Quanto maior o rio, menos ruído ele faz

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J. D. Amorim


Yulua corria arrastando Ibiretê e Cauã, seus irmãos. O som de ossos sendo partidos se intensificava conforme ela acelerava. Um animal não poderia se segurar tanto apenas para causar terror na presa. O som martelava os ouvidos de Yulua, parecendo uma junção de "as" e "os". Na floresta não havia ruído. Era como se toda ela estivesse com medo da criatura que seguia Yulua.

O som ficava mais alto e ela já não tem tanta certeza se as histórias do pajé eram só histórias.

A curumim de olhos castanhos, escondidos pela máscara de urucum, vê uma palmeira. "Salva", ela pensou. A palmeira é a única árvore da qual o Ao Ao não pode destruir as raízes. Ela é enorme. Yulua retirou três pares de corda de juta que carregava para brincar com as outras meninas. Agora ela devia fazer os irmãos subirem rápido na palmeira.

- Ibiretê, Cauã! Cada um de vocês pegue uma corda e suba como se fossem colher açaí - as crianças então começaram a escalada com agilidade. Yulua ouviu um rosnado baixo e se desequilibra ao ver a figura aos pés da palmeira. Algo parecido com um carneiro, do tamanho de uma anta. Uma cabeça enorme e desproporcional que ela não consegue compreender, pois parece mudar de forma, evidenciava uma quantidade absurda de dentes afiados e brilhantes, pequenas lanças na escuridão.

O animal intensificava o som de "ao ao". Ele se sacode e tenta se aproximar das raízes, mas toda tentativa é premiada com um grito de dor. Ele desiste e se vai.

Alguma coisa maligna, uma sensação de queda e frio no estômago, angústia enche o ar. Uma voz grave, pesada e inebriante, invadia a mente de Yulua.

- Finalmente. Parece que um curumim ouviu as histórias que os pajés contam e guardou as informações–o riso era baixo e grave - Diga Yulua, filha de Apuã, neta de Tamto, você gostou do passeio?

- Por favor - a voz estava embargada – Você pode nos ajudar?

- Como? Tenho certeza de que isso não será necessário, você garantiu a seus pais que não iria longe e que vigiaria os dois pequenos.

- É você, Peri? Guaraci? - Tentava encontrar alguém na mata abaixo dela - Eu aceito qualquer castigo, só nos leve de volta, está bem?

- A sua imprudência é realmente admirável. Você é quase tão tola quanto Porasy - Cauã começava a chorar baixo.

- Peri deixe de brincadeiras! Você sabe que eu não fiz por mal. E não ofenda os deuses, Porasy salvou a todos trancando os sete filhos de Taúba.

- Você tem razão. Ela realmente salvou, não foi? Diga-me Yulua, você ama sua tribo?

- Quem fala? – Yulua já não tinha certeza se eram Peri e Guaraci brincando com ela - Que filha de Nhamandú não preza pela segurança de sua aldeia?

- Mas você ama sua aldeia mais do que ama seus irmãos? - completou a voz.

- Amo da mesma forma, pois os dois são família. Agora pare com isso, só quero ir para casa – a curumim suplicava. Desde que teve a ideia de passear na mata ao entardecer ela tentava ser forte. Mas já não aguentava mais. As lágrimas brotaram como uma pequena nascente nos seus olhos.

- Calma pequena, você possui sabedoria para uma idade tão tenra, deve entender que não adianta chorar agora – a voz ganhou o tom irônico de antes - Gosto disto. Por viver a milênios eu costumo ficar ente...

- Quem é vo...

- Silêncio!!! – a voz se tornou ensurdecedora - Quando o mais velho fala, os curumins se calam! Quando um deus se mostra, os homens reverenciam - voltou ao tom mais leve, porém feroz - Eu sou Taúba ou, como vocês me chamam: a ganância, a miséria, a dor, o sofrimento, o pai dos sete monstros. Nesses milênios eu me entedio com facilidade, por isso brinco com os filhos de meu pai. Canso-me de observar a fragilidade desta terra – suspirou - Quero fazer um jogo.

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