Lágrimas na Chuva

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M V Belo

marcusvbma

Chego à livraria. Cinco da tarde. O escroto do meu chefe me liberou mais cedo, só pra poder ficar sozinho com a Rutinha. Pervertido.

Aqui é meu refúgio. Consigo passar horas e horas aqui, esqueço-me de todos os problemas, e todas as pessoas, principalmente... Bem, principalmente todo mundo.

Hoje quero olhar os livros sobre linguagem corporal. Acho que preciso tomar um novo rumo. Mas, cá entre nós, eu vou é olhar todas as estantes. Folhear as edições mais bonitas, arrumar os livros que estão bagunçados. E olhar. Porque um bom leitor sempre está olhando, não é mesmo?

Fui para a prateleira de autoajuda. Escrito em letras garrafais. AUTOAJUDA. Olhando para mim, da prateleira do meio, uma mulher muito sorridente cheia de sacolas na mão. Título do livro: "12 dicas imperdíveis para enriquecer sem suar.". Pensei no escritor, em casa, recebendo dinheiro por isso. Sem suar.

Peguei uma lombada interessante: 7 passos para identificar um mentiroso. Quando vou retirando o livro, sinto uma presença atrás, como uma barata andando por dentro de uma porta de madeira, você não consegue vê-la, e às vezes nem a escuta, mas sabe que a danada está lá dentro, esperando você sair para dar as caras. Lembra-se do Gregor?

- Oi - digo.

- Oi - a moça responde. De cabelos sem muita graça, entre um castanho escuro e um castanho claro, mascando chiclete e com um par de fones do tamanho de dois cogumelos gigantes. Preciso jogar Super Mario. À noite, talvez. Sorriu e tirou os fones dos ouvidos, deixando eles grudados no pescoço. - Eu acho que esse livro aí não vai funcionar.

- Por que você acha isso?

- Ora porque, todos nós gostamos de pessoas mentirosas. O mundo seria um caos se não existisse mentira.

Ela tem um cheiro bom. Lembra minha mãe. Devem até ter o mesmo nome. No mínimo o mesmo pescoço.

- Eu nunca menti, digo, cruzando os dedos e beijando-os.

Ela ri, mas sem graça. Convenção social apenas.

De repente vira num giro de 180 graus, leve, perfeito. Seus cabelos rodam junto com seu corpo. Ela corre e abraça um homem. Provavelmente da mesma idade dela. Irmão, será? Se beijam. Não, namorados.

Ouço o homem perguntar: "Quem é esse cara ali", olhando-me por cima dos ombros, largos. Ela dá de ombros, me olhando por cima dos seus ombros, seus fones balançando, subindo e descendo.

Recoloco o livro na estante, nem lembrava mais dele em minhas mãos. Parece insignificante e inapropriado agora. E agora, que livro olhar?

Decido não olhar mais nessa estante. Repulsa. Melhor rodar na livraria a esmo, mas evitando o casal. São tantos livros. Será que alguém conseguiria ler todos eles? Talvez, se viajasse para o passado, e usasse o tempo para ler. Será? Acho que enlouqueceria depois de ler tantos livros. Muita informação.

Baixo a vista e vejo um livrinho no chão. Quase encoberto pelo expositor da entrada. Me abaixo para pegá-lo. Na capa um casal na cama, ambos lendo livros, de óculos. Narigudos. Título: 5 regras de ouro para casais felizes. E, o melhor, baratinho. Dois reais e meio. Vou levar. Corro para o caixa. Ninguém ali, apenas uma atendente olhando seu celular. Ou seja, ninguém ali. Pago com minhas últimas moedas, e saio.

O céu está escuro. Olho a nota fiscal. Nela diz serem dezoito horas. Mas parece ser mais tarde. Madrugada. O trânsito continua caótico. Ainda bem que ando a pé. Sem engarrafamentos. Sem multas. "No Stress" era o slogan da moça da livraria... Ops, calma, da camisa da moça que encontrei na livraria. Isso. Sem Estresse.

Ecos 9Onde histórias criam vida. Descubra agora