Sal grosso

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Rica, procurando alguém legal pra ficar com a minha herança. Alguém que não fume, porque vai ter que viver muito pra gastar toda a grana, de preferência aventureiro, porque na lua de mel vamos nadar nas praias mais longínquas do mundo. Um aventureiro louco, por favor.

Essa tirou cem na categoria comédia! Usei meu Super Like diário e deixei o aplicativo aberto por horas; é uma tentação, você não quer olhar, mas olha. À tarde veio a combinação. No ato, sem perder tempo, mandei: "No restaurante mais caro da região, você paga. Quero um espumante. Vou de vermelho. Que horas nos vemos?" Ela riu, mandou quatro linhas de "kkkkk".

Marcamos de nos ver na Avenida Paulista, ponto do Trianon-Masp – aquele parque charmoso no meio dos prédios. Cheguei uma hora antes, passei num bar e pedi uma cerveja, joguei sal no copo e fui virando. Sal ajuda a purificar os chacras, eu estava desalinhado, meu último Match foi uma delegada que namorou uma mulher trans e descarregou em mim uma série de problemas pessoais da família do Carlos – a trans. Chegou a um ponto em que eu queria parar tudo e ir ajudar o Carlos. "Ah, é? Toma o contato dele e morram vocês dois. Suma da minha frente, você e o Carlos." (Ainda bem que a delegada não ia armada aos encontros.)

Fiquei amigo do Carlos, praticamente melhores amigos. Rimos muito ao nos lembrarmos dos perigos que passamos com a delegada. "Ela me apontou a arma e me mandou ficar de pau duro", contei. Carlos morria de rir. Foi ele quem me ensinou a usar sal grosso: "Anda com um saquinho na carteira, ajuda a espantar espíritos e traz dinheiro". Posso afirmar: funciona pela metade – eu não vi espíritos. Carlos foi crucial na minha vida nova, ele é meu padrinho de casamento; e tudo começou o sal.

O encontro com a menina "rica" seria no ponto em frente ao MASP. Ela sugeriu: "Vamos nos encontrar lá e depois passar na Paulista?" "Ok." Date marcado. Estava eu lá, terminando a cerveja antes de ir ver a rica. Voltei ao ponto na hora marcada e vi a garota encurvada na entrada do Parque Trianon. De repente, com os braços cruzados na barriga, ela correu até um táxi e foi embora. Não entendi aquilo. Entrei no táxi logo atrás e brinquei de filme: "Moço, siga aquele táxi. Ah! Espera, você passa cartão?" "Passo." "Ok, siga aquele carro!"

Seguimos a menina pela Paulista, descemos uma travessa em direção ao Ibirapuera. Não sei aonde estava indo, mas a fisionomia dela me preocupou; a menina estava alterada – sorte que eu tinha o sal grosso, nenhum espírito ia roubar o meu Match novo. Seria a minha última vez nesses encontros, já estava cansado de aplicativos.

O táxi parou numa farmácia perto do Ibirapuera, a garota demorou a descer, o motorista virou-se para ajudar, parecia que ela tinha algo grave; depois de muita mexida, desceu. Entrou na farmácia. Fiquei preocupado. Que mistério seria esse? Nem nos vimos e a menina já chega com um espírito imundo no corpo? Não aguentei, entrei na loja; se eu fosse desativar os aplicativos, seria naquele momento, usando a possuída como mártir.

Cutuquei a menina na fila, ela olhou de lado – quase morreu de susto –, mas não gritou, abraçou o tronco e deu uma miada. Olhei para o moço do caixa e fiquei preocupado, não queria causar tanto mal assim à menina só com um toque de indicador (imagina se a gente fosse transar). Pensei várias coisas, só consegui falar: "Então tá, calma, tchau", saí. Ela veio e me puxou: "Aí, meu, foi mal. Não esperava ver você aqui... Assim... Agora... Tipo, o que você tá fazendo aqui, cara? Você tinha um encontro comigo agora, você me deu bolo?" Eu ri alto, a menina era muito legal. "Gata, eu te amo", dei um abraço nela. Rimos tanto que sentamos no meio-fio.

"Tá, vai, me conta. O que você tem? Tipo, eu tava lá no Trianon, vi você chorando e entrando no táxi e vim atrás. Fim. O que tá rolando? Me achou feio?" "Não, claro. Desculpe. Eu nem te vi. Enfim. Cara. Olha. Tá... É que eu me cortei na grade do parque, meu. Cheguei mais cedo pra relaxar um pouco e, você sabe, aí escorreguei e me cortei no ferro." Ela mostrou a mão – um centímetro de corte, nem sangue tinha.

"Nossa, que corte feio", eu não ia perder aquela garota, ela era superdivertida, "muito feio, tá doendo demais, né?" "Tá." "Tomou a antitetânica? Passou Merthiolate? Quer ir ao hospital dar ponto?" "Ah, não, acho que não precisa. Foi pequeno, olha." "Ah, menina! Tenho uma coisa aqui", tirei o sal grosso, "me dá a mão." Ela confiou em mim e mostrou a mão suada de nervoso. "Vai doer só no começo", passei o sal. Nem doeu nada, ela riu e me beijou. Exorcizei os meus demônios e sarei o corte da menina.

Nos casamos. Na hora de sair da igreja, jogaram sal grosso em nós, mas pedi aos padrinhos antes: "Galera, isso é sal, não é pra jogar na gente, ok? Só no chão". A lua de mel foi numa praia muito perto de São Paulo (a grana foi pouca). Estamos felizes até hoje. O Carlos voltou com a delegada – eles nos visitam sempre (não tiro o sal do bolso nunca). 

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Por Bruno Godoi
Baseado em fatos reais

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Olá meus amores! Hoje tem postagem em dose dupla! Tem mais um a seguir! \o/
Desculpem pelo atraso, continuo sem Wi-fi =/

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