Luiz Mariano
Início da história de Mãe Joana.
Mãe Joana foi uma moça sobre a qual uma profecia circulava nas redondezas - Essa menina salvará a nossa gente - Disse Glorinha, preta velha que não esquecia de nada. Aliás Glorinha dizia que "Mãe Joana", assim mesmo, com "Mãe" germinando o nome, viria ao mundo cega e sem pai, sem genealogia. Glorinha, em seu vestido branco, dava conselhos, sempre sábios, sempre sorridente.
Nascida em Itacaré na Bahia, foi a maior da humanidade. Mas como chegou a isso, a esse nível, a Mãe Joana?
Mulata, filha de escrava. Nasceu na senzala. O parto horrível, veio sem braço ela, a calada, cega e coxa, que falava e dizia somente a verdade. Abandonada pela mãe, Joana, olhos brancos, dedos trêmulos, foi abençoada com um estupro logo aos 13 anos, quando Glorinha morreu, na sua frente, ao tentar lutar contra os agressores. E Mãe Joana, caída entre as poças de lama, disse: "Um dia, vocês morrerão. E serão perdoados pela Toda-Uma, a mãe de todos nós". Os estupradores, aliás catorze, emudeceram; era a hora do espanto. E ela desacordou.
Isso foi nos arredores de Itacaré. Aos 13, Mãe Joana, engravidada sem saber, perdeu o filho logo após o parto, e desse dia em diante passou a caminhar pela cidade, dormindo ao relento, renegada. "A louca, pobrezinha", todos diziam. Por onde passava falava com voz grave, serena. Despertava a todos de sua sina, mulher-símbolo. Certa vez, entrou numa igreja, e, parada no meio de todos, toda farrapos, disse: "Abençoados sejam todos os homens". Murmúrios de choro ziguezaguearam entre mulheres e homens. O padre, em seu coração, a invejou.
No dia seguinte, Mãe Joana passou na frente do dono da cidade, coronel Adalberto, que tinha a filha doente. - Deixa eu ver a menininha - falou com doçura a pequena sem braço. Apalermado, Adalberto permitiu a entrada dela que, ao tocar a criança, curou-a instantaneamente. Todo choro e sorrisos, Adalberto caiu aos pés de Mãe Joana, dizendo, rezando e se benzendo. Ao que Mãe Joana, simples, respondeu:
- É chegada a hora da graça. Cuide bem dos seus, menino.
Saindo dali, caminhou até uma vila vizinha, paupérrima. Na ocasião circulava pela mesma região dois cientistas, gente do exterior, que averiguavam os espécimes animais e vegetais, flora e fauna, e os minerais. Vendo-a, instintivamente viraram os olhos buscando horizontes. Mas ela pôs-se a falar com eles, e eles como que iluminaram seus cérebros e corações, dir-se-ia cheios de raios, tamanha a intensidade com que os apontamentos de Mãe Joana infundiram-lhes. E ela lhes dizia: "Cuidem de suas crianças. Não só do bicho homem, mas dos animaizinhos e plantas. Eles também são gente, da sua forma própria. Até a terra é a gente!". Quando eles se disseram ateus, ela sorriu e, coçando agachada: "Pois eu também. Só acredito na mãe, a água-mãe, onde os separados se juntaram e nasceu vida, né?". E eles se entreolhavam admirados. (Mais tarde, lembraram-se dela, aqueles dois; e diziam que, se não fossem ateus, fundariam uma religião com ela sendo a enviada de Deus na Terra. Ela, a pobrezinha. Diziam eles que, "na falta de objetividade da ética, seguimos Mãe Joana".)
Nem bem ela saíra dali, um estouro de boiada aterrorizou a rua geral, a turba toda espavorida. Vinham, ferozes e grandes, na direção de Mãe Joana. E, firme, ereta, pôs a palma da mão, aberta, na direção dos bois; e ordenou: - Parem! Sou a Mãe Joana. - E eles, talvez obedecidos, fincaram os pés no chão, para muita alegria dos donos, muito gratos, que, cheios de espanto, murmuravam entre si: "É santa... Parece até mãe... Mãe de animais e gente... Como é o nome? Joana... Mãe... Mãe Joana!" E a fama dela se alastrava pelas redondezas, qual doença contagiosa ou boataria.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ecos 9
Короткий рассказNessa edição da Ecos, você pode junto com cada um dos autores percorrer a mesma estrada que um um dia foi trilhada por um aldeão em sua jornada de sua cidadezinha do interior deixando sua pequena loja para cuidar de uma maior na cidade grande, compa...