Segundos

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Nasci perfeita: um bebê lindo e completo, amada, esperada e planejada. Pais amorosos.

Tive uma infância de verdade, brincando com os amiguinhos na rua. Não havia nada para me preocupar e nem pensava que havia um mundo inteiro fora dali, daquela travessa cheia de asfalto esburacado e lama.

Foi ali ainda que meu mundo começou a mudar e o bebê perfeito foi descobrindo que a realidade é crua.

Nadine tinha dúvidas quanto ao que revelar da sua personagem nas primeiras páginas. Nem mesmo sabia como era sua personagem. Melhor deixar que ela mesma fosse tomando vida à medida em que fosse escrevendo. Esse negócio todo de estrutura narrativa é muito complicado.

Mirou o branco do teclado e decidiu que estava com fome. Abriu a geladeira, olhou, olhou e continuou olhando insatisfeita. Nada interessante às vistas. Preguiça de ir ao supermercado - mas, pensando bem, era a oportunidade perfeita para quebrar o tédio e sair de casa.

Num apartamento tão moderno, com tantos CDs, DVDs, livros, TV a cabo e, principalmente, chuveiro quente, Nadine se sentia muito confortável e protegida. A verdade é que quando a solidão batia sempre dava para fazer valer o telefone, convocar os amigos e ver outras paragens ou apelar para a Internet mesmo.

Mas supermercado também é legal: aquela coisa de ficar escolhendo o sabonete glicerinado com melhor perfume, olhar as calorias da lasanha congelada e o preço da cerveja, enquanto dá uma olhada no rapaz indeciso entre as marcas de macarrão instantâneo. Ou a senhora que comprava batatas escolhendo-as cuidadosamente.

Numa cidade assim tão grande há sempre a felicidade de saber que existem vários serviços 24 horas, sem falar nos deliveries da vida. Segundos de felicidade instantânea.

Nadine pensou que seria interessante pôr a sua personagem num lugar assim.

Aprendendo a voarWhere stories live. Discover now