Prólogo

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* Presente para o dia dos Namorados...


Santa Clara da Fé, Minas Gerais, 2006

Gael,

Seus gritos retumbavam em meus ouvidos, mesmo que agora o silêncio reinasse.

A porta do quarto se abriu e uma das doulas, que faziam o parto apareceu sorridente, como se aquele fosse o momento mais feliz de minha vida e anunciou.

- É uma menina! – Uma menina! Uma menina! Que merda isso agora. Além de um filho inesperado ainda era uma menina. Devia ser um menino e assim poderíamos correr pelos campos das fazendas montados aos alazões. De repente uma questão muito mais importante se passou por minha mente...

- É... – Como eu faria aquela pergunta sem constranger a mulher? E desde quando eu me preocupava com o que pensava pessoas que eram pagas para fazerem seu trabalho? – A Criança... É negra?

A velha senhora coçou a cabeça e deu um sorriso sem graça, confirmando minha suspeita.

- O senhor me perdoe... É que fazendo esse serviço, conhecemos muitas pessoas, e se estiver interessado, há pessoas dispostas a adotar crianças assim. – Assim? Perguntei-me mentalmente, me interessando em saber do que a mulher falava. Que tipo de crianças? Quem seriam essas pessoas.

- Explique-se melhor. – Me levantei para ouvi-la.

- Bom... Mulheres que não podem ter filhos. Famílias negras, ou até mesmo brancas que não se importariam com a cor ou algum tipo de anomalia que a criança tenha. Desde que sejam pais.

Nesse momento um choro ecoou pelo lugar e um arrepio percorreu meu corpo me fazendo ter nojo de mim mesmo por tais pensamentos terem se passado por minha mente. Então me dei conta de que deveria ter ouvido o choro antes.

- Algum problema com a criança?

- Não senhor. Chorava fraco a principio, mas agora deveria estar nos braços da mãe, mas como o senhor...

- Não! De forma alguma. – Passei pela mulher e fui pessoalmente ver se minhas ordens estavam sendo cumpridas.

Assim que atravessei a porta agradeci por ter chegado à tempo.

- Pare! – A outra mulher, estendia a criança para que a mãe a tomasse no colo.

- Gael, olhe para ela. Tem fome. – Tomei a menina de seus braços e a aconcheguei em meus braços.

- Não será seu leite sujo que a sustentará. – Suas lágrimas não me convenceriam. – E se prepare para partir.

- Mas senhor... Foram horas de parto. Essa mulher sequer pode se levantar em menos de duas horas. Precisa se recuperar.

- Gael, a viagem é de nove horas.

- Não me importa. – Olhei o relógio. – Tem três horas para estar longe daqui.

- Minha filha Gael. Deixe-me segurá-la nos braços ao menos uma vez.

- Três horas! – Virei às costas e saí.

Antes de descer o último degrau da escada, me deparei com Joana. Ela havia praticamente me criado e eu entregaria em suas mãos com a certeza de que sabia o que fazer. Mesmo que eu não tivesse mais certeza do que estivesse fazendo o correto.

- Gael meu filho... Esse não o menino que criei.

Ela tinha razão. Eu não era mais o mesmo Gael. E não foi por minha escolha. A vida e as pessoas haviam me feito crescer.

Não respondi à Joana. Apenas entreguei a criança e sai da casa.

Caminhei por algum tempo. O cheio de mato, o frescor dos campos me fazia pensar melhor.

Quando o sol se pôs tive certeza de que estava seguro e poderia voltar para casa.

- O que ainda faz aqui? – Não tive a intenção de ter praticamente gritado.

- Gael! – A Joana interveio. Ela teve uma hemorragia. Mal podia se levantar.

- Agora vejo que já pode. – Seu teatro não me comovia em nada. Estava firme em minha decisão.

- Gael! – Chorou. – A Joana me recriminava com o olhar, e saiu do quarto nos deixando sozinhos. – Gael, repense um pouco. É apenas um bebê. Precisa da mãe. Precisa se alimentar.

- O que não falta em uma fazenda é leite. Agora vá embora. E não volte nunca mais.

- Uma vez apenas! Deixe pegar a menina apenas uma vez em meus braços.

- A teve por nove meses no ventre. Isso foi o suficiente.

- Não! – Não adiantava chorar e se lamentar agora. Devia ter pensado nisso antes de se engravidar.

Enfiei a mão no bolso e retirei a carteira. Contei as notas e joguei sobre a cama. E a deixei no quarto me dirigindo ao quarto da criança para ter certeza de que ninguém passaria por cima de minhas ordens.

Depois de algum tempo ouvi a Joana tentando consolar a infeliz que insistia em querer permanecer ali até falar comigo novamente e ver a filha.

Não tinha noção do tamanho da complicação que havia me colocado trazendo essa criança ao mundo. E pior que ficar comigo, seria deixar a criança crescer ao seu lado.

Não! A criança não podia ter essa má sorte na vida.

O som do carro se afastando foi a certeza de que era uma miserável. Eu teria lutado até o fim para ficar com a criança. Desistiu cedo demais.

Olhei pela janela e ao ouvir aquela pequena vida resmungando no velho berço, desejei não estar ali.

- Não vai pegá-la? – Eu respeitava Joana como se fosse minha mãe. Ou melhor... Minha única mãe, porque minha verdadeira mãe nem mesmo cheguei a conhecer. – Acha justo filho fazer com que essa criança tenha a mesma vida amarga que teve. – Gargalhei.

- Que vida amarga Joana? Acaso leu as últimas manchetes? O jovem milionário do agronegócio! Se não me engano era isso.

- Não Gael. Não digo dessa vida. Digo sobre as dores de não ter sua mãe por perto.

- Nunca me fez falta. – Mesmo de costas eu podia sentir que Joana me recriminava. Ela acompanhou minhas tristezas e choros desde criança. Cada vez que na escola me acusavam de ser filho de chocadeira ou outras coisas que hoje até chego a sorrir. Mas quando criança essas ofensas não pareciam tão tolas.

- O bebê tem fome.

- Preciso sair. – Eu não tinha noção do que fazer naquele momento.

- Como assim sair?

- Saindo!

- Mas sua filha está chorando.

- Eu confio em você!

Saí do quarto com o coração nas mãos, mas saí! Devia tê-la deixado amamentar a criança, mas agora era tarde. E eu não voltaria atrás. 

DNA - Um lar para KarolyneOnde histórias criam vida. Descubra agora