E. Reuss
Era noite e o elevador ascendia até o décimo andar. Daniela ouvia o som das correntes e outros ruídos metálicos reverberando pelo vazio acima de suas cabeças. Vozes distantes de homens e mulheres isoladas por paredes finas. Cantoria no chuveiro. A risada de um bebê.
Isso foi logo depois do fim do expediente, quando Daniela entrou no escritório da Gerente Regional e disse: "Tem um espírito vivendo no meu apartamento." A Gerente Regional atribuiu aquilo ao alcoolismo da amiga, é claro, mesmo não tendo certeza se os cegos podiam ter alucinações.
Quando desceram do elevador e entraram no corredor escuro, a Gerente Regional finalmente expressou sua apreensão.
"Ai. Não sei se eu quero entrar."
Daniela parou com o molho de chaves na mão. Olhou com seus olhos que nada viam para a amiga e ensaiou um olhar de desaprovação.
"Não vai acontecer nada." Daniela disse. "Ele é um covarde."
Daniela abriu a porta.
A Gerente Regional entrou e acendeu as luzes que Daniela nunca acendia.
Daniela estava parada no meio da sala de estar, mãos levantadas com as palmas para cima como se perguntasse "e então?".
"O quê?" A Gerente Regional disse.
"Alguma coisa estranha?"
"Não."
"Vamos lá pra dentro." Disse Daniela, avançando pelo interior escuro da casa, passando a centímetros de distância de obstáculos potencialmente desastrosos e projetando suas mãos e agarrando maçanetas com uma exatidão que costumava entreter a Gerente Regional. Mas naquele momento, seguindo sua amiga cega por corredores escuros e estreitos à procura de um fantasma ou, mais provavelmente, um depravado sexual, tudo o que ela sentia era medo.
Antes de acender a luz do banheiro, imaginou o estuprador sentado na privada e se levantando lentamente com o olhar doentio de alguém que vive como uma sombra. Daniela gritaria e balançaria os braços inutilmente enquanto a Gerente Regional era atacada com uma tesoura.
As luzes se acenderam e nada aconteceu.
Foram até a sala e a Gerente Regional enxergou no guarda corpo da sacada um objeto azul. Se aproximou o suficiente para ver o que era e emitiu um grunhido.
"Que foi?" Daniela disse.
"Nada..."
"Quê?"
"Só que tem uma cueca aqui."
Era uma cueca azul cobalto recém-lavada e ainda úmida sobre o guarda corpo de ferro da sacada.
Ficaram mudas e paralisadas diante da descoberta. A Gerente Regional varreu a noite com seus olhos. Apoiou as mãos sobre o metal gelado do guarda corpo e se inclinou para fora. Flagrou o brilho de algo sob a janela de um apartamento do outro lado da rua.
"Vê alguma coisa?" Daniela disse.
Aquilo era uma... Poderia ser?
Era. Uma perna pendurada na proteção de um ar-condicionado no bloco de apartamentos ao lado. Não uma perna de verdade, mas uma prótese feminina ainda vestindo uma meia calça.
A Gerente Regional descreveu a perna para a amiga. A simples constatação de que coisas eventualmente são lançadas para fora de janelas acalmou as duas mulheres. Afinal, as coisas só se tornam estranhas quando deixam seu habitat. Quando a prótese andava acoplada ao joelho deformado da moradora do 201 do prédio vizinho, ninguém dava a mínima.
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Ecos 9
Short StoryNessa edição da Ecos, você pode junto com cada um dos autores percorrer a mesma estrada que um um dia foi trilhada por um aldeão em sua jornada de sua cidadezinha do interior deixando sua pequena loja para cuidar de uma maior na cidade grande, compa...