"Uma coisa é certa, do jeito que a vida vai... nunca há tédio. Todo dia tem uma nova ação. Eu nem conto mais os mortos. Antes até tentava, mas quando a cifra passou das dezenas - ao dia - compreendi que não adiantava."
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Eu gostaria de contar uma história diferente e com um belo final feliz. Queria poder contar que o ser humano, uma criatura fantástica que todos conhecemos muito bem, contornou a situação com extremo sucesso e avanço tecnológico. Gostaria de lhe dizer que tudo fora resolvido e todos voltaram para suas casas e viveram felizes para sempre. No entanto estou falando da raça humana, egoísta e individualista, na sua grande maioria. Sem dúvida um ser extraordinário, dotado de uma inteligência fantástica e igualmente criativa. Porém, de uma coisa eu sei: na mesma proporção que o homem cria ele destrói. Quando esgotamos todas as nossas reservas naturais de sobrevivência, o que fazemos? A resposta é simples. Destruímos todo o meio-ambiente e consequentemente a si próprios.
Talvez o cataclismo que o planeta sofreu, possa ter sido causado por conta do grande nível de poluição que nós seres humanos causamos ao planeta, mas naquela altura, ninguém mais estava preocupado com poluição, grande exposição a raios uv, animais silvestres ameaçados de extinção ou algo do gênero. Até por que, do jeito que as coisas se encontravam, o ser humano era o próximo animal ameaçado. Então a única coisa que de fato importava era a sobrevivência.
E foi nesse momento que a guerra das guerras começou.
Mas é claro que seria muito egoísmo da minha parte acreditar que somente pessoas boas sobreviveram ao cataclismo. É óbvio que não.
No entanto, sobre essas pessoas eu falarei mais tarde.
Não conseguimos avançar muito pelas rodovias, como eu já havia dito antes. Por vários motivos: ou as estradas surgiam bloqueadas com carros capotados uns por cima dos outros, ou então crateras apareciam diante de nós para bloquear a passagem.
Meu pai se afastou das principais estradas e foi em sentido ao interior, onde não havia muita movimentação de sobreviventes. Acho que o fenômeno que recaiu sobre o planeta, não durou mais do que uns quarenta minutos, porém, acredite, o estrago fora devastador. O cataclismo veio sem aviso e para onde se olhava via-se os resultados de sua destruição. Os sobreviventes não tinham nenhum tipo de informação, amparo, ou mesmo orientação das autoridades cabíveis.
- As estações de radio saíram do ar, estamos sem nenhuma informação. - Disse minha mãe, fuçando no radio do carro, tentando encontrar alguma sintonia. Um esforço que não lhe trouxera sucesso.
- Eu não sei o que está contecendo, mas precisamos seguir em frente. - Respondeu meu pai, agarrado ao volante com ambas as mãos e
pisando fundo no acelerador.
Os meios de comunicação simplesmente saíram do ar, nós não sabíamos se os fenômenos aconteceriam novamente e, tampouco, como encontravam-se as condições de cidades vizinhas. Na verdade não sabiamos de absolutamente nada. E para ser sincero, acho que meu pai não dava a mínima para nada naquele momento, apenas seguia em frente. Sempre em frente, fizesse chuva ou sol. Voltar atrás? Acredito que isso jamais tenha passado por sua cabeça...Já estávamos há três dias na estrada, quando conseguimos abastecer a van em um posto de gasolina no meio do nada. O local havia sido totalmente saqueado. Ademais ainda conseguimos encontrar algumas garrafas de água mineral, latas de refrigerantes e alguns biscoitos de cereais. Nas bombas de combustível ainda havia gasolina suficiente para meu pai encher o tanque da van até a boca, e ele não deixou essa oportunidade passar. Mas assim que nos preparávamos para seguir viagem, fomos surpreendidos por um sujeito que se parecia com um caminhoneiro. Um homem com cabelos negros pastosos e um bigode em formato de trave de futebol. Acima dos olhos tinha duas grossas sobrancelhas negras. Não fosse pelo macacão de presidiário, passaria fácil por um caminhoneiro.
- Aê, mermão, eu não quero fazer mal a ninguém. Entrega o carro e eu não mato vocês, valeu? - Disse o homem com uma expressão de maldade na face.
Minha mãe e eu estávamos dentro do carro. Meu pai se
encontrava de pé em frente à porta do motorista. Mamãe estava desesperada dentro do carro sem saber o que fazer.
- Aí, meu Deus! Tom, ele vai nos matar! Ele vai nos matar! Mamãe estava histérica dentro do automóvel.
- Fiquem aí no carro! - Bradou meu pai em resposta. Ele se virou de frente para encarar o homem. O bandido não tinha nenhuma arma nas mãos e mesmo assim era pura confiança.
- Qual é, mermão, vai querer bancar o herói?
- O carro é nosso e precisamos dele. - Endureceu meu pai. - Não
vou entregá-lo.
O bandido partiu para o ataque e acertou um soco de direita no
rosto do meu pai, que foi de encontro ao chão. Seus óculos voaram a distância, porém
logo se pôs de pé para novo assalto.
- Aê, tiozinho, sabe o que eu vou fazer? - falou o homem com sua
linguagem de giria. - Primeiro eu vou esmagar a tua cara até ela virar um monte de esterco no chão. Daí então eu mato o teu pivete. Mas eu não vou parar por
ai não, ainda vou dar um trato na tua coroa, morou? - O bandido sorria enquanto cuspia suas ameaças.
- Seu filho da puta! - Meu pai lançou seu melhor soco de direita bem no meio
da cara do criminoso.
- Isso pai, pega ele! - Gritei de dentro do carro. Porém o sujeito era um cara resistente; isso sem falar que já devia ter enfrentado diversos presidiários. Não demorou para que ele se
recuperasse do golpe. O bandido se levantou rapidamente e como uma pantera que ataca sua presa, atirou-se na cintura do meu pai e o levou ao chão.Montou sobre papai como se montasse em um cavalo e começou a desferir vários socos no rosto do meu pai, que por mais que lutasse bravamente,estava em desvantagem naquele momento.
Eu não vi como nem quando, muito menos de onde ela tirou
coragem. Mas foi minha mãe quem roubou a cena e salvou meu pai da morte naquele dia.
Ela saiu do carro, pegou um tijolo no chão, aproximou-se por
trás do bandido e ergueu as mãos sobre a cabeça, igual a um lenhador que segura seu machado para cortar lenha, e desceu de encontro à cabeça do criminoso.
A cada pancada desferida, ela gritava:
- Solta meu marido, seu porco imundo! Larga ele agora! -sangue espirrava aos montes da cabeça do homem. Uma cena medonha, porém necessária.
Minha mãe venceu o confronto, o homem desfaleceu sobre meu
pai, que se livrou do assaltante e se colocou de pé para consolar minha mãe. Seu rosto estava todo machucado e ensanguentado.
- Calma, Alice, tudo vai ficar bem. - Disse meu pai, abraçando minha mãe.
Ela, naquele momento, só chorava, olhando para as mãos
ensanguentadas.
- Ó, Deus! O que eu fiz? O que eu fiz!?
Meu pai arrumou álcool e um pacote de gases dentro da loja de
necessidades do posto de gasolina e limpou os ferimentos do seu rosto. Minha mãe lavou
as mãos numa torneira próxima de uma das bombas de
combustível, ela esfregava as mãos freneticamente debaixo d'água, como se isso pudesse limpar de sua mente todo o momento de tensão que havíamos acabado de passar. Seguimos viagem, uma forte tempestade que desabava
dos céus era nossa companheira de viagem no meio da escuridão.
Com relação ao bandido que deixamos no posto, nunca nos
perguntamos se ficara vivo ou morto. Em tempos como aqueles, antes ele do que nós.
Precizavamos ir adiante e pouco a pouco nossa van foi avançando, a chuva desabava cada vez mais forte sobre nós e a escuridão pouco a pouco foi se fachando à nossa volta.
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Os Diários de Charlie Fordy
AzioneQuando o mundo é devastado por um inexplicável cataclismo, o que você é capaz de fazer para sobreviver? No meio desta destruição encontram-se Charlie e seus pais. Sobreviver é o único objetivo. No entanto não há como prever os percalços que encontra...