Vira-Lata, de Kaceiph

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Narrado em primeira pessoa, acompanhamos o relato retrospectivo desse narrador-personagem sem nome e sua relação com o garoto chamado Danilo, caracterizado desde o início como um vira-lata. Difícil apontar apenas o garoto cujo título o alude como protagonista, pois o narrador-personagem divide as ações com ele e tem todo o mérito de narrador ao refletir sobre o outro. Danilo é tão protagonista como objeto de estudo do narrador.

O conto tem uma preocupação com o contexto histórico e isso o torna muito rico. Ao posicionar as personagens ainda jovens no início da Ditadura Militar, com todo o ímpeto e rebeldia da juventude desperdiçados pela alienação e a falta de perspectiva de um futuro. O fato do narrador-personagem ser um migrante nordestino e negro, assim como Danilo ser filho de imigrantes italianos, os colocam na posição de deslocados. A puberdade já é um deslocamento da infância para a vida adulta, um lugar entre lugares. E no conto, as personagens vão se deslocando dentro de um espaço restrito, o pequeno bairro proletário. O espaço do porão reflete o estado subterrâneo das pulsões. Ao usar a expressão "fugíamos para o porão", o autor condensa nessa frase a fuga das personagens da vida que eles tinham, do controle político e das convenções sociais.

A violência e o sexo são intrínsecos neste conto. Mesmo as descrições das brigas entre o narrador-personagem e Danilo estão cheias de tensão sexual. É uma rede que envolve o narrador, mas que tem aberturas, já que ele tem demandas amorosas com seu namorado. O que perturba o narrador é que Danilo possivelmente pensava que o que eles tinham era amor, portanto, amor para ele seria violência e sexo. O extremo desse amor desemboca no assassinato de Fabrício. E por mais que o narrador não seja uma personagem fria, em nenhum momento ele julga as ações de Danilo, porque ele sabe que o outro sente as coisas através da violência. Com isso, temos um relato imparcial, por mais que nada no conto seja de fato imparcial.

As metáforas dão o clima quente e seco do conto. Secura que está tanto no tratamento entre eles, a falta de diálogo; quanto no que o narrador-personagem reflete sobre a vida e Danilo. E o calor liga a temperatura às exaltações da adolescência, a violência e o sexo.

Como a obra mescla intimismo adolescente com realismo urbano, indicamos o clássico existencialista O Estrangeiro, de Albert Camus, e o realista urbano Cidade de Deus, de Paulo Lins.

#DesafioLGBT: Resenhas (FECHADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora