R E L A C I O N A M E N T O S

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Chego à igreja super atrasada. São 19h59min. Para os outros eu não costumo me atrasar, mas perdi a hora. Estava tentando disfarçar as olheiras. Estava tentando esquecer as coisas. Bem que tentei, porém minha cara não nega tamanha decepção. Até que consegui disfarçar um pouco, com maquiagem e um sorriso amarelo. Ou até posso usar a desculpa de que estou com cólica. TPM. Gases. Que horror, mas fazer o quê né?

Subo as escadarias do templo feito de mármore. Oito degraus e estou em frente à porta de vidro fumê. Mais seis meses e eu entraria vestida de noiva, passando por oito degraus rumo à fase mais sonhada da minha vida. Entro com a Bíblia apertada ao peito e encontro todos reunidos nos três últimos bancos da igreja. Marlee e Alison juntos como sempre.

Jefferson, um rapaz branco, cabelo preto azulado, olhos azuis e dono de um talento incrível, sabe tocar violão como ninguém. Ele é bonito, as meninas vivem atrás dele. Como eu sei? Ora, sabendo.

Ananda, que é a mais patricinha da nossa congregação, não é nojenta, mas estilo "não me toque". Ela tem o cabelo mais bonito que já vi na cidade, loiro original, caimento perfeito pelas costas e brilho que reflete nos vitrais do templo.

Júlia é extremamente clássica, seu cabelo castanho sempre preso num belo coque ou trança francesa realça ainda mais seu rosto angelical. Ela é a noiva de Jonathan, um rapaz centrado, inteligente e com cara de mais velho. Não sei a idade dele, mas sei que eles formam um lindo casal.

Gaby e Sueli são gêmeas idênticas. Nós as apelidamos de chocolates. Eu já falei do cabelo mais bonito, porém, você nunca vai achar um cabelo tão cheiroso como o delas. Tem cheiro de menta.

Esther é um livro de auto-ajuda em pessoa. Ela sempre tem bons conselhos e isso reflete na sua aparência. Não é lá muito séria, porém quem a vê diz que possui 30 anos. Recentemente, na tentativa de provar que não possui a alma tão velha assim, cortou o cabelo no estilo Joãozinho. Foi um choque pra nós!

Mica, uma adolescente quase jovem. Ela é aquela garota revoltada com a vida, sempre de mau humor, sempre se rebelando, sempre de "preto para combinar com a alma". No entanto, ela é bonita. Se parasse de se fechar pro mundo seria uma jovem muito mais bonita.

E por fim, Samua, conhecido por sua extrema inteligência. Só isso. Não que ele não seja bonito. Ele é. Mas esconde 90% da beleza na timidez e nas roupas maiores que o seu peso. Não que um moletom seja feio, mas custa vestir roupas apropriadas pra sua estatura? Os olhos dele são lindos. Nem verde, nem azul. Cinzas. Nunca vi olhos tão perfeitos. Você já? Porque eu não.

Ao som do meu coturno, no porcelanato do templo, todos viram o pescoço pra mim como aquela garota do filme exorcista. Acho que todos já sabem do ocorrido. Será mesmo? Sinto-me constrangida, mas dá pra encarar. Sento-me ao lado de Marlee no segundo banco.

- Shalom Lizza! Hoje estamos falando sobre os relacionamentos. O que você pode compartilhar conosco sobre isso? - pergunta o nosso líder juvenil, Gaspar. Lutamos para colocá-lo como nosso orientador nas reuniões de estudo. Ele nos entende. Parece que vai ao fundo do nosso cérebro e acha as nossas dúvidas mais cruéis. Ou talvez ele leia as nossas mentes. Não. Deus, com certeza, fala com ele. Sua estatura compensa sua tamanha inteligência. Pequeno, uma barriga proeminente e vejamos...não tem cabelo, olhos pequenos e negros que contrastam com a sua pele bronzeada.

Mas, o que posso compartilhar sobre relacionamentos, justo quando estou num momento em que acabei de perder um. Levando em conta os últimos acontecimentos da minha vida, eu não sou a referência certa pra falar sobre isso. Parece até que é um trote. Vim tentando esquecer e agora vou ter que lembrar. Ninguém precisa saber do que aconteceu. Só Deus.

- Bem... Relacionamentos são essenciais para a nossa convivência, eles são a base de tudo na nossa vida, desde um relacionamento com Deus ao relacionamento com alguém que você escolhe pra passar o resto da sua vida... - a foto que vi no perfil do whatsapp se torna nítida na minha mente e uma raiva desce ao meu coração. - são complicados, mas pode-se vencer através do diálogo.- termino com um olhar irônico e tenho certeza de que todos perceberam.

- Muito bem colocado, Lizza, - continua Gaspar - Samua?

- Desde a criação do homem Deus criou o relacionamento, na minha concepção. O homem nunca é bom sozinho, ele precisa de alguém pra se apoiar. - diz Samua.

- Alguém concorda com Samua? - continua Gaspar.

- Eu concordo! É impossível viver sem compartilhar sua vida com alguém... Ninguém pode viver isolado.- Diz Esther

- Bem, vocês estão por dentro do assunto! Alguém tem outra colocação? - pergunta Gaspar.

- Eu acho que algumas pessoas vivem isoladas porque já se machucaram e tem medo de acontecer algo pior. - acrescenta Mica.

- Ou são deprimidas. Pessoas assim se fecharam pro mundo porque acham que ninguém as compreendem...- diz Sueli.

- Mas é errado se isolar por um tempo? Tipo...você sofre uma decepção e decide dar um tempo pra se recompor...- pergunta Ananda. Considero uma boa pergunta, vai servir pra mim...

- É perigoso Ananda...é mais proveitoso orar a Deus e pedir direção. - responde Gaspar com um olhar preocupado.

- Eu já passei um tempo isolado pra esquecer alguém, no começo funcionou, mas é ilusão. Muito melhor orar a Deus!- responde Samua.

Por mais ou menos uma hora conversamos sobre relacionamentos, e eu fiquei sorrindo como se nada estivesse acontecendo e como se aquele assunto não me afetasse. Por fora eu estava sorridente, por dentro um turbilhão de perguntas brigavam pelo pódio da resposta.

Finalmente a aula acabou e pude enfim respirar por não ter quer encenar por mais um minuto.

Saímos devagar, como sempre. O que sempre acontece no final das reuniões? Se você não é popular, sai despercebido. Se tiver um bom número de amigos, sai depois de dois ou três abraços. Se você é popular? Você vai demorar em voltar pra casa. Eu não sou popular. Muito menos tenho um bom número de amigos. No máximo, só Marlee e Alison. O que penso disso? Não ligo muito.

- O pessoal vai pra pizzaria! Vai também?- Pergunta Marlee, que me para na entrada abraçada à Alison.

- Não... Eu vou pra casa. Preciso fazer umas coisas... - digo com um sorriso amarelo.

Na verdade, eu quero me trancar no quarto e esquecer "o mundo e suas concupiscências".

- Tudo bem... Vou lá amanhã tá? - ela me abraça e beija o topo da minha cabeça, bagunçando minha trança francesa.

Desço a escada e vou seguindo para casa. Rua deserta. São 21h40min. Aperto a Bíblia junto ao peito e sigo a passos largos pelo caminho de casa. Permito-me sentir a corrente de ar gelado que vem de encontro ao meu rosto. São 20 minutos pensando na vida e apreciando a vista. Casas com luzes acesas. Árvores podadas. Gatos à espreita no lixo alheio. Uma melodia distante. Alguém deve estar escutando música antiga. Até que chego ao portão da minha casa. Um muro verde água com portão preto. Abro e passo pelo jardim que meu irmão deseja manter mas não tem tempo pra limpar. Há inúmeras rosas secas e folhas espalhadas pelo capim sintético que ele colocou há um mês atrás .Abro a porta e sigo direto para o sofá cinza da nossa sala. Tiro o coturno e ponho os meus pés ainda de meia na mesinha com revistas sobre economia que meu irmão ganha na empresa onde ele é consultor.

Se eu contasse para alguém que ainda me sinto noiva de Brian, o que diriam? Enquanto todos estão na pizzaria, eu fico me punindo por algo que não tenho culpa! Ou tenho?

Eu acho que nunca vou superar essa crise...acho que é o fim...

Para alguns soa dramático. Entendo. Até dois dias atrás eu era outra pessoa.

Nunca imaginei que isso fosse acontecer...

Existe um propósito para sua vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora