Estou fascinada! Há um enorme lustre no teto de madeira que ilumina a enorme mesa da sala de jantar. As paredes são bem desenhadas e em cada canto há um enorme vaso de plantas. Fico me perguntando se são naturais. Se não forem, parecem muito reais. A mesa é completamente de vidro bem cristalino e no meio dela há um pequeno vaso com rosas-amarelas. Há pratos de porcelana em cada acento e uma taça para cada prato. Para cobrir as enormes janelas, que aparentemente nunca são abertas, há cortinas vermelho vinho por toda a extensão da sala de jantar. Parece um castelo. Tudo aqui é bem refinado e com um bom gosto exótico. Imagino que o decorador dessa casa seja bem estudado.
Está de noite. Um cheiro bom de chuva invade minhas narinas, o que me faz ter certeza de que esta noite irá chover. Chover muito.
— Por favor, criança, sente-se logo — ouço alguém dizer, assim que sons de passos ecoa pela sala de jantar.
É o homem sem nome. Ele anda até uma cadeira na ponta da mesa e se senta na mesma, ajeitando sua gravata brevemente. Ele sempre está de terno e gravata. E nunca é o mesmo terno e gravata. Fico imaginando como deve ser o seu guarda-roupa.
É interessante como cada movimento seu é bem delicado e preciso. É tão refinado que nem sequer parece ser real, como se ele tivesse confiança em cada movimento seu.
Puxo uma cadeira aleatória e me sento, me ajeitando na mesma. É macia e tem detalhes de madeira. Estou parecendo patética por ficar por tanto tempo admirando a beleza dessa mansão. O Senhor Deh'Vil batuca seus dedos sobre a mesa. Aparentemente estávamos esperando alguém.
Passo meus olhos sobre ele. É interessante como, sem brisa alguma, seus cabelos se mexem, jogados sobre seu rosto pálido. Estalo os lábios e o som ecoa pelo cômodo. Que constrangedor, estar sentada numa mesa com o Senhor Deh'Vil sem dizer uma palavra sequer!
Meus ombros pesam quando sinto seus olhos em mim. Ele parece entediado e me usa como uma distração para o seu tédio, o que me deixa frustrada. A chuva começou. Posso ouvir o som dela, baixo e abafado, que vem lá de fora, e as cortinas vermelho vinho não conseguem esconder os clarões dos raios que cortam o céu. Vez ou outra, os clarões iluminam os olhos do Senhor Deh'Vil, que não os tira de mim. O ouço estalar os lábios.
— Acredita em Deus, Lenna? — ele pergunta de repente, chamando a minha atenção.
Paro de beliscar minha cutícula, que nem sequer sabia que estava beliscando, deixando minha total atenção no Senhor Deh'Vil. Ele está observando meu crucifixo pendurado em meu pescoço. Levo minha mão ao mesmo, como se o protegesse do homem mau.
— Sim. Eu acredito em Deus — digo, sorrindo fraco.
Ele, por sua vez, nenhuma expressão demonstra.
— E você? — pergunto, quebrando o silêncio que reinou por alguns segundos.
Ele parece pensar antes de responder algo e seu maxilar perfeitamente bem desenhado se contrai.
— Um dia acreditei em Deus — responde de forma fria e seca. — É bom que saiba que eu não gosto que ensine ou ore por ele dentro dessa casa.
Balanço minha cabeça em positivo, concordando sem protestar. A verdade é que não havia nada para responder ao que o Senhor Deh'Vil havia dito. Ele não acredita em Deus. O homem sem nome é ateu e proíbe que todos falem sobre Deus dentro da casa, e é isso que importa. Não é como se orações fossem me fazer falta. Desde que saí do orfanato nunca mais orei, mas continuei devota a Deus. A questão é: o Senhor Deh’Vil sente raiva de Deus?
Volto a observar o cômodo distraidamente sem dizer mais nada.
— Gostou? — o ouço perguntar, deixando de batucar seus dedos sobre a mesa.
Com os cotovelos apoiados sobre a mesa, ele encosta o queixo sobre sua mão. Levo meus olhos a ele.
— A mansão tem um ar… exótico — digo, após estalar os lábios. — O decorador é ótimo! — acrescento.
— Eu decorei a mansão — ele diz, se gabando.
Não evito arquear uma de minhas sobrancelhas pelo erro que cometi.
— Sou um colecionador — ele termina. — Decorar a mansão ao meu gosto foi um privilégio — ele leva uma mecha de seu cabelo para detrás de sua orelha e uma mecha branca acaba por cair sobre seus olhos.
Após tempos de espera, Dayse adentra a sala de jantar, vestida em um vestido cor-de-rosa de rendas e seus braços branquelos estão a mostra. Usa sapatilhas cor-de-rosa e sua luva de renda em sua mão direita também é cor-de-rosa. A mesa de jantar é muito maior que ela, mas Dayse não poupa esforços para se sentar à mesa. Em seguida, ouço passos de saltos se aproximar da sala de jantar. É a senhora Eleanor. Está terrivelmente magnífica em seu vestido amarelo e seus cabelos estão presos em um coque. Ela se senta na outra ponta da mesa de jantar, de frente para o Senhor Deh'Vil que a olha com tédio. Na verdade, ele sempre está com esse olhar tedioso nos olhos. Como se tudo ao seu redor fosse insignificante demais para ele.
— Senhor Deh'Vil, podemos servir o jantar agora? — pergunta uma empregada, quase sussurrando. É possível ver nitidamente o medo que ela sente de seu chefe.
— Sim — ele responde seco e a empregada se retira após assentir positivamente com a cabeça.
Não demora muito e uma fila de empregados adentram a sala de jantar com várias bandejas prateadas em mãos, com direito a variados pratos diferentes. No mesmo instante em que eles deixam sobre a mesa as bandejas e as abrem, quatro empregados nos servem. É estranho ver que todos fazem tudo para você, que não precisamos fazer esforços para absolutamente nada, pois há empregados prontos para pegar seu casaco, te servir, te limpar e te poupar de visitas indesejadas.
Levo meus olhos ao prato e não evito me sentir ofendida. Meu prato está cheio, enquanto o prato dos demais à mesa está razoável. Os empregados me acham muito magra?
Pego o garfo e a faca e os observo comer. Tento fazer os mesmos movimentos para garantir que não irei fazer nada de errado.
Comer com esse silêncio devasto me tira o apetite. Por muito tempo jantei em meu apartamento completamente sozinha e nenhum constrangimento se compara a esse. Há quatro pessoas nessa mesa e nenhuma delas, incluindo eu, se atreve a dizer uma palavra. Aparentemente todos estão ocupados demais em terminar o prato que começou.
— O que deseja beber, senhorita? — um empregado pergunta, segurando uma jarra com um líquido alaranjado.
Mapeio a mesa e vejo três jarras, fora a que está nas mãos do empregado. Há uma jarra com um líquido vermelho, que acredito ser suco de morango, outro com um líquido esverdeado, que acredito ser suco de limão e outro tem um líquido roxo, que acredito ser suco de uva. Estalo os lábios.
— Laranja — digo, sorrindo.
O empregado sorri de volta e me serve, despejando o líquido numa taça cristalina a minha frente.
— Ensley não irá jantar conosco, querido? — pergunta a senhora Eleanor após limpar os lábios com o guardanapo.
— Ele irá jantar uma mulher em algum privê por aí — ele diz e não evito dar uma leve engasgada.
A senhora Eleanor dá uma leve arqueada na sobrancelha e, então, volta a comer, sem dizer mais nada ao Senhor Deh'Vil sobre o Ensley, que acredito ser o irmão do Senhor Deh'Vil.
— Dayse, deixe de enrolar — diz o Senhor Deh'Vil, cheio de paciência.
Levo meus olhos a Dayse e só então percebo que ela deu poucas garfadas em seu prato.
— Não sinto fome — ela diz, quase como um sussurro.
— Dayse, querida, faça o que seu pai pediu — diz Eleanor, olhando de forma confortante para a garotinha. — Você não come desde ontem…
— Você não manda em mim — Dayse diz, indiferente e calma.
Estou apenas a observar. Não irei interferir na discussão.
— Ela é sua mãe, Dayse! — o Senhor Deh'Vil diz, batendo com os punhos sobre a mesa após deixar de lado o garfo e a faca.
Dayse balbuciou o que me parece ser um sorriso.
— Ela não é minha mãe. Só você quer viver preso nesse mundinho falso! — Dayse bate de frente com o próprio pai. Os dois estão rosnando um para o outro.
Estou cortando meu bife acebolado com tanto desespero que a faca escapa do prato. Tudo acontece em câmera mega e ultra lenta. No meio de toda aquela confusão sem fim, meu bife acebolado voa pela mesa majestosamente, passando por cima das jarras e das bandejas de comida. Em minha mente, enquanto todos assistem o bife voar para o alto, de fundo há uma ópera muito dramática.
Ploft! É o som que faz com que toda a gritaria dentro daquela sala de jantar acabe. O bife desliza lentamente sobre o rosto pálido do Senhor Deh'Vil. Meus ombros murcham quando sua expressão de raiva é revelada. Novamente uma nuvem escura carregada de chuva e raios surge sobre sua cabeça. Sua sombra sobre mim parece maior, mais escura e me cobre por completo. Mordo o lábio numa tentativa vã de conter o meu medo. O bife cai sobre seu prato de forma tão pesada que mais parecia um tijolo e ainda há uma cebola em seu rosto cheio de comida.
Me levanto da mesa num pulo e pego o primeiro guardanapo que vejo pela frente.
— Me perdoe, Senhor Deh'Vil! Me perdoe! — quase suplico seu perdão, enquanto levava minhas mãos cheias de guardanapos para limpar o seu rosto.
Sem querer, acabo por bater com força meu quadril na mesa, fazendo com que a taça de suco simplesmente emborcasse sobre o terno do Senhor Deh'Vil, que estava terrivelmente limpo segundos atrás. Agora está um desastre.
— Ops! — é tudo o que sai dos meus lábios.
Nesse exato momento, um raio corta o céu e ilumina o rosto furioso e cheio de gordura do Senhor Deh'Vil, e o trovão que o acompanhou estremeceu o chão, o que deu ao Senhor Deh'Vil um ar ainda mais melancólico e furioso. Até parece um vilão de filmes de terror.
Todos estão em silêncio, apenas observando a situação constrangedora. Levo meus olhos ao chão como se fosse a coisa mais interessante daquele local. A verdade é que eu não queria olhar diretamente para os olhos furiosos do Senhor Deh'Vil.
De forma rude, ele pega os guardanapos de minhas mãos e se retira a passadas pesadas da sala de jantar. O silêncio reina no cômodo e ainda posso ouvir o som estrondoso de uma porta sendo batida com todas as forças, o que me faz dar um pulinho, assustada. Na verdade, todos deram um breve pulinho.
— Pois, bem! Perdi o apetite — comenta a senhora Eleanor, se retirando da sala de jantar.
— Eu não estava com fome — diz Dayse, se retirando logo em seguida.
E agora resta apenas eu, sozinha com meu desastre e os empregados em posição, agindo como se nada tivesse acontecido.
— Pelo menos a discussão acabou, não é mesmo? — pergunto dando de ombros, sorrindo fraco.
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Diabo - Saga Deh'Vil I [DEGUSTAÇÃO]
Romansa2° EDIÇÃO ~Sinopse~ Em Beller, há rumores de uma família misteriosa, arrogante e nojenta, que vivem confinados numa mansão em um morro acima da pequena cidade, cercados por centenas de pinheiros. O grande Senhor Deh'Vil, como a população c...