Capítulo IV

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        Despedidas são ruins. Foi difícil dizer adeus para as pessoas que eu mais amei quando me vi com dezoito anos, capaz de seguir minha vida por conta própria. Com Walter não foi diferente. Quando saí do orfanato e vim parar nesse condomínio, Walter foi mais que amigo. Ele foi pai. Foi minha única família e a única pessoa com quem pude contar. E deixar de vê-lo tomando café e lendo seus jornais todas as manhãs será difícil. Mas preciso.
        Está muito cedo, o sol nem sequer começou a raiar no céu e já me vejo dentro de um carro sendo levada para a mansão.
        Durante o trajeto até à mansão Deh'Vil, procuro focar em meu atual trabalho. Procuro imaginar como a filha do Senhor Deh'Vil possa ser. Talvez tenha cabelos negros como os do pai ou loiros como os de sua mãe. Quem sabe seus olhos sejam castanhos, como os do pai ou verdes como os de sua mãe. Talvez ela tenha puxado muito mais para o papai, talvez para a mamãe. Apenas espero que a garotinha não tenha a arrogância dos dois.
        Depois de um bom tempo em pista, sinto o carro frear, espantando-me dos meus próprios devaneios. Agora, observando melhor, sem a ansiedade me devorando por completo, vejo que a mansão é completamente coberta por enormes pinheiros. Os jardineiros zelam das rosas no jardim e cuidam das águas dos chafarizes. O jardim e a floresta me transmitem uma energia muito boa, menos a mansão cinzenta com aparência melancólica. Até mesmo parece que estou em um filme de vampiros. Há um chafariz enorme que me chama a atenção. O chafariz mostra uma mulher nua com um vaso sobre os ombros, enquanto desse o vaso caia um fio de água sem parar. Em volta do chafariz há muitas rosas-vermelhas. É definitivamente enorme.
        Levo minhas mãos para abrir a porta do carro, porém ela se abre sozinha e percebo que Borges a abriu para mim.
        — Senhorita — ele diz seriamente, esperando que eu saísse do carro.
        — Obrigada! — agradeço, saindo do mesmo.
        Será que terei pessoas prontas para fazer tudo para mim dentro desta mansão? Abrir portas de carro, pegar casacos, colocar sapatos, pentear os cabelos e preparar meu banho? Só de pensar nessa hipótese já quero simplesmente ir embora daqui.
        Borges retira as malas do porta-malas do carro e, logo em seguida, o fecha. Levo minhas mãos para pegar uma de minhas malas, porém a mão de Borges a pega primeiro, levando todas as minhas malas, que sofri para arrastar até o elevador, com uma facilidade sobrenatural. Abro a boca para protestar algo, mas ele já está longe demais.
        — Me espera! — digo, mais para mim mesma do que para ele que já estava subindo as escadas em direção à porta principal, me deixando para trás.
        Adentramos a mansão e está tudo em perfeito estado. Nada mudou de ontem para hoje. Nenhum detalhe. O que eu esperava, afinal? Que pessoas ricas estão constantemente mudando os móveis da casa como se trocasse de roupas?
        — Senhorita Lenna — ouço uma voz feminina dizer meu nome e percebo que é uma empregada baixinha e rechonchuda. — Prazer em te conhecer, me chamo Bel e estou aqui para apresentar o seu quarto. — Ela sorri meiga. Até mesmo parecia um robô.
        Borges deixa no chão minhas malas e, então, se retira sem dizer mais nada.
        — Por favor, me acompanhe! — ela diz, pegando minhas malas, fazendo exatamente o que Borges havia feito comigo minutos atrás. Mas desta vez nossas mãos se tocam. — Senhorita Lenna, deixe que eu mesma levo suas malas até seu quarto — ela parece temer alguma coisa, mas sorri para disfarçar.
        Abro a boca para dizer algo, mas logo a fecho e opto por simplesmente acompanhar a empregada até o segundo andar.
        Subimos a enorme escada de mármore e começamos a seguir um grande corredor cheio de portas de madeira escura e vermelha. Com tantas portas assim, como irei saber qual delas será o meu quarto? Empregados passam para lá e para cá, outros carregam vasos enormes de plantas, alguns limpam os lustres de vidro que estavam a palmos longe um do outro e outros apenas aspiram a poeira do enorme tapete vermelho por toda a extensão do imenso corredor. Todos eles parecem fazer isso com um sorriso no rosto que pega de orelha a orelha.
        A rechonchuda empregada Bel para de frente a uma porta específica e abre a mesma, se colocando em posição como se esperasse que eu adentrasse o cômodo. Dou o meu primeiro passo para dentro do mesmo e sinto meu chão faltar. Tudo ali dentro era lindo e impecável. Tudo ali dentro era rosa. Até mesmo parecia um quarto de boneca.
        Uma cama gigantesca com acolchoado que variam de rosa, lilás e branco. Cortinas que cobriam portas de vidro que davam diretamente para uma pequena varanda e uma vista espetacular para a floresta de pinheiro. O guarda-roupa branco combinava muito bem com o abajur delicado ao lado da cama e com o tapete felpudo que cobria quase toda a extensão do quarto. Então, era para isso que o Senhor Deh'Vil havia perguntado minha cor favorita? Como foi capaz de decorar tudo em menos de um dia?
        — Esse é meu quarto? — pergunto, sem acreditar.
        — Sim, senhorita — ela diz, assentindo positivamente com a cabeça. — O Senhor Deh'Vil pediu para que deixássemos tudo no seu gosto. Espero que tenha lhe agradado.
        — Está magnífico, obrigada! — sorrio fraco, admirando o teto.
        — Deseja algo para beber? — ela pergunta, colocando as mãos para trás.
        — Não, obrigada — digo, balançando minha cabeça em negativo.
        — Como quiser, senhorita — ela sorri meiga. Parece muito com um robô.
        — Irei dizer ao Senhor Deh'Vil que a senhorita já se encontra acomodada.
        — Por favor, Bel, pode me chamar apenas de Lenna — peço.
        — Como quiser, Lenna — ela dá os últimos comprimentos e, então, se retira do quarto.
        Assim que a empregada se retira, mapeio meu quarto. Passo os olhos sobre ele, olhando detalhes que não havia notado até então. A penteadeira tem um banco muito macio e uma coleção de coisas que variam de pincéis, maquiagem e escovas de cabelos de todos os tipos. Todos com um cheirinho de novo. Adentro uma porta branca e me deparo com um banheiro. Banheiro este ainda mais lindo que o próprio quarto. Com um chuveiro enorme e uma banheira de porcelana com pés dourados. Não me admiro se esses pés forem de ouro. Sobre a pia do banheiro há uma escova de dente cor-de-rosa com detalhes lilás, nova em folha, pronta para ser usada por mim. Há toalhas brancas com detalhes dourados, e nelas estão escritos “Deh'Vil”. Tudo nessa casa tem sua marca própria e isso me assusta.
        Me retiro do banheiro e me jogo sobre a cama gigante. Minha coluna agradece ao sentir a maciez dela. Há exatamente quatro travesseiros enormes e dois cobertores. Um grosso, muito quentinho e o outro bem fininho e fresco.
        Como se eu fosse usar tudo isso.
        — Vejo que já está bem acomodada, não é mesmo, criança? — ouço alguém perguntar e dou um pulo de gato de repente.
        Rapidamente levo meus olhos à porta e posso ver a imagem do Senhor Deh'Vil me olhando de forma tediosa. Estou vermelha nesse momento e me sinto patética diante dos seus olhos.
        Ele revira os olhos e, então, dá um passo para dentro do meu quarto.
        — Apenas queria deixar seu uniforme de trabalho — ele diz, estendendo-me um cabide com um uniforme embalado e bem protegido de qualquer poeira. — Assim sendo, você não irá usar essas… — ele faz um gesto com a mão e uma breve expressão de nojo, observando minhas roupas coloridas. — Coisas — completa, ajeitando sua gravata depois que peguei o cabide de suas mãos. — O seu primeiro trabalho de hoje será buscar Dayse no colégio. Como única babá desta casa você terá que ajudá-la no dever de casa, levá-la para o colégio, buscá-la do colégio, garantir a sua segurança e, principalmente, garantir que os pesadelos dela durante a noite não se torne constantes e demorados. Se ouvi-la gritar, corra para acordá-la — ele parece bem claro em questão aos pesadelos da filha. Não evito engolir em seco. — Por sorte, você poderá ser a única babá a conseguir ficar nesta casa — ele diz, indiferente, se retirando do quarto sem dizer mais nada.
        Toda essa situação soa misteriosa. Se eu não soubesse que vampiros existe somente na fantasia, diria que eles são vampiros realmente.
        Levo meus olhos ao uniforme que a partir de agora irei vestir diariamente. Retiro sua embalagem e faço careta com a cor cinza do vestido. O uniforme tem exatamente um vestido rodado de comprimento considerável, com mangas até os cotovelos e um laço sobre a cintura. Também há uma pequena gravata cinza patética e vem com um par de sapatilhas também cinza. O vestido contém um pequeno e minúsculo detalhe em linha branca ao lado do peito direito: Deh'Vil, é o que está escrito ali.
        Sinceramente dizendo, não estou acostumada a usar uma cor tão morta. Gosto muito mais das roupas coloridas que uso. Cinza é tão sem vida, sem graça.
        Cinza é completamente morto. Diferente de coloridos que são mais alegres.

Diabo - Saga Deh'Vil I [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora