3. atheism

983 95 70
                                    

Dallas:

— Cameron — Taylor me puxou pelo ombro quando eu estava prestes a entrar pelo portão da escola

— Hey, qual foi?

— Festa na casa do Luke, às onze da noite, nessa sexta — Taylor me entregou o convite verde florescente, sorrindo malicioso — Você vai né?

— Onde você já viu eu perder uma festa do Luke? — Eu retribui o sorriso para o moreno

— Isso aí, bro — Ele sorriu, logo desviando seu olhar para algo atrás de mim — Aquele ali não é o menino da aposta?

— Que? — Me virei, vendo Shawn sentado sozinho em um dos bancos do refeitório, olhando fixamente pra mesa a sua frente, provavelmente pensando em alguma coisa — É, é ele sim. Vou lá se não se importar, te vejo depois — Sorri malicioso

— Cara, se eu fosse você cancelava essa aposta, isso ainda vai dar merda

— Shiu Taylor, se você for um bom amigo, eu deixo você fazer aquela tatuagem que você sempre sonhou, que tal? — Os olhos do moreno brilharam

— Ok, só não diga que eu não avisei — Taylor deu de ombros e saiu pelo portão, provavelmente pra fumar. Deixando-me sozinho com Shawn

— O que você está fazendo aqui? Shawnzinho? — Disse, me aproximando dele, e me sentando do seu lado — A aula só começa daqui a 20 minutos

— Não me chame de Shawnzinho, por favor — Shawn murmurou — Meu pai teve algumas complicações na igreja hoje, por isso me trouxe mais cedo

— Como quiser — Dei de ombros — Seu pai é mesmo o pastor Manuel Mendes?

— Sim — Shawn me respondeu com as sobrancelhas arqueadas — Algum problema?

— Ele não te ensinou que Deus castiga quem falar com pessoas "endiabradas"? — Eu perguntei sorrindo ironicamente

— Eu não acho que você seja endiabrado. Tirando essas tatuagens, você é um humano, assim como todos nós. Deus mandou amar o próximo como a si mesmo — Ele disse simples, sem olhar pra mim — E foi você que falou comigo de qualquer forma, eu estava apenas sendo educado

— Que mais crentes pensem assim como você, amém — Fiz sinal de rendição e ignorei sua última resposta, conseguindo pelo menos arrancar um sorriso dele

— Qual o motivo que levou você a ser ateu? — Shawn disse de repente, depois de alguns minutos em silêncio. Seus olhos estavam cravados no chão, provavelmente vergonha, eu ainda não o conhecia direito

— Talvez o motivo de eu não acreditar em Deus? Duh — Respondi em tom de deboche, o fazendo bufar e revirar os olhos

— Não, tolo. Quero entender o que fez você acreditar que não há razão para você está aqui, que existe um Deus que comanda tudo isso, que criou o universo e que consequentemente te criou?

— Todo mundo me pergunta isso, mas ok, lá vai — Respirei fundo, antes de começar a preparar me discurso de "Porque sou ateu", e também preparar meu subconsciente para a enxurrada de críticas que vão ser feitas quando eu terminar de falar — Eu não vou falar pra você "Ah porque não existe nenhum relato que prove que Deus existiu". Vou começar do começo, quando você começa a fase do desenvolvimento da adolescência é o momento onde o racional humano fica mais forte. É nesse momento onde o caráter começa a ser formado. Escolhemos nossos gostos, o que nós queremos ser e o que nós queremos seguir. Foi nesse instante em que eu comecei a pensar sobre as coisas ao meu redor e as explicações de "é porque Deus quer" já não bastavam. Queria saber o porquê, investigar e descobrir. Não conseguia mais imaginar um "ser" dentre as nuvens que controlava tudo, um ser que inventou tudo, mas também não foi só por isso. Foi um dia, assistindo uma das muitas reportagens sobre as crianças que morrem na África devido a fome, que me veio o pensamento: "Se existe um Deus tão poderoso, bondoso e que nos ama intensamente, por que ele não muda o destino das crianças africanas que nascem predestinadas a morrer?". Se Deus é tão do "bem" assim, que sabe de todas as coisas, porque ele colocou aquele fruto da maldade no jardim do Éden sabendo que Eva iria comer? Se ele sabia que a humanidade iria virar isso, porque ele deixou que chegasse a esse ponto? E foi assim, dentre dúvidas e perguntas sem respostas que apenas a ciência podia responder que me tornei ateu. Percebi que não estamos aqui por causa de um ser que criou tudo em alguns dias, mas sim por uma evolução demorada

— Mas você não se sente, sei lá, sozinho? E quando a sua família está com alguma doença perigosa, a quem você clama? A quem você reza para que fique tudo bem?

— Não me sinto sozinho, apenas não necessito de um ser superior para me sentir vivo ou me dar sentido na vida — Suspirei, passando as mãos em meus cabelos — Minha família não liga pra mim, meu pai me abandonou quando eu nasci e minha mãe é uma prostituta que se droga todos os dias e que não passa nem uma hora direito em casa, o resto da minha família eu nunca precisei conhecer. Mas eu não preciso deles, eu sou feliz assim — Sorri triste, encarando Shawn que tinha uma cara de choque em seu rosto e os olhos cheios de lágrimas, ele não estava chorando mas seus olhos estavam molhados

— Eu sinto muito, Cameron

— Tudo bem — Dei um meio sorriso — Acho muito legal de sua parte tentar me entender antes de me julgar. O preconceito é o pior modo de ver as coisas

Shawn ia responder quando ambos ouvimos o sinal tocar, ele pulou do banco com o som inesperado e se despediu apressado, correndo até sua sala. E eu fiquei lá pensando em como Shawn foi o único que não me julgou por eu ser ateu e como eu estava cada vez mais próximo dele e das minhas tatuagens. Talvez ele não seja como eu pensava

O Filho do Pastor • Shameron VersionOnde histórias criam vida. Descubra agora