Capítulo V

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        Ando pelo corredor, ouvindo o som dos meus passos que vinham da sapatilha nova. O uniforme de trabalho cai perfeitamente em meu corpo, como se fosse feito exatamente na minha medida. Como se fosse feito exatamente para mim. A gravata, o vestido e as sapatilhas cinzas. Ainda assim, mesmo que fosse sem a permissão do meu atual patrão, opto por colocar minhas meias de joaninha, apenas para usar algo que esteja no meu gosto, não apenas cinza. Se eu disser que o cinza do meu uniforme e o vermelho e preto de minha meia de joaninha caiu perfeitamente, estarei mentindo descaradamente, pois ficou ridículo.
        Dobro alguns corredores, fitando meus próprios pés. Era legal e engraçado vê-los se movendo sobre o vermelho daquele tapete. Sei que estou parecendo louca sorrindo sozinha sem olhar para onde estou indo.
        De repente, e para a minha surpresa, sinto meu corpo se chocar brevemente com outro. Percebo que meus pés estão trêmulos quando vejo, a frente dos mesmos, pés com par de sapatos brilhantes e muito luxuosos. Meu corpo gela. Penso que conheço esse par de sapatos de algum lugar. Um aroma amadeirado enche minhas narinas e dessa vez tenho certeza que me esbarrei sem querer no Senhor Deh'Vil; o vampiro sem nome dos filmes de terror capaz de assustar criancinhas. Aos poucos levanto meus olhos ao rosto da pessoa cujo havia me esbarrado e ele está me olhando seriamente nos olhos. Sua sombra me cobre por completo e uma tempestade de raios e trovoadas está acontecendo sobre sua cabeça nesse exato momento. Parece irritado. De repente, ele range os dentes e seu queixo se contrai. Eu sei porque ele está irritado. É porque estou pisando em cima do seu pé por muitos segundos. Seu olhar de fúria me causa medo. Muito medo. Me causa arrepios. Muito arrepio. Me causa um gélido frio na espinha. Muito gélido.
        Engulo em seco e, então, me afasto, dando um alívio para seus pés que parece não ter sentido o meu o esmagando.
        O Senhor Deh'Vil não diz nada, apenas ajeita sua gravata. Ele leva suas mãos ao bolso de sua calça social que combinava perfeitamente com seu terno.
        Ele me avalia da cabeça aos pés e sua expressão muda quando para em minhas meias de joaninha.
        — Essas meias são ridículas — ele está sério, meio enojado. — Combina muito com você, criança — ele ri irônico. 
        — Eu… — estou vermelha, pois meu rosto arde.
        Para ser sincera, estou me sentindo envergonhada com o que ele dissera. E sinto raiva por ter me chamado de criança mais uma vez.
        — Eu gosto muito das meias que uso — digo, passando minha mão sobre meu ombro direito, desviando meus olhos para qualquer lugar que não fosse os olhos vidrantes do homem em minha frente.
        — E esse cabelo? — ele pergunta, dando um passo em minha direção. — Deveriam estar presos, não soltos — ele resmunga.
        — Me desculpe, eu… eu não sabia — tento me explicar, porém ele apenas me vira pelos ombros, me ignorando.
        Ele retira rapidamente a fita cinza da minha cintura e amarra meus cabelos com ela, em um rabo de cavalo que ficou bem preso num laço perfeitamente bem feito.
        — Não me importo com suas desculpas, criança — ele me vira novamente e posso me ver no reflexo dos seus olhos castanhos. Estarei sendo patética se disser que gostei de como ficou o laço em minha cabeça? — Mas sim com os seus serviços. É hora de buscar Dayse na escola — ele está apertando as pontinhas dos meus cabelos nas pontas de seus dedos.
        Ele cheira as pontas dos meus cabelos e não consigo ficar sem corar com seu ato tão repentino. Ele está mesmo cheirando meu cabelo? Por quê?!
        — Ei! — puxo meus cabelos de suas mãos rapidamente. — O que está fazendo?!
Ele faz careta, se afastando de mim.
        — Argh! — ele resmunga, passando as mãos em seu nariz perfeitamente bem modelado e empinado. — Por favor, agora você mora nesta casa e é a minha funcionária e babá da minha filha, o mínimo que pode fazer é lavar os cabelos para não ficar com esse fedor — ele diz, arrogante e, então, se retira da minha frente, seguindo seu caminho pelo corredor enorme.
        Estou paralisada, sem uma resposta em mente para lhe dar antes que ele desapareça das minhas vistas. Ele disse que estou fedida? Estou terrivelmente frustrada agora e desacreditada no que acabei de ouvir.
        Procuro ignorar o que acabara de acontecer e sigo em direção à escada do hall, ainda admirando a beleza exótica da mansão. Passo brevemente meus olhos sobre o corredor do outro lado da mansão e fico imaginando o quanto ainda há para explorar.
        Ando pelo jardim e vejo vários carros pretos à minha disposição. Opto por seguir em direção ao único motorista que conhecia, mesmo que fosse há pouco tempo. Ao me ver, Borges abre a porta do carro para mim sem dizer nada, como se já soubesse o que eu estava pensando.
        Coloco o cinto de segurança e Borges adentra o carro, ligando o automóvel.
        — Onde deseja ir, senhorita? — ele pergunta, de uma forma um tanto robótica.
        — Irei buscar Dayse do colégio — digo e ele assente com a cabeça.
        Beller é uma cidade pequena, aparentemente, mas o trajeto até a escola da pequena Dayse é longe e um pouco demorado. Seu colégio é ainda mais exótico que a casa onde ela vive e que agora, ironicamente, eu também. Uma escola de vários andares e um parque bem zelado. Então, colégio particular é assim? Não há muita diferença de escolas públicas.
        Com os olhos, tento procurar quem possa ser Dayse Deh'Vil. Descarto todas as crianças que estão por ali, cruzando as ruas, nenhuma delas parece ser a filha do grande e poderoso Senhor Deh'Vil. Todas parecem muito comum.
        De repente, e para a minha surpresa, dou um pulo de gato quando ouço a porta do carro se abrir ao meu lado. Estava concentrada demais tentando adivinhar quem era a filha do Senhor Deh'Vil que logo ela adentra o carro sem que eu percebesse que ela havia se aproximado do mesmo. 
        Ela fecha a porta logo em seguida e coloca seu cinto de segurança, me ignorando. Seus cabelos eram lisos, bem curtos e loiros como ouro. Seus olhos eram do mais gelo azul que eu já havia visto antes e em teus lábios há uma pequena cicatriz quase invisível. Tão invisível que fico a me perguntar se realmente há uma cicatriz ali ou se eu não imaginei coisas. Ela está vestindo o uniforme da escola que varia de preto e azul forte e em sua mão direita há uma luva branca de renda e laço. Mas não há luva em sua não esquerda, o que a torna misteriosa de certa forma.
        Ela não parece se importar com a minha presença e sequer pergunta quem sou eu. Então, opto por começar uma conversa.
        — Olá! Me chamo Lenna, sou a sua nova babá — sorrio. Ela continua fitando com atenção o trajeto até sua casa. — Você deve ser Dayse, não é mesmo? — pergunto, tentando fluir algum assunto. Mas fui um fracasso.
        A menininha me olha com um olhar tedioso como se dissesse em silêncio:
que eu saiba meu pai não tem outro filho e eu não estou dentro desse carro pegando uma carona.
        — Que maneira chata de começar um assunto com uma criança — sussurro para mim mesma, me sentindo patética.
        Odeio admitir, mas infelizmente os olhos de Dayse são tão irônicos quanto os olhos de seu pai.
        — Sim, sou eu — ela responde, após minutos em um silêncio constrangedor. — Pensei que isso fosse óbvio para você — ela completa, séria.
        Parece sem vontade de sorrir.
        — Prazer em conhecer você, Dayse — sorrio meiga. — Posso te chamar de Yse? — pergunto.
Ela revira os olhos e isso me impressiona.
        — Um apelido patético. Por favor, me chame pelo nome — ela quase súplica e já entendi que o apelido fofinho foi um fracasso também.
        Suspiro, levando meus olhos à paisagem que passava pela janela. Aparentemente tenho uma pequena criança adulta para cuidar. Somente de olhar para o seu rostinho bonito e entediado, sei que isso não será nada fácil.

Diabo - Saga Deh'Vil I [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora