Capítulo XI

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        Está quase na metade do dia. Fecho o livro que estava lendo e salto da cama. Não é como se tivesse coisas muito interessantes para fazer dentro dessa mansão, então optei por ler pela vigésima vez o meu livro favorito que trouxe com minhas roupas.
        O estômago ronca alto e tenho a impressão de que o som melancólico ecoou por toda a extensão do corredor. Saio do meu quarto e percebo que tudo está mais calmo. Não há empregados frenéticos correndo como loucos para lá e para cá, o que me deixa aliviada.
        Desço as escadas do hall e sigo em direção à cozinha, que sabia muito bem onde ficava, pensando e repensando no que colocar no meu sanduíche. A porta está entreaberta e de lá ouço vozes.
        — Penso que irão terminar em divórcio — diz uma voz feminina.
        — Esse casamento é uma farsa. Acredito que não irão se divorciar. A empresa precisa dessa união, esqueceu? — diz outra voz.
        Estalo os lábios. Me aproximo da porta entreaberta e passo meu rosto pela fresta, observando a cozinha. Há exatamente três cozinheiras. Uma negra, uma rechonchuda e uma coreana de olhos puxados.
        — Isso não passa de boatos! Não acredito que isso seja verdade — diz a rechonchuda, fazendo bolinhos de massa com as mãos. — Casamento por contrato? Me poupe! Isso só acontece em livros de romance.
        — De certa forma, concordo com ela — protesta a coreana, que limpava os armários. — Ninguém conhece o passado deles, muito menos do Senhor
Deh'Vil — ela diz e não evito levar as mãos a boca quando esse nome é soado. — Mas ainda assim é estranho — diz a negra, cortando alguns legumes.
        Ela tem agilidade nas mãos e isso me impressiona mais que a conversa que estão tendo.
        — Não acho estranho — comenta a coreana. — Eles estão casados há muito tempo é normal o desejo esfriar.
        — Não é apenas as brigas… — diz a negra. — Ele… Ele fez de novo — ela cochicha, como se as paredes tivessem ouvidos.
        A coreana e a rechonchuda param com o que faziam imediatamente e pulam como gatos curiosos sobre a negra, que não para com o que fazia.
        — Ele saiu do quarto de novo? — pergunta a rechonchuda.
        — Que horas? — pergunta a coreana.
        Sinto que estou prestes a fazer uma pergunta também.
        — Às duas da madrugada — diz a negra e todas arqueiam uma sobrancelha.
        — Talvez tenha ido para o quarto da esposa — diz a coreana, voltando aos seus afazeres.
        — Mas… Se for para sair do quarto para ir até o quarto da esposa somente para fazer sexo… Então, por que eles não dormem juntos? — pergunta a negra, mais para si mesma do que para as outras.
        Não evito arquear uma sobrancelha. O Senhor Deh'Vil e Eleanor não dormem juntos no mesmo quarto? Que tipo de marido e mulher eles são, afinal?
        — Me pergunto qual foi a última vez que dormiram juntos — suspira a rechonchuda.
        — Não suportaria um marido assim — diz a coreana.
        — Acredito que a senhora Eleanor não se importa com a ausência de carinho do marido. Acredito que ela se importa apenas com a fortuna — diz a rechonchuda. — Aliás, ela é linda! Acha mesmo que não tem outros homens?
        — Acho que não — diz a negra, com o dedo indicador no queixo, referindo-se ao que a rechonchuda havia dito. — Eleanor sempre foi podre de rica antes de se casar com o Senhor Deh'Vil. E até onde sei, era ele quem estava falido. Acredito que quem seja ambicioso nessa história toda seja o próprio Senhor Deh'Vil — completa e todas pensam no caso, inclusive eu.
        Senhor Deh'Vil falido? O olhando tão refinado e confiante de si não parece que um dia ele já foi pobre.
        — A verdade é que apenas supomos. Jamais saberemos o que realmente há dentro dessa casa — diz a coreana. — Exceto o que foi noticiado nos jornais de dois anos atrás. 
        — Gostaria de ter uma bolinha de cristal e saber de tudo — diz a rechonchuda, debruçando sobre a mesa cheia de legumes. Tão dramático!
        — A única empregada que sabe de tudo dentro dessa casa é Sali — diz a coreana.
        — Ou finge que sabe — comenta a rechonchuda, rindo.
        — Ela trabalha para a família Deh'Vil há anos — comenta a negra. — Desde quando os pais do Senhor Deh'Vil eram vivos. Ela sempre esteve aqui.
        Não duvido que realmente saiba.
        A rechonchuda e a coreana reviram os olhos.
        — Melhor voltarmos ao trabalho — diz a negra, voltando ao seu afazer.
        Estou de olhos estatelados e minha mente repete a conversa das cozinheiras fofoqueiras como um disco furado. Talvez tudo não passe de fofoca de cozinheiras que não tem nada melhor para fazer e levantam boatos sobre o próprio chefe, que também é meu chefe.
        Balanço minha cabeça em negativo, me levantando do chão, que nem sequer sabia que estava sentada, e me retiro do local.
        Uma empregada vem trazendo uma bandeja de frutas. Frutas de verdade. Aparentemente seu destino é a cozinha.
       .Passo por ela e pego uma maçã, ela não protesta, apenas continua com o seu caminho. Mordo a maçã suculenta e deixo meu estômago se deliciar com ela. Os empregados abrem a enorme porta principal para que eu pudesse sair.
        Talvez algum dia eu me acostume com pessoas fazendo de tudo para mim.
        — Pois não, Lenna? — diz Borges, colocando seus óculos escuros.
        Estou feliz que ele me chamou de Lenna e não de senhorita Lenna.
        — Dayse. Precisamos buscar Dayse na escola — digo sorrindo para o motorista.
        No trajeto até a escola de Dayse, fico pensando e repensando sobre a conversa das cozinheiras. Uma parte de mim quer que eu esqueça porque são apenas fofocas, mas a outra parte deseja investigar e saber sempre mais. Definitivamente tudo nessa família é cheio de mistérios. A mansão tem mistérios. Uma garotinha que usa luva apenas em uma mão, um pai misterioso e arrogante que aparentemente não consegue dormir durante a noite, uma mulher podre de rica disposta a ajudar alguém falido com casamentos e contratos e, ainda por cima, marido e mulher que não dormem juntos como marido e mulher. Filha que tem pesadelos constantes durante a noite. Regra sem sentido e um desejo imenso de pisar. Uma criança que não parece criança. A verdade é… quanto mais sei, mais quero saber.

Diabo - Saga Deh'Vil I [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora