Hora do show

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— Sejam bem-viados... Digo, bem vindos à quarta edição do show de talentos da escola Ariano Vilar Suassuna! — uma voz feminina anunciou, com sua voz estendida pelos alto-falantes em cada canto do local. Do lado de fora, não consegui identificar quem era, mas deduzi ser a diretora — As apresentações começam em trinta minutos, podem se acomodar!

Analisei com calma o prédio grande e limpo que me enfrentava. Parecia planejado por um professor de geometria — a escola era um cubo bege, apenas com paredes vermelhas embaixo segurando a grande construção. Algumas grades azuis de tamanho mediano rodeavam a escola, com um grande portão azul-escuro no meio, agora aberto e decorado com balões.

Foi onde avistei o João Tadeu me esperando olhando para os lados, com o mesmo penteado que tinha quando o encontrei pela primeira vez — raspado nas laterais, e no topo seus cachos castanhos ganhavam volume. O terno preto fechado e a gravata bem-colocada o faziam parecer pronto pra casar... Ou pra acabar qualquer coisa que eu pensei que nós poderíamos ter.

— Tom, você veio! — Jota exclamou animado ao me ver, e ao se aproximar foi colocando uma mão em meu ombro e outra na minha nuca, dirigindo seu rosto em direção ao... Não, eu sei onde isso vai dar!

— Devagar aí, Sonic! — foi a bronca que eu dei, ao virar meu rosto e me afastar do seu corpo, tão bom de sentir... Foco, Tomás! Sai da transa! Digo, do transe.

Como eu falei pra Laisa, desta vez eu quero algo sério, e por mais que a bunda dele seja linda e bem-esculpida, eu não vou ceder agora. Ao menos ele respeitou a minha vontade, não tentou me pressionar nem enfiou a língua direto na minha boca, como certos playboys fizeram.

Eu preciso me sentir pior comigo mesmo ao repetir como o Lucas foi escroto e me beijou à força. Isso vem corroendo minhas entranhas nas últimas horas, e não vai ser legal se eu vomitar o que está guardado, na frente do João — e meu refluxo avisa que não é só no sentido figurado.

— Vamos com calma, ok? Se rolar, teremos o resto da noite pra isso.

— Tudo bem. — ele assentiu ao meu pedido, com um sorriso doce e largo que eu passaria horas observando. Nós caminhamos um pouco em direção a um banquinho de concreto e sentamos — Não pareço bem um ilusionista, né? O terno de casamento do papai era o único que tinha jogado lá em casa.

— Eu também peguei o terno do meu pai! — eu afirmei com mais entusiasmo do que o necessário, pra tentar fazer uma conexão surgir.

Sei que não estou no melhor estado, mas trabalho com o que tenho. Quando falei, ele me olhou dos pés à cabeça, como se tivesse prestado mais atenção em mim que às minhas roupas. Isso é bem fofo... Encarou meus terno e calça azul-escuros, o sapato social combinando e o meu cabelo — passei uma montanha de gel no caminho, por precaução.

Enfim, fitou no fundo dos meus olhos. Senti meu rosto esquentar e imaginei como ele conseguia fazer isso comigo, mas um ventiladorzinho soprou minhas nuvens de pensamento e eu continuei.

— Eu peguei escondido, mas tudo bem. Eu, o terno e meu pai, dois dos três vão sobreviver a isso. — sério? É a melhor piada que eu consigo contar? Mudança de assunto de emergência! — Seu pai te deixa usar esse terno, sem problemas?

— Eu não preciso bem da permissão dele. — o moreno falou, e seu rosto sorridente agora passava um pouco de melancolia. Aposto que fiz uma cara idiota de confusão. Já ele, inclinou a coluna pra frente e apoiou os cotovelos nas coxas, entrelaçando as mãos como se brincasse com seus dedos, até explicar propriamente. — É que ele morreu, já faz um tempo...

— Sinto muito. — tentei quebrar o climão da maneira mais clichê. Segurei suas mãos pra parar seu tique e entrelacei seus dedos com os meus... Até sentir algo melecado e frio em sua palma — Sem querer ser insensível, mas é melhor lavar as mãos. Se isso não for gel de cabelo, é bem possível que seja o cocô de pombo que estava no meu ombro...

Eu sei mais do que ninguém que muita merda pode acontecer em pouco tempo. Mas nem mesmo eu poderia prever tanto cocô, no sentido mais puro da palavra, sem nem um intervalo pra processar todas as informações.

Aquele encontro estava afundando mais rápido que o Leonardo DiCaprio em Titanic. Mas tinha bastante espaço pra ele na tábua, Rose!

Até um encontro com Satã — ou com o Lucas, não tem muita diferença — daria mais certo. E talvez tenha sido minha imaginação, mas eu podia jurar que vi um pombo no poste de frente à escola, saltitando e cantarolando um "pruuu" com animação, como se estivesse feliz.

...

Após lavarmos as mãos, um silêncio constrangedor envolveu o ambiente por alguns minutos — só a música eletrônica ao fundo impedia a quietude. Não sei se fico feliz ou chateado, nunca gostei muito de música eletrônica.

Nós até tentamos iniciar alguns assuntos, mas as respostas não iam além de "legal", "é", "verdade". Ao menos consegui tirar algumas lições desse acidente de bondinho chamado "encontro".

Falar da família nunca é uma boa; bruxos não deveriam namorar trouxas, muito menos se eu for o trouxa; pombos são seres malignos que festejam com o sofrimento humano; o beijo do Lucas dá um azar fodido.
Por fim, talvez o João nem quisesse mais me levar ao Subway — como eu sobreviveria à essa noite sem meu sanduíche de frango teriyaki?

Mas eu precisava me manter otimista. Sim, eu estava disposto a não me abalar e aguentar até o fim do show! Afinal, algo de bom aconteceria — precisava muito acontecer. A noite estava apenas começando, e com certeza o destino não me sacanearia a ponto de piorar a situação...

Tô confiando em você, destino! Sei que colocar o João na minha vida foi seu jeitinho de fazer as pazes, então não me ferra, só por hoje! Nunca pedi nada!

...

Na mesma praça e no mesmo banco, tomei coragem pra por um fim naquele desastre. Eu não sabia se terminaria bem ou mal, mas precisava tentar — e precisava de um banho de sal grosso, pra lavar o mau-olhado que o beijo do Lucas deixou na minha vida. Antes fosse herpes, hein?

— Olha, João... Desculpa por ter tocado no assunto do seu pai. Se eu soubesse, eu não...

— Para, Tomás. — ele me interrompeu, o que me fez engolir as palavras.

Eu me preparei pra jogar fora todo o papo de otimismo e esperança. Com certeza, eu desabaria na cama ao chegar em casa e passaria a madrugada me sentindo culpado por estragar a noite. Então, o Jota apenas me encarou com um olhar doce e segurou minhas mãos com carinho. Após dar um suspiro longo, como se estivesse buscando as palavras certas, ele prosseguiu.

— A culpa não é sua, você nem tinha como saber. — ele continuou, se aproximando mais de mim — É que eu ainda não me acostumei com o que aconteceu, eu... Ainda não sei lidar. Eu que peço desculpas por ter deixado um clima estranho.

Nossos joelhos tocando, as mãos entrelaçadas, e os olhares fixos. Nenhum de nós se atrevia a desviar o olhar, nenhum de nós queria. Eu experimentei a paz, de um jeito novo. O contrário do que o Lucas ou a halmoni me faziam passar.

— Você nem tinha como saber. — citei suas palavras, dando um sorriso de leve — Juro que esse vai ser o último pedido de desculpas, porque já ficou repetitivo, mas... Foi mal pelo cocô de pombo, eu deveria ter avisado.

Ele deu uma gargalhada sincera, o que me fez pensar que tudo poderia dar certo a partir dali, de verdade — e se não desse, eu ainda adoraria ter o João como amigo. Voltamos a sentar como pessoas normais no banquinho, e eu coloquei meu braço sobre seus ombros, puxando-o mais pra perto.

Queria que o João se sentisse acolhido e visse que estava tudo bem, como me fez sentir. Ele descansou a cabeça em meu ombro, com timidez, e depois segurou a minha mão livre. Nos calamos e aproveitamos o momento, sem ligar pras pessoas ou pra música alta, e o Tomásito até se comportou! Mas não durou muito.

— Fala, Jotaboy! — alguém veio em nossa direção, chamando o Jota aos berros com animação. Forcei meus olhos puxados, mas não consegui reconhecer quem, só sabia que aquela voz forte parecia bem familiar. Eu e o João nos separamos, e ficamos esperando a pessoa se aproximar — Tomás? O que você tá fazendo aqui?

— Lucas?!

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