8 - Me Ajude!

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Vagarosamente, e dolorosamente, eu me sequei e vesti o uniforme da minha escola. Por sorte ou não, eu acordei no horário certo: 6:30h.
_ Uhh... - gemi de dor, ao sentir a camiseta raspar em um dos vergões nas minhas costas.
Eu estava horrível, havia me olhado no espelho: olheiras profundas e escuras, que nem o melhor corretivo seria capaz de esconder, hematomas de todas as cores pelo meu corpo inteiro, marcas grandes no formato do cinto daquele homem asqueroso, cicatrizes de mordidas e beliscões e vergões de tapas.
Aí você me pergunta: "Porque você não fala com a polícia?". E eu te respondo: porque, de alguma forma, eu posso sentir que aquele homem não era humano, que aquele lugar não era na "Terra" e que a dor que eu senti não era normal. Segurei minhas lágrimas e, com a mochila arrumada nas costas, desci para o café da manhã.
Minha mãe tem que estar no trabalho logo cedo, então sempre sai de casa antes de mim. Ou seja, nunca toma café comigo. Hoje, agredeci por isso. Ela me encheria de perguntas e eu não poderia responder. Não poderia responder porque, se nem eu entendo, como ela seria capaz de compreender?
Enquanto comia uma torrada, pensei em como contaria tudo aquilo para Lucius e se eu contaria.
_ Ele é esperto de mais. Vai saber que tem algo de errado comigo assim que me ver - falei, levantando-me da mesa.
Achei uma maçã na geladeira e peguei-a. Sai de casa com o celular na mão.
_ 6:50h - murmurei, mordendo a maçã em seguida.
Eu moro à duas ruas da minha escola. Com o tempo que tenho, posso ir com calma.
Adentrei os portões do colégio e, instantaneamente, recordei-me de uma fala do homem do meu - suposto - sequestro da noite passada.
"_ Em nenhum momento eu disse que havia te tirado de sua casa".
Era isso que estava me confundindo. Eu já havia pensado na hipótese de ele ser um demônio. Havia uma grande probabilidade. Como eu poderia sumir assim da minha casa e aparecer sem mais nem menos? Além da energia estranha dele e daquele quarto.
Entrei na minha sala, ao ouvir o sinal que indicava o início das aulas, recebendo muitos olhares de nojo e desprezo. Ninguém naquele lugar gostava de mim.
A minha professora de Matemática chegou e todos começaram a arrumar seus materias. Como não pretendo viver da feitiçaria, como muitos por aí, eu estudo bastante. Contudo, eu estava extremamente cansada. Encostei a cabeça na parede, fechei os olhos por um tempo e depois os abri novamente.
Folheei as páginas de meu caderno, até chegar em uma que estava colada em outra. Estranhei, pois eu nunca usei cola naquele caderno. Com algum esforço, consegui descolar as folhas. Ainda bem que eu me sento bem no fundo e que não há uma alma viva, nem a professora, que preste atenção em mim, pois, naquele momento, o meu coração disparou e a dor tomou conta do meu ser. Todos os meu machucados arderam e pulsaram. Fechei os olhos fortemente, desejando nunca mais ter que abri-los novamente.
Naquela folha, com o mesmo sangue que limpei do meu quarto, estava escrito: "GOSTOSURAS OU TRAVESSURAS, MEU PASSARINHO?".
Senti uma súbita vontade de vomitar. Agarrei o meu caderno e corri para o banheiro. Ninguém pareceu perbecer que eu saí quase voando da sala de aula.
Cheguei no banheiro e entrei na primeira cabine que encontrei. Coloquei tudo para fora (lembrando que eu só comi uma torrada, uma maçã e bebi uma xícara de café). Parecia que estava saindo fogo da minha boca. Tudo ardia e queimava. Quando terminei, olhei para a privada e quase desmaiei: só havia sangue. De onde veio tudo aquilo?
Eu já estava chorando e revirando os olhos de dor, quando ouvi um barulho atrás de min.
_ Arde como o inferno, não é?
Virei-me. Não me surpreendi ao ver aquele mesmo homem. O homem que, mais uma vez, supostamente me sequestrou. Reconheci-o pela voz gultural. Minhas suposições quanto a ele ser um demônio fizeram mais sentido. "Tudo se encaixa", pensei.
Levantei-me, canbaleando, e sorri amargamente para ele, vendo os meus dentes sujos de sangue no espelho. O homem vestia uma expressão indiferente, com direito a um sorrisinho idiota.
_ Vai me perseguir até na escola? Vai me sequestrar de novo? - indaguei, mesmo com a garganta quase se decompondo. Parecia ácido. Peguei o meu caderno do chão - O Halloween já passou - arranquei aquela página e joguei-a no vaso.
O homem nem se importou e foi aproximando-se gradativamente, com passos lentos e, quase, graciosos. Eu já não o temia mais. Ele já havia me sequestrado, me agredido e quase me estuprado. Me senti confiante, como se pudesse pará-lo.
Então, quando o mesmo já estava bem perto de mim, prestei atenção na cor de seus olhos.
_ Amarelos?... - sussurrei.
Horrorizada, empurrei-o para longe. Ele é um demônio. Só pode ser.
_ Por Lúcifer! - exclamei.
Ele provavelmente percebeu que eu descobri a sua verdadeira identidade, pois voltou a sorrir. Arrepiei ao ver que seus dentes eram grandes e pontiagudos.
_ Corra, meu passarinho. O caçador vai te pegar - disse com sarcasmo, avançando na minha direção.
Eu sabia que, se ele quisesse me alcançar, ele me alcançaria. Mesmo assim, acho que corri mais rápido que o Flash para fora dali.
A porta da minha sala ainda estava aberta. Olhei para trás e, vendo que o homem já não me seguia mais, parei na entrada para respirar. Estranhamente, ninguém olhou para mim. Eu não estava me importando com o fato de eles não darem a mínima para a minha existência, mas até eu olharia para uma doida varrida entrando desesperada dentro da sala.
Levantei meu olhar para a professora. Ela seguia para a minha carteira, onde eu estava sentada e dormindo.
Epa, perai.
COMO ASSIM?
Eu estava alí, na porta da sala, e também lá, na minha mesa. Sem entender mais nada, andei até o meu lugar. No caminho, a minha visão foi escurecendo e eu apaguei.





Fui acordada pela professora. Pisquei meus olhos diversas vezes, tentando entender o que estava acontecendo. Como resposta, um pequeno filme passou pela minha mente.
Provavelmente, eu fiquei com a maior cara de zumbi, porque a professora disse, gentilmente:
_ Vá lavar o rosto, Lilith.
Assenti, indo para o banheiro. Ouvi algumas risadinhas e cochichos, mas ignorei, como sempre.
Encostei na pia e lavei meu rosto. Fiz um bochecho e percebi que minha boca ainda estava suja de sangue.
_ Que merda - resmunguei, entrando na mesma cabine que eu havia vomitado.
O sangue e o papel ainda estavam lá. Por mais grotesco que fosse, eu tirei uma foto. Estava juntando evidências para encontrar uma resposta e também para mostrar para Lucius. Apertei o botão da descarga e observei tudo aquilo ir embora.
Antes de voltar para a sala e aguentar mais um dia cansativo e estressante, tomei uma água para refrescar a garganta, que ainda parecia queimar.
Ao final da aula, liguei para a minha mãe e disse que iria almoçar com um amigo.
_ Tudo bem, querida. Apareceu uma emergência no trabalho e eu já estava te ligando para avisar que não conseguiríamos almoçar juntas - falou calmamente - E a festa? Como foi? - perguntou.
_ Foi legal. A Lucy me disse que a mãe dela não deixa ela dormir na casa de ninguém.
_ Nossa! Mas ela já é uma mulher! - disse surpresa.
_ É... - respondi casualmente. Odeio mentir para ela, mas é necessário.
Prometi chegar em casa antes das cinco da tarde e desliguei.
Enquanto caminhava até a casa de Lucius, juntei todas as informações que eu tinha.
_ Bom, eu fiz algo que irritou aquele demônio e agora ele me atormenta através de sonhos meio reais, meio irreias, onde, aparentemente, a minha alma sai do corpo - conclui. Coloquei o dedo indicador sobre o lábio e arqueei as sobrancelhas - É estranho de mais! Tudo o que acontece comigo nos sonhos realmente me afeta fisicamente.
Eu já estava subindo o morro, quando tudo começou a girar e eu quase perdi o equilíbrio, agarrando a primeira árvore que encontrei.
_ Acho que perdi muito sangue - murmurei.
Passei a mão sobre o nariz, para limpar o suor, e percebi que eu estava sangrando. De novo.
_ Droga! - rosnei, apertando o passo.
Lucius estava em seu jardim. Sorriu ao me ver e acenou. Contudo, percebeu o meu real estado e começou a correr e gritar. Eu ainda estava um pouco mais longe, então tentei andar um pouco mais rápido.
_ Lih! Lih! Você está bem? Lih!
Encarei-o por alguns segundos, até sentir as pernas falharem. Tão lindo...
_ Me ajude! - foram as últimas palavras que eu disse, antes de me juntar à escuridão.




NOTAS
Oi, gente. Turu bom? 🌚🍷
Consegui postar de manhã! Estou muito feliz, sério.
Me digam o que estão achando da história, por favor. E agora, nós temos um nome para o shipp entre Lih e Lucius: Lihcius. Obrigada, the_Shaforostov ahauhauahhs 💕.
É isso. Me desculpem por qualquer erro e até quinta- feira 🌚💙🍷


Os Demônios Também Dizem: "Gostosuras ou Travessuras?"Onde histórias criam vida. Descubra agora