Por hoje, o dia parece ter conspirado contra mim. A distribuição de currículos e a procura de uma vaga para varredor de rua foi um fracasso. E diante de tudo isso a única coisa que consigo fazer é cair na poltrona.
— E então? Conseguiu o emprego que eu havia lhe dito ontem? — Walter pergunta, bebericando seu café suavemente.
O mais interessante de Walter é que desde que eu o conheci nunca o vi beber algo que não fosse café. Jornais e café era o seu vício.
Torço o nariz.
— Um fracasso! — resmungo. — Foi definitivamente uma perda de tempo — digo passando a mão no rosto como se secasse um suor que nem sequer saia por meus poros.
Walter sorri, como se achasse graça na situação. Era sempre assim que Walter reagia diante de uma situação séria e delicada. Às vezes o invejo porque queria poder sorrir dessa forma, quando me vejo no fundo do poço. Mas infelizmente esse dom de sempre sorrir, mesmo nos momentos ruins, era apenas de Walter.
— Nos jornais estão anunciando que os Deh'Vil estão precisando de uma babá — comenta Walter de repente, cruzando suas pernas.
— Babá?! — pergunto, arqueando a sobrancelha, completamente feliz em ouvir tal coisa.
Aquilo simplesmente soou como música para os meus ouvidos e eu queria continuar ouvindo cada vez mais. Finalmente, desde que acordei essa manhã, uma notícia boa foi dita.
— Lenna, esse emprego não é para o seu bico! — ele diz indiferente, me olhando por cima dos óculos redondos.
— Por que não? — pergunto sem entender. — Pois, para mim, parece o emprego perfeito! — cruzo os braços.
Walter suspira, como se desaprovasse tudo o que eu havia dito.
— Aparentemente você nunca ouviu falar sobre os Deh'Vil, não é mesmo?
— ele pergunta, arqueando sua sobrancelha.
— Deh'Vil? — murmuro, levando a mão ao queixo. — Nunca ouvi falar — coço a cabeça enquanto me ajeitava corretamente na poltrona em que estava sentada.
— Como não conhece os Deh'Vil?! — Walter quase grita, espantado. — Todos dessa cidade conhecem a família Deh'Vil. Não existe um ser vivo que não conheça essa família.
— Nunca ouvi falar dessa família — torço o nariz. — Quem são eles, afinal? Gente famosa?
— Pois, bem! — Walter começa a dizer e aparentemente tinha muito para falar. — Os Deh'Vil não são pessoas famosas exatamente, mas muitos os conhecem, pois são a terceira família mais rica da cidade. Estão quase alcançando o segundo lugar. — Walter diz e eu permaneço o ouvindo em silêncio. — O Senhor Deh'Vil gosta de ser reservado, por isso a mansão fica bem longe da cidade e ninguém vê a família por essas bandas — ele soa misterioso. — É uma família estranha e muito refinada. São donos de uma empresa gigantesca de perfumes de luxo feitos pelas mãos do próprio Senhor Deh'Vil. Um homem de olfato de ouro e mãos de um deus. Seus perfumes são os mais vendidos em grandes países.
— E quem é o Senhor Deh'Vil? — pergunto, a fim de saber mais sobre a suposta família misteriosa.
Walter hesita por breves momentos.
— O Senhor Deh'Vil é um homem muito poderoso. Não sabemos muito sobre ele, apenas que ele é muito egoísta e cruel com as pessoas. — Walter pigarreia. — Dizem que ele odeia pessoas pobres. Por isso, não anda muito pela nossa cidade e prefere viver bem longe de pessoas como nós.
— Aparentemente ele é pai, não é mesmo? — pergunto, enrolando uma mecha de meu cabelo no dedo indicador. — A tirar pela busca de uma babá nos jornais.
— O Senhor Deh'Vil é pai de uma garotinha e casado com uma grande mulher: a senhora Deh'Vil — responde Walter. — O único vestígio que podemos ter da família Deh'Vil por esta cidade é o irmão do Senhor Deh'Vil; um homem que não vive preso por nada e ama festejar como ninguém. Está sempre presente em datas comemorativas.
— Não parece ser tão ruim assim — comento, mais para mim mesma do que para Walter.
— Mas, existe algo sobre o Senhor Deh'Vil que muitos dessa cidade ficam com uma pulga atrás da orelha. — Walter começa a dizer, passando suas gastas mãos sobre sua barba branca.
Pisco três vezes, curiosa, e sinto que Walter pode sentir a minha curiosidade exalando dos meus poros e subindo ao ar. Peço continuidade de sua parte, sem que precise dizer algo.
— Ninguém sabe o nome do Senhor Deh'Vil — ele diz e não evito me arrepiar.
Poderia até soar patético, mas um homem egoísta, misterioso e sem nome é típico de filmes sobrenaturais ou livros de vampiros.
— Como assim não sabem o nome dele? — pergunto, achando toda a situação estranha demais para acreditar.
Se fosse qualquer outra pessoa contando-me uma história como essa, poderia dizer que foi retirado de uma historinha infantil onde há um homem muito cruel e malvado que quer destruir o mundo. Mas não era uma pessoa qualquer, era Walter. O que significa que tudo o que ele havia dito até agora é verdade. E que nesta cidade existe um homem extremamente cruel e sem nome.
— Simplesmente ninguém sabe o nome dele. Por isso, todos o chamam e o conhecem como “O Senhor Deh'Vil” — Walter torce o nariz. — É como se o nome dele fosse apagado da história por muitos e muitos anos.
— Pois, bem! — começo a dizer, levantando-me da poltrona num pulo. —
Pouco me importa se esse “O poderoso Senhor Deh'Vil” é um homem cruel e misterioso — faço aspas com os dedos. — Tenho interesse no emprego e não posso perder essa oportunidade — completo, pegando o jornal das mãos de Walter.
Rasgo o número de telefone da mansão Deh'Vil e entrego novamente o jornal nas mãos dele, guardando no bolso o pedaço que me interessava.
— Tem certeza de que deseja fazer isso, Lenna? — Walter pergunta com um pouco de receio.
Dou de ombros.
— Sabe, Walter… — começo a dizer, colocando atrás da orelha uma mecha do meu cabelo. — Esse tal de Senhor Deh'Vil deve ser um velhote ranzinza, muito irritadinho — debocho. — Eu não posso perder essa oportunidade por nada — dou um ponto final no assunto, correndo em direção ao elevador.
Antes mesmo que as portas do elevador se fechem, posso ouvir Walter murmurar para si mesmo:
— Espero que saiba o que está fazendo.
***
Esse negócio de Senhor Deh'Vil é coisa de gente velha — penso comigo mesma, enquanto segurava o pedaço de jornal com o número de telefone da mansão Deh'Vil, tentando me decidir se ligava ou não. Aperto o telefone em minhas mãos, pensando em tudo o que Walter havia me dito sobre a família Deh'Vil. Me pergunto se é uma boa ideia.
Deixo de lado todas as perguntas sem respostas e começo a digitar atentamente os números que mostravam no pedaço do jornal, sem errar um número sequer. Não evito engolir em seco quando ouço o telefone começar a chamar.
De repente, e para a minha surpresa, alguém atende o telefone. Minha garganta seca, formando-se um nó e meus olhos parecem querer pular para fora.
— Mansão Deh'Vil, com quem falo? — uma voz suave de meia-idade soa do outro lado da linha.
— Eu… E-eu… — tento procurar palavras para dizer, mas foi em vão. Não esperava que eles realmente fossem atender.
Saio da linha por um momento e respiro fundo, tentando manter o foco e a calma dentro de mim. Até mesmo parecia uma fã esquizofrênica falando com seu ídolo. Será que é a esposa do Senhor Deh'Vil?
— Eu gostaria de falar com a senhora Deh'Vil — tento manter o foco em meu tom de voz, tentando transparecer o mais confiante possíve — Ela está? — pergunto.
— Só um minuto — pede a mulher, educadamente.
Suspiro de alívio, feliz por ter conseguido falar com um membro da mansão Deh'Vil.
— Sim? — uma voz extremamente feminina e segura diz do outro lado da linha.
— Hã? Olá! — começo a dizer, imaginando ser a senhora Deh'Vil. — Eu me chamo Lenna. Lenna Agnella…
— Ora! Por favor, senhorita Agnella… — posso ouvi-la suspirar do outro lado da linha, como se estivesse entediada. — Chegue logo ao ponto!
Não evito engolir em seco após ouvir o que havia acabado de escutar.
Respiro fundo, esquecendo a ignorância da senhora Deh'Vil.
— Vi o anúncio no jornal sobre estarem à procura de uma babá… — comento. — Eu trabalhei de babá quase a minha vida inteira e… — ela me interrompe.
— Ah, finalmente! — ela diz de repente. — É tão bom ouvir isso! Seja lá quem você for, por favor, esteja aqui amanhã de manhã.
Acabo por me engasgar. Já?
— Espere eu… E-eu não sei onde vocês moram — digo, com um tom um tanto que desesperador.
Foi tudo rápido demais para que eu conseguisse captar.
— Pegue um papel e uma caneta para escrever o endereço imediatamente — ela ordena, me colocando pressão.
Me sobressalto, apressada à procura de um papel e uma caneta urgentemente, como se minha vida dependesse daquilo e talvez realmente dependesse. Assim que encontro um papel e uma caneta, anoto tudo o que ela me diz com um sorriso no rosto que era impossível disfarçar.
— E lembre-se... — ela começa a dizer. — Quero que esteja aqui amanhã de manhã às sete horas em PONTO! — ela parece ser bem clara quanto ao horário. — Para que possamos nos conhecer melhor e chegar a um acordo.
— Sim, senhora! — concordo eufórica. — Ma-mas a entrevista de emprego? — pergunto, arqueando uma sobrancelha enquanto tomava uma expressão séria.
— Entrevista de emprego? — ela gargalha do outro lado da linha, como se eu acabasse de contar a piada do ano. — Não há tempo para entrevista de emprego, querida. Temos pressa para arranjar uma babá o mais rápido possível. Agora se me der a sua licença, tenho mais o que fazer. Até amanhã, Senhorita Agnella! — ela dá um ponto final bem explícito no assunto e sinto um certo ar rude em seu tom de voz.
— Até amanh… — ela desliga o telefone antes mesmo que eu terminasse de me despedir.
Não sabia se pulava de alegria ou se temia por pensar na hipótese de trabalhar para a família mais temida dessa cidade.
— Foi bem mais fácil do que pensei — deixo de lado o telefone, jogando no lixo o pedaço de jornal que já não seria mais útil para mim.
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Diabo - Saga Deh'Vil I [DEGUSTAÇÃO]
Romance2° EDIÇÃO ~Sinopse~ Em Beller, há rumores de uma família misteriosa, arrogante e nojenta, que vivem confinados numa mansão em um morro acima da pequena cidade, cercados por centenas de pinheiros. O grande Senhor Deh'Vil, como a população c...