10 Os mártires da Escócia

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DA MESMA FORMA que em todos os recantos da Alemanha, da Itália ou da França apareceram ramificações nascidas daquela fecundíssima raiz de Lutero, assim também não faltaram nesta ilha da Inglaterra seus ramos e seus frutos. Entre estes estava Patrick Hamilton, de vinte e um anos de idade, um escocês nascido de elevada e nobre família de sangue real, de excelentes aptidões, chamado abade de Ferne. Deixando seu país juntamente com mais três colegas em busca de piedosa erudição, Hamilton dirigiu-se para a Universidade de Marburg na Alemanha, recém-fundada por Filipe, Conde de Hesse. Consultando homens de grande erudição, especialmente Frances Lambert, ele tanto avançou em conhecimento e discernimento que, estimulado por Lambert, foi o primeiro daquela universidade a apresentar publicamente conclusões sobre fé e obras para serem objeto de uma discussão aberta. Caso esse jovem tivesse escolhido levar uma vida no estilo dos outros cortesãos, em meio a todo tipo de libertinagem, talvez tivesse sido elogiado sem nenhum risco ou punição. Mas, por mais que ele somasse religiosidade à sua nobreza e virtude à sua idade, de modo algum conseguiu escapar das mãos dos perversos. Pois não há nada seguro e certo neste mundo a não ser a maldade e o pecado.

Quem já viu os cardeais ou bispos enfurecerem-se e usarem suas cruéis inquisições contra a folia, a ambição, a jogatina, a bebedeira e a roubalheira? Mas quando alguém realmente se entrega ao amor e à prática da religiosidade, confessando ter em Cristo seu único protetor e advogado, excluindo os méritos dos santos, reconhecendo a justificação gratuita mediante a fé em Cristo, negando o purgatório (por esses artigos Hamilton foi queimado), eles não poupam nem idade nem parentesco, e não haveria nenhum poder tão grande neste mundo capaz de resistir-lhes a majestade e autoridade.

Que grande glória para o reino britânico poderia ter sido esse excelente jovem, nobre e erudito, dotado de tanta religiosidade e de uma disposição e inteligência tão singulares, se os escoceses não tivessem ressentimentos contra o seu próprio bem!

O erudito Patrick, crescendo dia a dia em conhecimento e sentindo-se inflamado de piedade, no fim começou a ponderar consigo mesmo a hipótese de voltar para o seu país, cheio que estava de desejo de partilhar com os seus conterrâneos alguns dos frutos colhidos no exterior. Assim, persistindo em seu piedoso intento, escolheu um dos três companheiros que trouxera da Escócia, e voltou sem maiores delongas. Não suportando a mísera ignorância e cegueira dos escoceses, corajosamente ensinando e pregando a verdade, ele foi acusado de heresia. Depois, resistindo com firmeza na luta do Evangelho de Deus contra o pontífice e Arcebispo de St. Andrews, chamado James Beaton, foi intimado a comparecer perante o prelado e seu colegiado de padres no dia primeiro de março de 1527, d.C. Sendo ele dotado não apenas de ardorosa erudição mas também de espírito ardente, não quis aguardar e apresentou-se de manhã bem cedo antes da hora marcada. Então, em meio a uma discussão acalorada contra os seus opositores, quando eles não conseguiram convencê-lo com as Escrituras, com a força o esmagaram. E assim, lavrada contra ele a sentença condenatória, no mesmo dia depois do almoço, com toda a pressa do mundo, ele foi levado para a fogueira e queimado.

Foi assim que o nobre Hamilton, abençoado servo de Deus, sem nenhuma justa causa, foi eliminado por seus cruéis adversários, mas não sem produzir muitos frutos para a Igreja de Cristo. O grave testemunho de seu sangue fixou ainda mais a verdade de Deus e a confirmou nos corações de muitos de tal forma que ela nunca mais pôde ser arrancada. Tanto isso é verdade que diversos escoceses que defendiam a posição de Hamilton suportaram depois o mesmo martírio.

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