Conto de fadas

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Com o Sol invadindo a janela do quarto e tocando meu rosto, eu acordei para mais um dia, mais cedo do que de costume. Sentei na cama e me espreguicei bem, ainda com as roupas da noite anterior. Por fim, levantei animado e saí cantando — com os pássaros na goiabeira do quintal como backing vocal —, enquanto me sentia a Branca de Neve de olhos puxados e bermuda de moletom. Tudo com um sorriso iluminado que, apesar de precisar urgente de uma escovação, não sumia de jeito nenhum.

Fui ao banheiro e fiz minha higiene pessoal. Descobri que é mais fácil escovar os dentes com um sorriso no rosto, e tudo parecia musical, principalmente o banho. Após vestir um conjunto básico — camiseta vermelha com mangas longas, jeans preto e All Star vermelho —, chequei o cabelo pra certificar que estava bem espetado, e enfim, pronto.

Enquanto eu descia as escadas, minha avó, sentada no sofá, avistou meu sorriso e fez questão de lançar seu comentário maldoso, com uma leve pausa entre as frases para saborear a salada de frutas que ela segurava nas mãos.

— O que há com você? Um sorriso assim não cai bem pra um homem, se você é um. Se fosse no meu tempo, lá na Coreia...

Claro, não seria uma manhã normal sem uma provocação da vovó. Ela nunca perde uma oportunidade de ser rigorosa e zoeira — tão zoeira que parece brasileira, não coreana. Um ponto importante: ela entende português, mas só fala coreano, e só me responde se eu chama-la de halmoni. Mas eu escolhi não ceder a isso naquela manhã, e retruquei ao descer as escadas dançando:

— Eu tô aceso, ! — e era verdade. Após minha conversa com a Laisa, eu me sentia no topo do mundo. Feliz, independente, e disposto a aproveitar essa sensação mesmo que só durasse um dia.

Procurei ao redor e notei que meus pais já haviam saído pro trabalho, mas deixaram um bilhete na geladeira que dizia:

"Tom, seu lanche está na sacola da papel em cima da mesa! Papai e mamãe te amam muito, mas sua mesada ainda está cortada! Bjs, tenha um bom dia!"

Que fofos. Guardei meu lanche, peguei uma maçã da fruteira, segurei a mochila contra o peito e saí andando. Minha avó voltou sua atenção à TV com a cara fechada por ter sido desafiada, ao menos ela não soltou os xingamentos coreanos.

Como eu ainda tinha bastante tempo até precisar pegar o metrô, decidi passar na casa da Laisa. Fui muito bem recebido por sua mãe, que me mandou ao andar de cima onde a Laisa descansava no quarto. Bati na porta e ouvi um demônio de voz rasgada me dizendo para entrar.

Com cuidado e medo pra caralho, eu abri a porta e encontrei minha amiga sentada na cama, enrolada em seu edredom roxo com apenas o rosto descoberto. Ela estava focada em assistir Orange is the New Black — reconheci na hora as vozes da TV —, mas pausou a Netflix quando me viu.

— Tom! — animada, Laisa gritou com esforço, jogando o edredom pra trás e revelando sua camisola bege com estampa de morangos, que chegava acima dos joelhos e deixava à mostra sua pele escura. Seu cabelo castanho estava preso em um coque alto e desajeitado, com os fios da nuca soltos.

— Jesus, que voz é essa? — perguntei, assustado ao descobrir que a voz de Gremlin vinha dela. Olhei para a televisão, onde um episódio de Orange is the New Black estava pausado em uma cena de pegação entre Piper e Alex — Pensei que você estava assistindo um ritual satânico... Mas parece que é só um ritual de velcro, mesmo.

— Bestão! — ela me atirou um travesseiro que por pouco eu não consegui segurar enquanto nós dois ríamos, até ela começar a tossir com força — Eu tô com a garganta inflamada, mano. Essa dengue me pegou de jeito mesmo...

Mais um dia comumOnde histórias criam vida. Descubra agora