vão.
- Está certo. Eu vou entrar na floresta em busca de água. - Senhor Joaquim disse.
- Eu vou junto com você. - Se antecipou, Leon.
- Não Leon, quero que você fique aqui tomando conta do acampamento. - Respondeu Joaquim.
- Eu irei, papai. - Disse Lohaine.
- Não, Lohaine. Você também ficará aqui com Leon. Se aqueles camaradas que o atacaram na noite passada aparecem por aqui, vamos precisar que você e Leon metam chumbo neles. Eu levarei Tom comigo. - Finalizou Joaquim.
- Eu também vou, pai. - Aprecei-me em dizer.
- Tudo bem, filho.- Meu pai falou.
Nossas lanças eram feitas de galhos de árvores com as pontas bem afiadas. Essas lanças eram mais para se proteger de algum animal ou alguém perdido na mata pois nunca se sabe o que pode encontrar numa floresta. Embrenhamo-nos na mata. Senhor Joaquim liderava o grupo. Ele nos contou que tinha as armas de fogo porquê quando jovem costumava caçar nas montanhas, ou seja, tinha experiência na mata. Enquanto Joaquim e meu pai iam conversando sobre a vida que deixaram para trás. A mata, aos poucos ia se fechando cada vez mais em torno de nós. Com grandes árvores e mato muito alto. O canto dos pássaros juntamente com o barulho dos facões de Joaquim e meu pai que deitavam os galhos em nossa volta ditava o nosso ritmo.
Não conseguia mais segurar. Segurei o quanto pude pois não queria atrasar a missão. Não queria ser um fardo para meu pai e senhor Joaquim, mas não dava mais.
- Então você era um engenheiro? -Perguntava meu pai.
- Sim, trinta anos de profissão. E você um advogado?
- Sim, desde os vinte e dois...
- Pai, pai, pai. - Interrompi a conversa, puxando meu pai por um dos braços.
- Fale, meu filho.
- Preciso tirar água do joelho!    
- Tudo bem Charlie, faça aí mesmo.
É claro que eu não queria fazer ali na frente do senhor Joaquim. Então me embrenhei no meio das árvores que pendiam no meu lado esquerdo para ter um pouco de privacidade. O que é isso afinal, um garoto não pode ter um minuto de paz para urinar?
Acredito firmemente que nenhuma grande descoberta no mundo tenha sido feita tão ao acaso. Quando me enfiei no meio das árvores para urinar, já não aguentava mais de tanto me segurar. Travei uma luta intensa para desabotoar minhas calças e andando aos tropeções parei de fronte para um penhasco...
... E comecei a urinar. Um alívio reconfortante percorreu todo o meu corpo. Ali no penhasco estava eu urinando de cabeça erguida apreciando minha bexiga se esvaziar.
Foi no momento que terminei que me dei conta de onde estava.
Do alto do penhasco, no meu canto esquerdo de visão, uma cascata de água brotava, despencando suavemente por toda a extensão de rochas que declinavam do alto do penhasco. A cascata terminava em um lago oval rodeado por árvores altas que se perdiam a vista, e uma grama suave que ia beirando a margem e se expandindo no terreno plano. Algumas rochas beiravam um lado da borda do lago fazendo daquele lugar um belo paraíso.
- Pai! Senhor Joaquim! - Gritei o mais alto que meus pulmões aguentaram.
Senhor Joaquim e meu pai entraram por entre as árvores em disparada achando que algo tivesse me acontecido.
- Já estou a caminho, Charlie! Meu pai vinha aos gritando, seguido por senhor Joaquim. Chegaram ao penhasco no qual eu me encontrava são e salvo.
- O que foi, meu filho?
- Jesus, Maria e José... nós estamos salvos. - Falou senhor Joaquim antes que eu pudesse responder.
Meu pai viera tão cegamente em meu encontro que nem tinha se dado conta de onde estava, mas ao escutar senhor Joaquim, se virou e olhou em sua volta contemplando o cenário com ar embasbacado e boca aberta.
- É lindo. - Disse ele.
- Charlie, você salvou nossas vidas filhos. - Disse senhor Joaquim com vigorante sorriso nos lábios.
- Bom trabalho, filhão, bom trabalho mesmo. - Emendou meu pai dando tapinhas nas minhas costas.
- Foi pura sorte. -Eu disse.
- Sorte não, destino. - Devolveu senhor Joaquim.
Descemos o penhasco sem dificuldades, pois havia ali do lado uma trilha que levava diretamente para as margens da lagoa.
Experimentamos da água da lago. Era boa e cristalina.
As águas que coletávamos das chuvas de alguma forma depois do cataclismo eram impróprias para bebermos, serviam apenas para tomar banho e ainda depois de devidamente fervidas. Tinham gosto de ferro. Já as da lagoa por outro lado eram cristalinas e doces, excelente para beber e foi exatamente o que eu fiz.
Não resisti à tentação e me atirei na lagoa de roupa e tudo. Ela devia ter uns 3 mt. de profundidade eu acho, mas isso não era problema para mim porque quando ainda tinha 6 anos de idade meu pai me matriculará na natação e ganhei até medalhas em competições. Sim, eu me considero um excelente nadador até hoje.
Ah, meu pai se atirou na água logo atrás de mim e só teve o cuidado de retirar os novos óculos que ganhará de Leon... Pois não queria voltar a miopia.

Os Diários de Charlie FordyOnde histórias criam vida. Descubra agora