Antes de iniciar a análise propriamente, é preciso fazer algumas ressalvas: de todas as obras lidas até então, esta foi a mais complicada de analisar pelos seguintes motivos: as únicas obras que lemos sobre internatos são O Ateneu e um capítulo dedicado ao cotidiano de Hans no colégio semi-interno em Os Buddenbrooks. No cinema, há histórias passadas até a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, nada mais contemporâneo, e as produções recentes são de entretenimento teen que idealizam demais o internato. A equipe do DesafioLGBT não tem contato com pessoas que frequentaram internatos. A obra tem 44 capítulos longos (até o momento) e, diferentemente do que se supõe, apenas três situações acontecem e vão se repetindo: festas, "pegação" e fofoca. Portanto, essa análise pode ser prejudicada, mas faremos nosso melhor.
A história narrada em primeira pessoa pelo protagonista, Frederick, que inicia seu ano letivo nesse colégio interno. Vindo de uma família hippie e sabendo pouco sobre as regras sociais dos adolescentes desta instituição (e de adolescentes no geral, como vai se percebendo), Fred vai narrando seu aprendizado sentimental. Então temos um romance de formação, problemático ou não, não dá pra saber já que a obra se encontra no capítulo 44, sem indícios do final.
Antes de adentrar a problemática do romance de formação, vamos falar sobre as peripécias. Do contrário que se possa imaginar, nestes 44 capítulos há apenas dois tipos de peripécias: as festas e a "pegação". Temos também as fofocas, mas elas motivam as ações, sendo um nó propriamente falando em termos de estrutura. Fred logo faz amizade com seu colega de quarto e sua turma, e nos primeiros dias vê inúmeras regras institucionais sendo quebradas pelos alunos, sem a punição de nenhum deles (com exceção de Fred, Tom, que foi expulso antes da narrativa começar, e John, que voltou de uma expulsão, o que é inverossímil). Seu primeiro aprendizado portanto é que, sabendo como burlar as regras, os alunos podem fazer o que bem entenderem. E burlá-las não é difícil ou complicado pelo que vemos de regras sendo quebradas: inúmeras festas com álcool e drogas, alunos com circulação livre pelos dormitórios (feminino e masculino), uso de celulares, saídas noturnas pelas imediações da escola e fora dela. Nenhuma transgressão é explicada ao protagonista, então Fred só aproveita (aliás, para alguém que recebeu o adjetivo de curioso, ele passa muito bem sem saber como as regras são burladas). Portanto, parte do aprendizado de Fred é quebrar regras.
A outra parte é no nível sentimental e é aqui que a problemática se faz (até o momento). Todas as peripécias de "pegação" de Fred são espelhadas nas peripécias de seus amigos. O contrário também ocorre. Por exemplo: Fred ter beijado Ramon na frente do seu ficante/peguete/qualquer-outra-coisa-que-signifique-uma-continuidade, Sebastian; que é espelhado na situação de Lorenzo ter visto seu namorado,Tom, beijando Sebastian; que espelha Natasha ter visto Valerie ficando com outras pessoas quando elas já tinham "algo"; e na situação de Ramon quando viu seu ex-ficante-por-quem-nutria-algo-mais ficando com outra pessoa. Percebe-se também que todos do grupo ficaram com quase todos do grupo. O problema não está nessas situações em si, mas na reincidência delas, já que todos têm conhecimento que a maior parte dos envolvidos (senão todos) ficou prejudicada sentimentalmente, desde os relacionamentos mais "sérios", até os que já não estavam juntos, mas que nutriam algum sentimento pelo outro. Por volta do capítulo 40, há indicações de reincidências em personagens que já viveram essa situação e sofreram com ela, ou seja, o aprendizado não se fez em ninguém.
O texto nos dá um motivo para isso: as relações são travadas pelo sensual. Não podemos dizer que todas elas são assim, já que temos acesso parcial de várias delas, mas dentro da linha narrativa de Fred, todas as cenas entre ele e os seus ficantes e o namorado são descritas pelos sentidos mais sensuais, o tesão, a beleza e sensações ligadas aos sentidos. Talvez a exceção seja a relação com Lorenzo, porque existe uma amizade, além do desejo, o que no momento da história é uma confusão para Fred (pois ele namora e diz que ama Sebastian), mas pode ser uma saída e então teríamos um aprendizado. Não temos como saber ainda.
As questões de inverossimilhança são várias. A maior e talvez a que não seja de fato um problema por causa da público alvo é justamente a vida num internato. Pesquisando internatos reais contemporâneos e a representação de colégios internos na ficção atual, vemos que os romances adolescentes glamouralizam muito a vida em internatos. É o que Sinners faz ao colocar nos pensamentos de Fred e nas falas das personagens a sensação de liberdade quando eles estão fora das imediações, quando não existe nenhuma regra que eles não quebrem todos os dias. Eles gozam de toda a liberdade que desejam dentro e fora do internato.
Outro fato que merece ser melhor analisado é como a escola lida com a alunos transgêneros (Louis, no caso) e a transfobia (a coluna de fofocas do jornal). A coluna em si já é algo que uma escola não permitiria, ainda mais depois de ter nomes de alunos divulgados quebrando as regras de locomoção entre os dormitórios em horários não permitidos. Por mais que a direção seja a favor da liberdade de expressão, isso sequer é jornalismo e a integridade de alunos é prejudicada. O conteúdo em si dessas colunas não demonstrava nenhum tipo de aversão homofóbica. Já a coluna sobre Louis é claramente transfóbica, o que motiva sua saída do colégio, um episódio de agressão moral do filho do diretor (que acolheu Louis muito bem), a defesa da Louis por Fred (ele agride fisicamente o filho do diretor) e a palestra com uma psicóloga transgênero. Não é incomum encontrar pessoas com ideias contraditórias, mas é preciso que, ao descrevê-las, isso seja crível.
A logística das festas é inverossímil. Como eles conseguem que entre na escola quantidades enormes de bebidas, drogas, movimentar a aparelhagem de som e a limpeza ser feita? Eles certamente são ricos, mas subornar todos os funcionários é improvável, já que eles correm riscos de demissões. Ter pão de queijo na escola (um dado de brasilidade) e os nomes de todos serem estrangeiros. Louis ter feito a cirurgia (e diversas tatuagens) sendo menor de idade e voltando em apenas um mês (o pós-operatório desse tipo de cirurgia dura seis meses). Os pais de Fred serem hippies e terem posto o filho num colégio interno, além dele não saber nada sobre sexualidade ou drogas.
O título, que traduz do inglês para "Pecadores", por fim, não faz sentido, já que a escola não é religiosa ou conservadora, tampouco a família de Fred o é, e não há nenhum questionamento moral na narrativa.
A dica que damos é: pesquisar melhor sobre como é a vida nos internatos e planejar a logística das cenas e situações. Como leitura indicamos O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger.
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#DesafioLGBT: Resenhas (FECHADO)
No FicciónAqui estão as instruções de como ter seu texto resenhado por nós, juntamente das resenhas dos textos já comentados. Dúvidas serão esclarecidas via comentários.