TERÇA-FEIRA, 17h32m - CASA DA LAISA
— Conta do início! — Laisa pediu com animação, chacoalhando-me pelos ombros.
— Calma, criatura de Deus! — quando consegui me soltar, agarrei seus ombros e a remexi como ela fez comigo, exclamando pra aquietá-la.
A voz de Laisa continuava rasgada por causa da garganta inflamada, e sua confusão era bem óbvia, já que eu contei a história pela metade. Talvez contar do começo fosse melhor, mas eu não pensava nisso enquanto me recuperava do enjoo de tanto chacoalho.
Fomos à sua cama desarrumada, onde sentamos frente a frente e jogamos o edredom por cima das cabeças para fazer uma cabaninha — os outros achariam infantil, mas é um costume nosso, a cabaninha de edredom abriga nossas histórias. Observando a Laisa com atenção, notei o mesmo pijama que eu a vi usando mais cedo quando a visitei.
— Espera, há quanto tempo você não troca de roupa? Ou, sei lá, toma um banho?
— Cinco dias, acho. — ela respondeu com tanta naturalidade que parecia uma pergunta do dia-a-dia, mas logo me censurou ao relembrar a regra da cabaninha — Isso não sai daqui. O que é dito na cabaninha, fica na cabaninha.
— ...Só bebe esse xarope, vai fazer sua garganta melhorar. Aí eu conto tudo. — entreguei a ela a pequena garrafa que comprei na farmácia. Mesmo ainda tendo dúvidas, resolvi não perguntar mais nada para não me arrepender das respostas. Após ela tomar uma colher do remédio, voltamos para a cabaninha e eu pude começar.
...
MAIS CEDO, NAQUELE MESMO DIA - METRÔ
Com autoconfiança acumulada e uma coragem que eu nem sabia que tinha, apareci do nada no assento ao lado do desconhecido do metrô — se é o cara que eu nunca tinha visto na vida e tentei fotografar porque achei muito gato, mas o flash estava ligado? Sim, ele mesmo! — e cumprimentei-o com a animação de uma paquita da Xuxa.
— Oi!
— Oi. — ele respondeu com frieza, evitando olhar pro meu rosto. Parecia estranho, já que nos demos tão bem antes, mesmo sem trocar palavras. Eu não imaginava o que havia de errado, mas estava disposto a descobrir.
— Você parece chateado... — não me intimidei e insisti na conversa, pensando no que a velhinha k-popeira havia dito, como uma conversa pode resolver muitas coisas. Eu não decepcionaria aquela que disse que nos shippa, então perguntei — O que aconteceu?
— Sabe... — ele começou de cabeça baixa e os dedos das duas mãos entrelaçados, mas pausou a frase com um suspiro. Então, encarou no fundo da minha alma de um jeito assustador e começou uma explicação não muito agradável. — Quando um cara tira fotos suas sem que você saiba, você deduz que ele gosta de você ou que quer te mandar pra ser escravo em uma boate na Turquia. Eu apostei na primeira opção e quebrei a cara por isso, porque alguém não podia ligar ou falar que não tinha interesse.
Ouch. Indireta recebida, enviada pela voz jovial e profunda que eu nunca havia ouvido direito antes, mas me puxava mais pra perto dele e me fazia prestar atenção em cada palavra, por alguma razão que eu não sabia explicar. Quanto mais ele me fitava, seu rosto denunciava que ele não estava contente. Não mostrava raiva, era diferente, ele estava magoado. A culpa e a imagem do papel sendo jogado no lixo (em replay) quase dominaram meus pensamentos, mas eu não permiti e preferi focar em parecer intrigado.
— Espera, isso é porque eu não te liguei ontem?
— É. — ele retrucou, e cruzando os braços, tirou a vista do meu rosto para observar ao redor.
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Mais um dia comum
Teen FictionTomás tenta tirar foto de um desconhecido no metrô. Mas como ele conseguirá lidar com flashes ligados, uma amiga superprotetora, um ex-namorado insistente e as confusões que isso pode render?