Rolo para lá e rolo para cá. Bato em meus travesseiros acolá. Fecho meus olhos e imagino coisas que nem eu mesma sei dizer o que seja, apenas para obrigar o sono a vir. Meu estômago protesta roncando alto e eu quase urro de fome. Nesse momento, estou chorando pelo bife acebolado que desperdicei jogando no Senhor Deh'Vil. Daria tudo por um sanduíche bem suculento nesse momento e uma boa noite de descanso não seria má ideia.
Meu estômago protesta novamente, como se lesse meus pensamentos e falasse comigo por isso.
— Tá bom! Tá bom! — digo, saltando da cama como um gato muito esperto.
Ando em direção a porta e a abro colocando minha cabeça para fora do quarto. Olho para a direita e para a esquerda do corredor e não há um ser vivo que esteja acordado em plena três horas da madrugada. Saio do quarto, fechando a porta atrás de mim logo em seguida. Estou me sentindo uma fugitiva pisando na pontinha dos pés. Não é como se minhas pantufas de jacaré fossem emitir algum som.
Ando a passos apressados pelo corredor e desço as escadas do hall. Olho para a minha direita e vejo a porta da sala de jantar, olho a minha esquerda e vejo outro corredor e outra porta enorme. Decido seguir à minha esquerda, na esperança de que em breve fosse encontrar a cozinha. Meu caminho está sendo iluminado pelos relâmpagos que cortam o céu lá fora. Ainda chove e os trovões são altos às vezes. Isso me assusta. Tempestades são tenebrosas.
Abro uma porta aqui e outra ali, já ficando frustrada por não encontrar o cômodo que queria. O espaço diante da minha visão se abre e posso ver um balcão de mármore cheio de frutas aparentemente suculentas. Mas eram tão leves que mais parecia isopor, o que me levava a crer que não eram de verdade. Logo atrás do balcão há uma porta enorme. Ando até a mesma e, ao abrir, meus olhos brilham. Há exatamente três geladeiras de duas portas cada, dois fogões enormes, uma mesa embutida de inox e uma porta branca que imagino ser a dispensa. Tudo dentro dessa cozinha varia de cinza e branco. A cozinha também é gelada.
Ando até as geladeiras enormes e abro-as para vasculhar o que dentro delas tinha. Uma das geladeiras continha apenas frutas e legumes. A outra continha apenas doces e a outra tinha bebidas e tudo que eu precisava para a minha refeição. Pego os ingredientes necessários para fazer um bom sanduíche e os coloco sobre a mesa. Preparando aquilo que iria acabar com a minha fome e me deixar dormir. Não poupo colocar ingredientes e deixo meu sanduíche enorme, equivalente a uns dois sanduíches em um só. Pego o maior copo dali e vasculho a geladeira de bebidas, procurando algo bom para acompanhar. Opto por um suco de limão.
Me sento no chão ao pé da mesa, onde pudesse comer escondido, e devoro meu sanduíche com ferocidade. Tudo estava em silêncio até então. Apenas a chuva suave caia lá fora e, vez ou outra, trovões rugiam. Nada que me assustasse ou fizesse o chão estremecer. Porém, ouço um breve som agudo vindo do outro lado da cozinha. Imediatamente paro de comer meu sanduíche e tento não fazer barulho. O som está mais alto. Deixo o prato com o que resta do meu sanduíche de lado e engatinho abaixada para ver o que estava acontecendo.
— Invasor! — quase grito, mas tapo minha boca com as mãos.
Engoli o pedaço de sanduíche que ainda estava em minha boca e o mesmo está seco. O invasor está todo de preto e muito molhado. Abriu a janela da cozinha e está tentando adentrar a casa. Continuo onde estou, ouvindo a janela se fechar. Minhas pernas tremem e meus dentes parecem bater uns nos outros, tamanho o meu medo nesse exato momento.
Olho para um lado e para o outro, não há nada com o que eu possa me defender a não ser o prato e o copo onde estava fazendo minha refeição até agora a pouco, antes de ser interrompida. Sem pensar duas vezes, pego o prato, jogando no chão o que sobrou do sanduíche. Prendo a respiração, ouvindo seus passos próximo à mesa de inox. Seus sapatos estão encharcados de água, o que faz com que seus pés façam sons assustadores.
Arregalo os olhos e sinto como se eles fossem pular para fora de meu crânio quando vejo a ponta dos seus pés ao meu lado. Não me dou ao trabalho de olhar para cima e ver quem é o invasor, apenas me levanto num pulo, gritando com todas as forças que minha garganta pudesse exercer e dando-lhe uma pratada na cabeça.
Sinto que o prato vira farelos em minhas mãos e que o invasor está de costas para mim com as mãos sobre a cabeça, urrando de dor. Aproveito a minha chance para fugir da cozinha e pedir ajuda antes que seja tarde demais.
— QUEM VOCÊ PENSA QUE É?! — o invasor grita, correndo atrás de mim.
— INVASOR! — berro hall afora. — INVASOR!
Ouço os passos ligeiros do invasor atrás de mim. Olho por cima dos ombros para ver a que distância ele estava, mas nada vejo e, quando volto minha visão a minha frente, sinto meu corpo se chocar com força em outro corpo. Caio de bunda no chão, sentindo minha cabeça girar. Abro meus olhos rapidamente, temendo ser o invasor, mas meus ombros murcham quando vejo o Senhor Deh'Vil. A princípio não sei se agradeço por ele estar aqui ou se corro para os braços do invasor e peço para ele me proteger do Senhor Deh'Vil.
Ele está parado a minha frente, me olhando seriamente nos olhos. Ele está vestindo uma calça moletom cinza-escuro e uma blusa muito folgada na cor branca. Ele está descalço, seus cabelos estão um ninho e um lado do seu rosto está amassado. Ele desvia seus olhos do meu rosto apavorado e desce os mesmos para o que eu estava vestindo. Ele faz cara feia ao ver meu pijama azul bebê com desenhos que variam de cachorrinhos fofinhos, casinhas e ossinhos de cachorro. Ele revira os olhos ao ver minhas pantufas de jacaré.
— Pelos deuses, que treco é esse que você está vestindo? — ele diz, arqueando uma sobrancelha.
Abro minha boca para respondê-lo feio pelo insulto que acaba de cometer contra o meu pijama favorito, mas opto por engatinhar para trás dele quando vejo o invasor atrás de mim.
— Sua… — o invasor diz, molhado como um cachorro depois de dormir fora de casa.
— Primeiro: o que diabos está acontecendo aqui?! — o Senhor Deh'Vil bate com os pés no chão e quero urgentemente ficar atrás do invasor agora.
— Ela me bateu com um prato na cabeça! — diz ele, apontando para mim.
O Senhor Deh'Vil gargalha. Não evito crispar os olhos. Há um invasor diante dos seus olhos e ele gargalha? Que tipo de gente é ele, afinal?
— Disse que se chegasse tarde não iria entrar nessa casa — o Senhor Deh'Vil diz, cerrando os punhos.
Bato com a mão na testa. Aparentemente acabei de bater com um prato na cabeça do irmão do meu chefe.
— Pelo jeito seus seguranças são um lixo — diz Ensley, debochado. — Ela é um segurança também?
Ele retira sua jaqueta, que parecia ser de couro, e a torce, deixando a água escorrer pelo chão do hall que estava limpo e seco.
Os empregados estão todos na escada do hall, observando o acontecido. Não havia percebido que havia tantos deles assim. Ensley, irmão do Senhor Deh'Vil, sobe as escadas do hall de forma calma e serena, deixando seu irmão resmungando sozinho.
— E quanto a você… — de repente, sinto um puxão de orelha me levantar para cima. Não foi nada que doesse, mas não consegui evitar a careta de medo. — O que pensa que estava fazendo perambulando pela casa como se estivesse em seu habitat natural? — ele pergunta, me olhando com fúria nos olhos.
Não evito dar um sorriso breve e descontraído para ele, arqueando uma sobrancelha enquanto dava de ombros.
— Sanduíche?! — minha resposta sai como um fio de voz dos meus lábios.
O Senhor Deh'Vil bufa de raiva e me puxa escada acima pela orelha. Minha pele se arrepia devido sua mão tão gelada tocando minha pele. Os empregados dão espaço para que ele pudesse passar e, consequentemente, eu também.
— O QUE ESTÃO OLHANDO?! — ele grita e os empregados dão pulinhos iguais, completamente assustados. — ALGUÉM LIMPA AQUELA SUJEIRA! — ele ordena e logo os empregados começam a correr para lá e para cá como pinguins aglomerados.
O Senhor Deh'Vil continua me puxando pela pontinha da orelha corredor afora e quando chega em meu quarto, ele simplesmente abre a porta e me joga para dentro do cômodo. Ele aponta o seu dedo indicador em minha direção, me olhando com fúria nos olhos. Ainda não sei o que fiz de errado.
— Nunca mais saia desse quarto durante a noite — ele diz, sério.
— Apenas estava com fome! — digo, resmungando. Não entendia o motivo da sua raiva.
— DA PRÓXIMA VEZ COMA O ABAJUR! MAS NÃO SAIA DO QUARTO
DE NOITE! — ele grita e acabo por dar um pulo, assustada. — Se há uma regra que você precisa seguir dentro dessa casa, sua tola, — ele começa a dizer, mais calmo depois de perceber que explodiu à toa — é que durante a noite todos são proibidos de sair de seus quartos, inclusive você.
— Por quê?… — pergunto e tenho dúvidas se ele conseguiu me ouvir.
— Não te devo respostas de nada, criança.
Ele se retira do cômodo e bate a porta do quarto com força. Com tanta força que penso que em algum lugar dessa mansão um quadro caiu no chão.
Não movo um músculo sequer. Estou paralisada e minha orelha arde. Ao menos meu estômago parou de roncar e agora posso ter uma boa noite de sono.
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Diabo - Saga Deh'Vil I [DEGUSTAÇÃO]
Romance2° EDIÇÃO ~Sinopse~ Em Beller, há rumores de uma família misteriosa, arrogante e nojenta, que vivem confinados numa mansão em um morro acima da pequena cidade, cercados por centenas de pinheiros. O grande Senhor Deh'Vil, como a população c...