No amor, na matemática e na guerra, vale tudo

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Não preciso dizer que foi broxante ser pego aos amassos com o João pela dona Marisa e sua neta Charlotte — literalmente broxante. Isso tinha que acontecer logo depois de deixarmos o Lucas em casa, que não se contentou em ser só meu ex e ficar lokão com milk-shakes, precisava também ser o melhor amigo do João.

É tão surreal que parece uma fanfic, mas foi só minha noite estranha. Deu pra notar que o João também se sentia assim, já que nós não trocamos uma palavra pelo resto da viagem. Como poderíamos fazer alguma coisa se as duas moças sentadas à nossa frente pareciam esperar qualquer movimento shippável?

Não é por nada, mas essa família parece meio estranha...

Preferimos ficar só de mãos dadas, acariciando os dedos um do outro e esperando que elas achassem outra coisa pra prestar atenção — o trânsito, talvez? Talvez algum de nós quisesse arrancar os cintos de segurança e voltar pra sessão boca-a-boca, mas pra que citar nomes?

Minha mente ainda lutava pra processar tudo o que aconteceu em um só dia, enquanto eu esperava o carro virar uma abóbora e a Charlotte e a dona Marisa virarem ratinhos. Mas nada mais podia dar errado dali em diante — as merdas que tinham que acontecer, já aconteceram. Sim, eu tô falando do pombo.

Foi a noite mais estranha da minha vida, mas eu não trocaria aquilo por nada.

— É aqui que eu desço — quebrei o silêncio quando reconheci o poste sem lâmpada ao lado da minha casa, pela janela do carro, o que me tirou dos meus devaneios. Precisei afastar minha mão de João para tirar o cinto de segurança ao sentir o carro parar, e abri a porta ao meu lado.

— Espera, eu te acompanho! — quase caí na calçada quando João exclamou com exagero, como se botasse pra fora tudo o que não falou durante a viagem, mas me segurei na porta.

— Ok! — respondi com animação por poder ter mais um momento de privacidade com ele. Fui até a janela da frente, onde dona Marisa e Charlotte se entreolhavam e riam baixinho, mas decidi relevar — Obrigado pela carona!

João e eu andamos um pouco pela calçada até o portão branco e descascado, com o muro azul da minha casa ao redor. Eu estava torcendo pra não fazer barulho, já que eu não costumo chegar tão tarde em casa e não queria chamar a atenção dos meus pais. Com sorte, eles sairiam antes de eu acordar na manhã seguinte e eu escaparia do assunto.

— Então... — tentei quebrar o climão, já que eu não sabia como começar a conversa e ele deixava claro o nervosismo ao olhar pros lados a cada segundo —Noite meio doida, né? Mandem essa noite pro hospício!

Eu dei uma risada para acompanhar a piada, mas só estava rindo de nervoso, mesmo. Preciso parar de usar humor nessas situações, urgente. Agora ele está nervoso e eu estou nervoso para acalmar o nervosismo dele!

Ele se surpreendeu e parou o olhar no meu rosto... E acabou gargalhando, o que me fez relaxar e rir mais um pouco com ele. Pois é, parece que minhas piadas ruins acalmam paqueras nervosos. Quem diria?

— Então, o que você achou do b--... — ele se interrompeu, engasgando em pânico, como se tivesse se arrependido do que ia falar no último segundo, e logo se corrigiu — Do encontro... Hã, da noite, não foi um encontro. Foi um encontro?

— Foi um encontro, e eu gostei muito — respondi, o que o fez suspirar de alívio. Fui a sua direção com os braços abertos e demos um abraço de despedida. Quando nos separamos, olhei em seus olhos e aproximei nossos lábios de leve em um selinho rápido — Vamos nos ver de novo, outro dia! Boa noite!

— É gol! — Charlotte e dona Marisa deram um grito alto e animado do carro, seguido por um som alto e barulhento que parecia uma vuvuzela, o que me fez notar que elas estavam observando tudo. Não, a vergonha não é menor ao ser flagrado pela segunda vez.

Mais um dia comumOnde histórias criam vida. Descubra agora