capítulo 6

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"Pessoas chegam e vão embora numa velocidade inacreditável. No novo mundo é assim: pegue, saia e sobreviva. Sobre tudo, sobreviva. Somos abençoados criaturas abençoadas. Em tempos como os de agora, ter um teto seguro sobre sua cabeça significa muito. Só tenho medo dos andarilhos. Gente como essas não medem esforços para chegarem aonde quererem. Eu vi um homem matar outro por causa de um cigarro... Meu Deus, o som do pescoço sendo quebrado ainda me causa náuseas."

  Meu pai não parou para nada -nem mesmo para que fizéssemos nossas necessidades básicas. - Acho que ele queria se distanciar o quanto mais breve possível daquele posto de gasolina, como se desta forma pudesse afastar os pesadelos que rondavam sua mente. Não podia culpá-lo. Afinal de contas aquilo foi realmente assustador. No meio de toda bagunça que nos encontrávamos, ainda tínhamos de lutar contra bandidos inescrupulosos que queriam roubar tudo o que tínhamos. Realmente não podia condena-lo por querer nos proteger.
Já minha mãe se encontrava no banco do passageiro, mas também poderia estar numa galáxia muito distante, em uma espécie de transe olhando para o horizonte, perdida sabe-se Deus aonde.
Não sei se pensava no bandido que abatera no posto de gasolina, e  não me arrisquei a perguntar. Na verdade ninguém disse uma única palavra se quer durante toda a noite de viagem. Do lado de fora do carro, o alvorecer começava a surgir lentamente, opaco. A tempestade da noite ainda persistia. Gotas d'guas grossas, fortes e rápidas desabavam sobre o teto da van como pedregulhos furiosos. A chuva não estava sozinha, raios e trovões a acompanhavam naquele amanhecer conturbado.
Eu vi alguns passaros lutando contra a tempestade, voavam com uma bravura e beleza. Contudo, aquela era uma beleza selvagem. A cena me atingiu como um aviso. Tempos dificeis, trazem lutas dificeis. Um dos passaros desceu numa especie de redemoinho em alta velocidade. Numa certa altura recolheu as asas, mergulhou por entre nuvens acizentadas e resurgiu batendo fortemente suas grandes asas brancas contra a chuva que tentava derrubá-lo. Uma cena magnífica e igualmente assustadora.

Os Diários de Charlie FordyOnde histórias criam vida. Descubra agora