Como tudo começou | Visão de Natália

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Era uma tarde chuvosa de sexta-feira, e o que eu mais queria mesmo era tomar um café e me mergulhar em lágrimas enquanto lia meu livro favorito. Mas lá estava eu, saindo correndo em prantos da escola, e ao invés de ser um dia especialmente feliz na minha vida, foi na verdade o dia mais humilhante de todos os tempos.

Sim, eu perdi aulas ao sair correndo da portaria. Mas isso não importa. Eu havia chegado 7:10 da manhã, com um dos meus looks prediletos : um cropped de lã branco, uma saia rodada preta, minha meia-calça preta com bolinhas pretas, minha botinha marrom e, é claro, batom vinho. E ainda por cima estava com tranças! Eu nunca faço tranças. Só em dias especiais, como deveria ter sido hoje. Mas foi totalmente um fracasso.

Era aniversário de namoro entre eu e o William, que claramente se pode ver que era o meu namorado. Eu estava totalmente animada e saltitante, e todos os meus amigos se lembraram só de ver meu rosto se explodindo de felicidade. Nós íamos fazer uma surpresa para o William, já que ele estava viajando para Nova Iorque e voltaria no intervalo, e minhas amigas me fizeram o favor de mentir para ele dizendo que eu faltaria hoje, porque eu estava "doente". Até aí ok. Tudo estava ótimo, e não nos preocupamos com a vinda da chuva, porque o pátio é coberto.

Mas, como tudo que é bom dura pouco, ele não chegou com uma companhia tão agradável. Eu havia me escondido em um lugar em que dava para ver o pátio todo e um pouco da portaria. Quando o William chegou... bem, eu quase tive um infarto. A "companhia desagradável" era uma garota! E outra : eles estavam de mãos dadas! Essa garota não tinha nada haver comigo : ela era uma branca bronzeada, com um cabelo liso e castanho escuro, com olhos azuis as bochechas levemente rosadas. Resumindo : ela parecia uma boneca. Até mesmo o corpo dela era perfeito : quadril na medida certa, barriga tanquinho, seria digna de ser a capa de uma revista famosa. Sim, eu fiquei com inveja, e por um momento pensei que era uma prima ou amiga dele, mas depois descartei essa ideia quando eles se beijaram em um campo de visão perfeito para eu ver mais detalhes do que queria. Meus amigos estavam em choque.

Eu saí do meu esconderijo e fui batendo os pés e segurando as lágrimas até chegar a eles.

--- O que está acontecendo aqui? Você realmente está me traindo, William? Eu não acredito... --- E depois disso, algumas lágrimas escaparam dos meus olhos.

Por um momento, percebi que ele se surpreendeu comigo, mas depois voltou ao normal :

--- Humpf, e daí? --- William deu uma gargalhada --- Você sempre foi trouxa, chata e minha nova namorada é muito mais bonita do que você. Enganar foi muito fácil...

E a "nova namorada" do William deu uma risadinha :

--- Tenho pena de você... --- Ela tentou fazer uma cara de tristeza --- Tão bobinha... deveria saber que nenhum cara quer ficar com uma garota magricela e feia como você. E pelo que William disse, também é chata, ciumenta...

Redirecionei meu olhar para o William, explodindo de raiva, agora parecia que as lágrimas eram ácidas por causa do ardor dos meus olhos :

--- Porque não me avisou antes? Porque não disse tudo na minha cara em outro dia, em outra hora? Ah é, você não se lembra que hoje é o nosso aniversário de namoro...

--- Eu gosto de te enganar, pelo menos assim parece que você fica mais bonitinha --- Ele disse, e depois caiu em mais uma onda de gargalhadas, e eu não aguentei. Olhei em volta. Não só meus amigos estavam me olhando, mas a escola inteira! Até os funcionários estavam me zombando. Eu sentia como se estivesse perdida no mundo, eu só queria desaparecer naquele momento. Eu senti meu rosto ficar avermelhado. Olhei novamente para o William e aquela garota, e eles estavam se beijando, provavelmente para me provocar. As risadas parecia ficar em segundo plano e eu agarrei minha mochila e corri. Corri bastante. Corri em prantos.

E fui direto para minha cafeteria favorita, e pedi um donut e um café. Sentei-me em uma mesa e agarrei meu livro. Mas ele não me confortou tanto : era de romance. Ao invés de me acalmar, eu chorava mais a cada frase que lia. Então fechei o livro e olhei em volta : O café tinha cara de biblioteca, com muitas prateleiras, e tudo havia muitos detalhes. Senti um olhar se vidrando em mim por um momento e olhei toda a cafeteria de um jeito mais discreto para descobrir quem me observava. Era um garoto até que bonitinho, com um moletom amarelo, jeans surrados e um boné preto e branco estampado com o tema de algum livro ou série que eu conhecia, mas não reconhecia no momento. Me encolhi um pouco quando eu vi que esse menino estava vindo em minha direção, e desviei o olhar.

--- Bom dia... --- Disse ele, e percebi que estava com um pouco de cheiro de cigarro --- Gostaria de um doce? Só um real.

Eu apontei para meu donut e disse :

--- Claramente não, se estou em uma cafeteria que obviamente vende doces e eu estou comendo um deles.

--- Nossa, que grosseria, hein! Só ofereci... --- Disse aquele garoto, sentando-se na cadeira á minha frente.

--- Hum... você pode se retirar? --- Falei, tentando ser educada.

--- Na verdade, eu não queria. --- Ele respondeu.

--- Você fuma? Porque sério, não quero mais pessoas tóxicas na minha vida, de um jeito ou de outro. --- Eu disse, tentando empurrar minha cadeira para trás.

--- Ah, você está se preocupando com isso? Bom, eu não fumo, mas meus amigos sim, e muito.

--- Por acaso você faz parte de uma turminha de "bad-boys"? --- Perguntei, meu ajeitando na cadeira, vai que ele iria querer me roubar ou zombar de mim e jogar uma xícara de café na minha cara? Pensei em várias possibilidades, aliás, a sorte não anda muito do meu lado.

--- Os piores. Mas estou pensando em sair, só queria chamar atenção dos meus pais. Eu nem gosto deles, e muito menos dessa cidade! --- Ele respondeu.

--- ... Você não é daqui?... --- Perguntei, e pensei que era por isso que era bonito. O William também não havia nascido na cidade onde mora, que fica no interior. Mas depois veio á minha cabeça : eu sou a única garota de fora e que mora aqui que não é bonita, impressionante...

--- Sim, eu vim do sul. Estou aqui desde o começo do ano. Vou ser transferido e em agosto vou entrar na escola. --- Ele respondeu, parecendo desconfortável, e colocou seu boné na mesa. Me veio á mente que hoje é o último dia de aula e eu vou ser lembrada até agosto pela minha humilhação pública. Olhei para o boné. E percebi que era do Harry Potter, ou seja, ele gostava de HARRY POTTER! Se ele não cheirasse a cigarro e não fosse um desconhecido e sim um amigo meu eu o abraçaria naquele momento com toda a força possível.

Peguei meu celular e o liguei. Havia mais de 10 chamadas perdidas, todas dos meus amigos. E já estava muito mais tarde do que eu pensava! Eu precisava voltar para casa. Mas antes...

--- Hum... qual é o seu nome? --- Perguntei para o garoto.

--- Eu me chamo Caio --- O Caio disse isso e logo em seguida me deu um papel com um número --- aqui está meu número, madame.

--- Brigada... talvez eu fale com você em algum momento... Meu nome é Natália --- Falei, me levantando e guardando meus livros.

--- Ah, e porquê você estava chorando? --- Ele perguntou, se levantando também.

--- Nada demais... --- Eu o respondi e saí rapidamente da cafeteria, rumo à minha casa. Quando cheguei em casa, fui direto para o meu quarto e pensei "Agora vou ter um pouco de paz...". E mergulhei em uma onda de lágrimas que caíam incansavelmente dos meus olhos, até cair no sono.







De Repente { HISTÓRIA COMPLETA }Onde histórias criam vida. Descubra agora