— Com isso, terminamos as apresentações da noite! — a diretora anunciou pelos alto-falantes, ainda sem aparecer. A noite parecia não acabar, mas eu agradecia por estar mais perto de comer meu sandubão com o João — Em dez minutos, nossos juízes voltarão para anunciar o vencedor!
— Ah, tá de brincadeira! — pensei em voz alta, cansado por esperar ainda mais, o que fez com que toda a plateia na quadra me encarasse.
Na fileira do meio de simples cadeiras de plástico, eu não enxergava muito além das paredes azuis e o palco de madeira escura, só um pouco mais alto que o piso. Mas eu era alvo fácil pros olhares de julgamento, e a minha vergonha já estava em mais de oito mil!
Tentei apelar pro Lucas, sentado ao meu lado, mas ele nem fazia contato visual comigo. Apenas observava ao redor como se estivesse descobrindo o mundo agora, como se nem me conhecesse. Nem parece o mesmo cara que insistia em apertar minha coxa por todo o show, né?
— Tá de brincadeira que já vai acabar? Poxa, eu queria ver mais! — disfarcei, com medo de não colar. Pra minha sorte, todos começaram a sair da quadra aos poucos pra tomar um ar e pegar um lanche enquanto os juízes não voltavam. Ufa, acho que os convenci!
— Onde é que eu tô? — perguntou Lucas, que parecia bem grogue. Ele fazia pausas entre rir e beber seu milk-shake de morango, e eu me dei conta que aquele já era seu sétimo milk-shake. Será que eu deveria me preocupar com o tanto de açúcar que ele... Espera, os dentes dele estão coloridos? — Será que eu tô na Lagoinha, será que eu tô em um matagal?
...
— Não acredito que a "Fantabulosa Leticia e suas Pulgas Adestradas" ficaram em primeiro lugar! — exclamei frustrado, enquanto saíamos pelos portões após o fim do show. Algumas pessoas ao redor paravam antes de sair pra admirar o jardim, conversar ou comprar mais comida, mas o relógio marcava 20h e nós queríamos estar em outro lugar — Tá, aquelas pulgas foram maravilhosas dançando Beyoncé, mas você merecia ao menos o segundo lugar!
— Não faz mal, sério! — João respondeu com animação, ao tirar o terno e jogá-lo sobre o ombro. Ainda vestido com sua camisa social branca, a calça e sapatos, parte do conjunto do terno, ele continuou — Fazer o que eu gosto com uma plateia foi maravilhoso, e o que foram aqueles aplausos, cara? E mesmo sem ter ficado em primeiro, foi bom te ver na plateia...
— Milk-shake! — Lucas gritava agitado como uma criança, tentando voltar pra dentro. Mesmo com o rosto sujo por tantos milk-shakes, ele ainda tinha sede de açúcar. João e eu o seguramos para evitar maiores estragos, mas Lucas se acalmou e mudou de foco, saindo aos pulos atrás de um morcego — Batman!
— Digo, foi bom ver vocês dois na plateia! — ele se corrigiu, aumentando a voz em uma atuação péssima como se quisesse que mais alguém ouvisse, olhando de um lado pro outro, e finalizou piscando os olhos pra mim.
— Quê? — perguntei, sem entender aquela série de gestos estranhos.
Enquanto eu decifrava aqueles sinais, ainda me esforçava em conter um riso, pra ele não achar que eu estava zombando dele. Talvez eu estivesse, só um pouquinho! Quando viu que eu não havia entendido, repetiu os mesmos gestos até cansar e segurar um olho aberto enquanto piscava o outro.
Notando o que ele estava tentando fazer, eu me aproximei e sussurrei, rindo de leve com o esforço gigante que ele fez para dar uma piscada e mandar uma mensagem que não precisava ser oculta — o Lucas estava muito ocupado bancando o Coringa atrás do coitado do morcego.
— Você não sabe piscar com um olho só? Não era melhor usar outro sinal?
— Eu... — ele estufou o peito ao começar a frase, com uma postura confiante, o que me fez esperar um bom argumento ou defesa. Mas ele apenas bufou, envergonhado — Nem parei pra pensar nisso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mais um dia comum
Teen FictionTomás tenta tirar foto de um desconhecido no metrô. Mas como ele conseguirá lidar com flashes ligados, uma amiga superprotetora, um ex-namorado insistente e as confusões que isso pode render?