No trem, também

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Era para ser só mais um dia comum, sério. Eu entrei no metrô para ir à escola, como costumo fazer todos os dias, e até fiquei surpreso com a pouca quantidade de pessoas até lembrar que eu havia saído mais cedo. Sim, foi preciso, para eu não me atrasar como tenho feito desde o início do ano e não ter que levar outra reclamação do Aristóteles, o vice-diretor chato que administra a escola desde que a dona Margarida ficou doente. Ao menos eu não preciso entrar nos Jogos Vorazes por um lugar vazio no metrô, como acontece quando ele está lotado na hora do 'rush'.

Sentei em um dos lugares vazios e os assentos à minha volta começavam a encher conforme as pessoas entravam, então comecei a imaginar se eu chegasse atrasado outra vez, como o Aristóteles encheria meu saco de todas as maneiras com sua voz anasalada insuportável, e aquele petulante sotaque forçado que beira a um gentleman britânico – mas todos sabem que ele é de Minas, mesmo.

Talvez um "Tomás Park, por que outro atraso seu não me surpreende? Pensei que asiáticos fossem mais pontuais", onde eu explicaria pela quadragésima vez que só por meus avós maternos serem coreanos, isso não me faz coreano também. E que apesar da aparência, eu estou bem longe disso por causa da família do meu pai.

Ou pra completar, um "senhor Park, quase dezoito anos nas costas e ainda se atrasando? Pensei que fosse mais responsável", como se minha idade mudasse a demora do ônibus que eu pego para poder chegar à estação de metrô. As provocações infundadas e ameaças de suspensões que ele faz já se tornaram bem previsíveis.

Enquanto eu olhava para o mapa das estações sem notar e ria das reclamações ridículas do Aritonto, notei um garoto alto passar pela minha visão e sentar na minha frente. As portas se fecharam e o metrô deu partida. Parei para observar o garoto com mais atenção, mas sem encara-lo para não dar nada a entender. Ele era de estatura média, seus pés se apoiavam no chão sem precisar se esticar muito.

O metrô foi saindo da estação em direção ao ar livre, e cada raio de sol que entrava pela janela fazia sua pele escura brilhar. Seus cabelos eram curtos nas laterais, raspados de uma maneira que só uma máquina alcançaria. No topo, um pouco maior, seu cabelo cacheado ganhava volume, mas não tanto, e um tom vermelho por causa da luz do Sol.

Como ele estava de cabeça baixa, encarando seu celular, foi difícil ver seu rosto, mas consegui quando guardou o aparelho na mochila e se espreguiçou, com os braços magros à mostra por causa da regata azul colada em seu corpo. Um nariz largo, curto e um tanto curvado para cima, separava os profundos olhos castanhos em que eu me afundava sem notar. Sua boca cheia parecia perfeita pra beijar, e otras cositas más...

Nota mental: para de ler essas fanfics de Teen Wolf, Tomás. Já começou a afetar como você descreve as pessoas.

Sem esperar muito, ao ver aquele cara fofo na minha frente, tirei o celular do bolso da minha bermuda e fui direto para o WhatsApp falar com a Laisa. Comecei a digitar enquanto escondia a tela com as mãos para que ninguém ao meu lado lesse e dividia minha atenção entre o WhatsApp e o moço bonito...

T: La, vc não vai acreditar no croche que eu encontrei aqui no metrô

L: Como ele é?

T: LINDO DEMAIS!!!!

T: Nem alto nem baixo, com músculos tímidos, negro e um cabelo cacheado castanho

L: ??? que porra é músculos tímidos

L: Para de falar que nem narração de fanfic e manda foto seu animal

T: Percebe, Ivair, a grosseria da cavala? Só por isso, não mando mais

L: anotado amore, bjs

T: Grossa, só mando porque te amo

L: padsoaidhosifahaosig s2

Ao receber a mensagem – que eu não soube se era uma risada ou se ela bateu com a cara no celular –, cliquei no ícone de câmera e inclinei a coluna pra frente. Enquanto apoiava meus cotovelos nas coxas, como quem não quer nada, vi pela tela do celular apontado ao moço que ele estava um tanto inquieto, sem seu telefone.

Com suas costas descansando no encosto do assento, ele cruzou as pernas e os braços, e então começou a olhar para os lados como se procurasse algo interessante para prestar atenção. Não, espera... Isso significa que a estação dele está chegando!

Sem pensar muito, cliquei na tela para focar no rosto do cara e pressionei de maneira discreta o botão para tirar foto...

O flash estava ligado.

F-U-D-E-U.

Todos olharam pra mim, inclusive ele. Tentei fechar os olhos o mais rápido possível, meus olhos já são puxados, talvez ele pensasse que eu estava dormindo esse tempo todo? Claro, um sonâmbulo que dorme naquela posição e tira fotos de estranhos enquanto dorme, muito bem pensado, Tomás.

Mas eu me mantive fiel a esse plano por um minuto ou quase. Quando meu cérebro queria me estapear pela burrice, notei que nada do que eu fizesse daria certo. Apenas me encostei no assento, quase me encolhendo no banco e esperando que o pior não acontecesse enquanto meu rosto esquentava de nervosismo – minha sorte é que não sou tão branco para mostrar quando estou corado...

Enquanto os outros passageiros fingiam que aquilo não tinha acontecido para não me envergonhar ainda mais – obrigado...? –, ele se levantou com rapidez. As janelas atrás dele começaram a escurecer, e eu só me preparei para levar um soco no nariz em público antes que ele saísse de vez do metrô.

Ele se aproximou, e meu pânico aumentava a cada centímetro que a mão dele chegava perto de mim, eu vi tudo em câmera lenta, minha vida passou pelos meus olhos... E então, do nada, ele passou a mão por trás da minha orelha direita com uma leveza angelical.

Meu corpo inteiro se arrepiou, e até meus pensamentos começaram a gaguejar. O cara logo me mostrou um... papel dobrado (?), entregando-o em minhas mãos ainda trêmulas e saindo do vagão para viver a vida dele.

O que estaria escrito? Uma ameaça? Xingamentos de todos os tipos? Uma receita de bolo formigueiro? Minha ansiedade falou mais alto e eu desdobrei o pedaço de papel, apenas para encontrar...

— Melhor que Jikook! – disse uma velhinha sentada ao meu lado, com entusiasmo na voz, o que me assustou pra caramba e me fez lançar um olhar confuso pra ela – Que foi, menino? Me deixa shippar!

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— Melhor que Jikook! – disse uma velhinha sentada ao meu lado, com entusiasmo na voz, o que me assustou pra caramba e me fez lançar um olhar confuso pra ela – Que foi, menino? Me deixa shippar!

Isso foi muito inesperado – e por isso mesmo, meus olhos começaram a brilhar e eu soltei um leve sorriso... Ele queria que eu ligasse pra ele. Reencontrar o "stalker" estranho que tentou tirar fotos dele e falhou miseravelmente.

Ele não bate bem, só pode. Mas quem sabe esse seja o meu tipo?

Mais um dia comumOnde histórias criam vida. Descubra agora